segunda-feira, 11 de março de 2019

Bolsonaro manda ministro da Educação exonerar assessor, FSP

Demissão de coronel vem após críticas do escritor Olavo de Carvalho

O ministro da Educação, Vélez Rodriguez - Pedro Ladeira-15.jan.19/Folhapress
Talita Fernandes
BRASÍLIA
Em meio a críticas do escritor Olavo de Carvalho ao governo de Jair Bolsonaro, o presidente pediu neste domingo (10) que o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, exonerasse o coronel Ricardo Wagner Roquetti do cargo de diretor de Programa da Secretaria-Executiva da pasta.
Bolsonaro e Vélez se reuniram na manhã deste domingo no Palácio da Alvorada, em Brasília, em encontro que não estava previsto inicialmente na agenda.
À Folha, Roquetti confirmou que teve seu afastamento solicitado por Bolsonaro.
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"O presidente pediu meu afastamento hoje em conversa pessoal com o ministro. A exoneração deve ocorrer durante a semana, pois é um ato administrativo burocrático que leva tempo", disse, sem querer comentar os motivos que levaram à sua saída. 
A exoneração do coronel se dá em meio a uma dança de cadeiras que Vélez vem fazendo no MEC, como mostrou a Folha na sexta-feira (8), diante de críticas de Olavo, considerado "guru" da nova direita e responsável por indicar o ministro da Educação a Bolsonaro.
Neste domingo, ele foi o principal alvo de Olavo no Twitter, que o chamou de "Bebianno de Vélez", em referência ao ex-chefe da Secretaria-Geral Gustavo Bebianno, que foi demitido por Bolsonaro em meio ao escândalo das candidaturas de laranjas, caso revelado pela Folha.
Em uma sequência de tuítes, com 14 postagens, ele narra os motivos pelos quais critica Roquetti. Segundo o escritor, ele se aproximou de Vélez e blindou o ministro.
Ele culpa o coronel da Aeronáutica pelo episódio da carta enviada pelo MEC às escolas, nas quais o ministro da Educação pedia que crianças fossem filmadas cantando o hino nacional. Após série de críticas, o ministério recuou.
"As reuniões passaram a acontecer com portas fechadas, e dentro da sala somente ele, Velez e Tozi. Assim, por exemplo, foi decidida a questão da carta (diferente do que a mídia propagou, de que os autores eram os alunos do Olavo – MENTIRA).", escreveu Olavo em uma das publicações deste domingo.
Tozi, a quem ele se refere é o secretário-executivo do MEC, Luiz Antonio Tozi. O escritor disse que a escolha do número 2 da pasta foi o "primeiro Cavalo de Troia no ministério", por ser ele "ligado ao ensino técnico e ao PSDB".
Desde sexta, o escritor intensificou as postagens em sua conta do Twitter com críticas aos militares e recomendou que seus alunos deixassem cargos no governo.
"Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo –umas poucas dezenas, creio eu– deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos", escreveu Olavo na sexta.
Ainda neste domingo, o escritor disse ter-se arrependido de três coisas, entre elas, de ter apresentado Roquetti à deputada Bia Kicis (PSL-DF).
Ele disse ainda lamentar o fato de ter "acreditado, nos anos 90, que os militares brasileiros teriam a coragem de reagir na Justiça contra a difamação jornalística das Forças Armadas" e por ter apoiado o general Hamilton Mourão para ser vice de Bolsonaro. 
Como mostrou a Folha neste domingo, em pouco mais de dois meses de governo, o presidente tem gastado boa parte de seu tempo e capital político para diluir os desentendimentos entre duas alas que o apoiam: os pragmáticos e os ideólogos. 

domingo, 10 de março de 2019

Orvalho de cavalo e bananas, Vinicius Torres Freire, FSP

Tutela não impede Bolsonaro de causar tumulto em rede nacional e no governo

Jair Bolsonaro tratou de lombadas e da importação de bananas do Equador em seu primeiro pronunciamento ao vivo. São assuntos da paróquia mental do presidente, mas pelo menos não houve outra crise urinária, como no Carnaval.
No último ano, o Brasil comprou US$ 108 milhões em produtos equatorianos, 0,06% do total das nossas importações. Cerca de 61% foram gastos em chumbo, preparados de peixe, chocolate e cacau. Bananas nem são discriminadas na lista. 
Bolsonaro reclamava do que acha concorrência indevida com as frutas do Vale do Ribeira, região pobre do estado de São Paulo, onde passou infância e adolescência.
O Presidente Jair Bolsonaro volta a fazer live ao vivo sobre fatos atuais
Poucos dias antes do pronunciamento, “live”, a Justiça suspendera as compras de bananas do Equador, para a satisfação da Confederação Nacional dos Bananicultores, que reclama dos subsídios e de vírus da fruta importada, bidu.
Embora Bolsonaro seja um nacionalista rudimentar, não se pode deduzir do discurso da banana que o presidente vá se opor à abertura comercial proposta em tese pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ao ouvir tais conversas, há quem se anime com um otimismo perverso: seriam ideias limítrofes, restritas à paróquia mental do presidente, sem efeitos maiores ao menos na política econômica.
De fato, as ideias de Bolsonaro resultam de picuinhas com as lombadas da sua vida: com os quilombolas e a família rica de sua região de infância, com a multa ambiental que tomou quando pescava. Ocupa-se de mineração por causa de uma geopolítica adoidada (o nióbio, a invasão da Amazônia) e do gosto de faiscar ouro —andava com uma bateia no carro. Seus costumes vêm de um mundo de gente que faz rolos e tem milicianos.
Nada disso é inofensivo ou risco menor, pois as picuinhas de Bolsonaro se transformam em insultos contra milhões de brasileiros, iniciativas que ainda não são institucionalizadas, mas por ora meios de mobilização da horda. Também grave é o efeito dessa mentalidade sobre a viabilidade do governo e do país.
As manias que explodem em surtos mais ou menos calculados causam desordem e disseminam incerteza política e econômica. É assim com o presidente e com o circo de aberrações de Itamaraty, Educação e Direitos Humanos.
Difunde-se, porém, a ideia de que o governo possa ser tutelado e em parte terceirizado. Na sexta-feira (8), o Ministério da Educação sofreu discreta intervenção militar, provocada, enfim, por aquela carta enviada às escolas. Houve expurgo dessa gente ligada a um influenciador digital de seitas bolsonaristas chamado Olavo de Carvalho.
Os generais já intervieram no caso de Israel, China, Venezuela e vários disparates presidenciais. Tentam afastar os filhos do capitão do Planalto, mas os filhos são parte desse bicho de várias cabeças, o presidente “Bolsonaros”. Em público, o vice-presidente, Hamilton Mourão, governa o gabinete de crise permanente.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é um improviso parcial de primeiro-ministro. Articula a reforma da Previdência e supervisiona até a formação difícil da coalizão de Bolsonaro. 
Mas Maia não pode nem quer assumir quase só a responsabilidade pela reforma, até porque não tem os recursos do Planalto para tanto.
Os generais têm ascendência sobre Bolsonaro, mas não a caneta. De resto, não podem ameaçar o presidente com uma debandada do governo, pelo qual são corresponsáveis.
É o maior desgoverno da paróquia, agora em rede nacional e insociável.
 
