terça-feira, 12 de março de 2019

Governo de SP gastou menos da metade do previsto para combater enchentes desde 2014, G1

Por Léo Arcoverde, GloboNews
 

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Governo de São Paulo gasta menos da metade no combate a enchentes desde 2014
O governo de São Paulo gastou, entre 2014 e 2018, R$ 1,8 bilhão dos quase R$ 4 bilhões previstos para prevenir enchentes no estado, aponta levantamento feito pela GloboNews com base na Execução Orçamentária, disponibilizada pela Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento. O valor investido corresponde a 47% do orçamento estimado no período.
Entre a noite de domingo (10) e a madrugada de segunda-feira (11), uma forte chuva matou 12 pessoas e causou estragos em cidades da Grande São Paulo.
A reportagem comparou o orçamento previsto para cada ano, após a aprovação da Lei Orçamentária pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), com o gasto efetivamente feito anualmente (valor liquidado) do programa "Infraestrutura Hídrica, Combate a Enchentes e Saneamento".
De acordo com o governo do estado, o objetivo desse programa é "ampliar a capacidade de serem evitadas enchentes, especialmente em áreas metropolitanas, para prevenir riscos de afogamentos, contaminação hídrica, veiculação de doenças (leptospirose, cólera), interrupção de atividades econômicas nas áreas atingidas, transtornos na mobilidade urbana".
Pessoas caminham em área alagada no bairro de Vila Prudente, em São Paulo, após fortes chuvas entre domingo (10) e segunda (11) — Foto: Amanda Perobelli/ReutersPessoas caminham em área alagada no bairro de Vila Prudente, em São Paulo, após fortes chuvas entre domingo (10) e segunda (11) — Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Pessoas caminham em área alagada no bairro de Vila Prudente, em São Paulo, após fortes chuvas entre domingo (10) e segunda (11) — Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Essa definição consta das próprias leis orçamentárias e representa um dos principais programas executados pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente.
Os dados oficiais apontam que a diferença entre os valores previstos e efetivamente executados foi maior durante os anos de 2015 e 2016, quando o Brasil viveu uma recessão econômica.
Em 2016, o governo do estado gastou 30% do valor previsto (R$ 259 milhões de quase R$ 873 milhões aprovados no Orçamento daquele ano).
Gastos do governo de SP contra enchentes
Desde 2014 o governo usou 47% do total disponibilizado para a área.
Gastos anuais681.311.681681.311.681640.339.619640.339.619872.883.264872.883.264735.271.993735.271.9931.004.762.2981.004.762.298346.913.263346.913.263281.631.466281.631.466258.987.685258.987.685443.255.628443.255.628511.826.165511.826.165Dotação Inicial (em R$)Valor liquidado (em R$)20142015201620172018200M400M600M800M1.000M1.200M
Fonte: Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento
O gasto efetivo com o combate a enchentes até aumentou ao longo dos últimos anos, de acordo com os dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento. No ano passado, por exemplo, foram investidos R$ 511,8 milhões, o valor mais alto registrado desde 2014. Esse investimento, no entanto, representou 51% do total orçado para a área em 2018.

Queda no Orçamento

A Lei Orçamentária Anual de 2019, aprovada pela Assembleia Legislativa no fim do ano passado, prevê R$ 760 milhões para o governo investir em ações de prevenção a enchentes. Esse valor é 24% inferior ao orçamento previsto em 2018 (R$ 1 bilhão).
Em nota, a assessoria de imprensa do governador João Doria (PSDB) diz que, “nestes três meses de nova gestão, a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente inaugurou o piscinão de Franco da Rocha, com capacidade de 200 milhões de litros, que reteve a chuva desta segunda-feira (11). No último domingo, foi entregue o Parque Helena, na Zona Leste, que, além de preservar a área de várzea do Tietê, aumenta a permeabilidade do local”.
Chuva alaga vias e bloqueia trânsito em SP — Foto: Reprodução/TV GloboChuva alaga vias e bloqueia trânsito em SP — Foto: Reprodução/TV Globo
Chuva alaga vias e bloqueia trânsito em SP — Foto: Reprodução/TV Globo
A gestão Doria acrescenta que o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) realiza o “desassoreamento de 85 km do rio Tietê, com a remoção, só neste ano, de 108,6 mil toneladas de sedimentos e a retirada de 42,3 mil toneladas de resíduos com as limpezas dos piscinões da região metropolitana”.
A nota afirma, ainda, que a atual gestão “herdou da gestão anterior o orçamento para investimento em obras e serviços de 2019 no valor de R$ 759 milhões”. Também diz que “entre 2014 e 2018 o Brasil sofreu a pior recessão de sua história, o que reduziu a capacidade de investimento de várias esferas de governo”, mas que a “atual gestão não tem como avaliar a execução orçamentária da anterior".
Em nota, a gestão do ex-governador Geraldo Alckmin afirma que, “do orçamento previsto para o combate a enchentes, entre 2011 e 2017, de R$ 1,28 bi, foi executado R$ 1,19 bi, ou seja 93% do total”.
“Durante a gestão do governador Geraldo Alckmin foram construídos 16 dos 32 piscinões, metade dos que estão em funcionamento. Neste período, também foram feitos o rebaixamento da calha do rio Tietê em 2,5 metros, nos seus 23km entre a Barragem da Penha e o Cebolão, e as obras de polderes, uma das mais clássicas técnicas de drenagem para controle de enchentes em locais de baixa altitude próximos a rios", acrescenta.