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard 

Twitter não é diário oficial Falar em 140 caracteres não é governar , Clovis Rossi ,FSP


Há um ditado chinês que diz que “falar não cozinha o arroz”. Aposto que chineses mais contemporâneos diriam que tuitar tampouco cozinha o arroz ou qualquer outro alimento.
Serve à perfeição para um certo Donald John Trump, que divide as funções de presidente dos Estados Unidos como as de “Twitter-in-chief”, como o chamou outro dia um colunista cujo nome perdi.
Poderia citar um punhado de investidas de Trump nas redes sociais que não cozinharam o arroz. Mas vou ficar só nas duas que estão mais presentes no noticiário.
Logo do Twitter, plataforma na qual Donald Trump tem 58,9 milhões de seguidores
Logo do Twitter, plataforma na qual Donald Trump tem 58,9 milhões de seguidores - Leon Neal/AFP
Primeiro, os ataques contínuos aos imigrantes, prometendo tratá-los a pão e água —ou nem isso, na verdade. 
Cozinhou o arroz, ou seja, desestimulou a vinda de imigrantes? Nadica de nada: só no mês passado, 76 mil estrangeiros entraram ilegalmente nos Estados Unidos, o número mais alto em 12 anos.
Se se interessasse mais em estudar os problemas do que em tuitar, Trump saberia que a principal causa para a emigração em massa de centro-americanos é aviolência em seus países (Guatemala, Honduras e El Salvador). 
Qual é o maior fornecedor de armas de fogo para esses países? 
Adivinhou: os Estados Unidos.
O tuitero-chefe, no entanto, está tratando de tornar ainda mais fácil o comércio de armas para a região, afrouxando a supervisão do Congresso.
Xi Jinping e Donald Trump andam lado a lado
Os presidentes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump, durante encontro em novembro de 2017 - Fred Dufour/AFP
Segundo ponto: o déficit comercial, em especial com a China. Desde a campanha eleitoral, Trump fincou o pé na necessidade de reduzir o déficit comercial americano. Cozinhou o arroz, nesse caso?
Ao contrário, o déficit bateu em US$ 891,3 bilhões no ano passado (R$ 3,445 trilhões), um recorde histórico.
Adiantou o barulho armado com as sanções comerciais impostas aos chineses? Tampouco. Até porque o déficit tem motivos que não passam, necessariamente, pelas práticas chinesas (de fato, algumas 
delas são trambiques).
O aumento no buraco da conta comercial se deve a outros fatores, um dos quais exacerbado pelo próprio Trump, ao promover um corte de impostos da ordem de US$ 1,5 trilhão (R$ 5,79 trilhões), o que deixou os americanos com mais dinheiro para importar bens, chineses ou outros.
Há quem veja na obsessão com o déficit comercial uma demonstração de que “Trump não tem realmente a menor ideia de como o comércio internacional funciona”, como escreveu Paul Krugman para o New York 
Times desta sexta-feira (8).
Krugman é prêmio Nobel de Economia e explica que nem o déficit orçamentário (outro inimigo declarado dos republicanos) nem o déficit comercial “representam um perigo claro e presente para a economia 
americana. Países avançados que tomam empréstimos em suas próprias moedas podem incorrer em grandes dívidas e frequentemente o fazem sem consequências drásticas”.
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista em Washington
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista em Washington - Ting Shen/Xinhua
Atenção ao trecho “países avançados”: o Brasil não é um país avançado (aliás, é cada vez mais atrasado) e, portanto, endividar-se tem, sim, as tais consequências drásticas.
No Washington Post, Jennifer Rubin faz uma sintética avaliação das ações de Trump: “Ele partiu para consertar um não-problema (o déficit comercial) e criou problemas reais, incluindo conflito internacional, preços mais altos para os consumidores e grandes ineficiências na nossa economia”.
Se você pensou em outros presidentes cujos tuítes não cozinham o arroz, pensou bem. 
Preciso