Enchentes urbanas: a criminosa insistência em um modelo fracassado, por Álvaro Rodrigues dos Santos, GGN

Várias cidades continuam a cometer os mesmos erros básicos que estão na origem causal das enchentes urbanas
Alagamento em São Bernardo do Campo - Foto Grupo União de Jornais

Enchentes urbanas: a criminosa insistência em um modelo fracassado

por Álvaro Rodrigues dos Santos

Apesar dos grandes recursos financeiros já investidos em obras e serviços de infraestrutura hidráulica, como ampliação das calhas de seus grandes rios, a dura realidade vem mostrando que um enorme número de médias e grandes cidades brasileiras estão cada vez mais vulneráveis a episódios de enchentes. Há uma explicação elementar para tanto: resistindo a admitir o total fracasso do modelo adotado para o enfrentamento do problema, todas essas cidades continuam a cometer os mesmos erros básicos que estão na origem causal das enchentes urbanas.
Relembremos a equação básica das enchentes urbanas: “volumes crescentemente maiores de águas pluviais, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.
Ou seja, a cidade, por força de sua impermeabilização, perde a capacidade de reter as águas de chuva, lançando-as em grande volume e rapidamente sobre um sistema de drenagem – valetas, galerias, canais, bueiros, córregos, rios – não dimensionado para tal desempenho. E aí, as enchentes. Ao menos em seu tipo mais comum.
Excessiva canalização de córregos e o enorme assoreamento de todo o sistema de drenagem por sedimentos oriundos de processos erosivos e por toda ordem de entulhos de construção civil e lixo urbano compõem fatores adicionais que contribuem para lançar as cidades a níveis críticos de dramaticidade no que ser refere aos danos humanos e materiais associados aos fenômenos de enchentes. E, lamentável e inexplicavelmente, as cidades continuam a cometer todos esses erros.
Da equação hidráulica enunciada decorrem duas linhas básicas de ação para a redução das enchentes urbanas: a primeira, voltada a aumentar a capacidade de vazão de toda a rede de drenagem, a segunda, voltada a recuperar a capacidade da cidade reter uma boa parte de suas águas pluviais, reduzindo assim o volume dessas águas que é lançado sobre as drenagens.
Muitas cidades, a exemplo de São Paulo, tem quase exclusivamente atuado na primeira linha básica de ação, ou seja, procurado aumentar a capacidade de vazão de córregos e rios principais através de obras e serviços de engenharia, a um custo extraordinário e com resultados altamente comprometidos pelo violento processo de assoreamento a que todo esse sistema de drenagem continua sendo submetido. Infelizmente, ainda dentro dessa primeira linha de ação, praticamente nada se faz no que conta à indispensabilidade de atualização/readequação hidráulica da velha rede de drenagem já instalada, ou seja, canais, galerias, bueiros, etc.
Quanto à segunda linha de ação, ou seja, a recuperação da capacidade do espaço urbano em reter águas de chuva, priorizou-se a construção dos malfadados e dispendiosos piscinões, uma obra que por suas terríveis contra-indicações urbanísticas, pois que na prática constitui um verdadeiro atentado urbanístico, financeiro, sanitário e ambiental, deveria ser a última das últimas alternativas a serem pensadas.
No entanto, com esse mesmo objetivo de retenção máxima de águas de chuva, e sem as contra-indicações dos piscinões, há um enorme elenco de medidas, virtuosamente utilizadas em vários países, que sequer foram consideradas, apesar das insistentes cobranças do meio técnico: reservatórios domésticos e empresariais para acumulação e infiltração de águas de chuva, calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, multiplicação dos bosques florestados por todo o espaço urbano, etc. São as chamadas medidas não estruturais, que uma vez aliadas a um vigoroso combate aos processos erosivos e a uma radical coibição do lançamento irregular de lixo urbano e entulho da construção civil, constituem providência indispensável para o sucesso de qualquer programa de combate às enchentes. E mesmo que isoladamente não suficientes para a eliminação total do problema, terão a propriedade de reduzir drasticamente a quantidade, as dimensões e os custos das medidas estruturais de aumento de vazão que ainda se façam necessárias.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos – Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT  – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”, “Cidades e Geologia”. Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia