domingo, 10 de março de 2019

Orvalho de cavalo e bananas, Vinicius Torres Freire, FSP

Tutela não impede Bolsonaro de causar tumulto em rede nacional e no governo

Jair Bolsonaro tratou de lombadas e da importação de bananas do Equador em seu primeiro pronunciamento ao vivo. São assuntos da paróquia mental do presidente, mas pelo menos não houve outra crise urinária, como no Carnaval.
No último ano, o Brasil comprou US$ 108 milhões em produtos equatorianos, 0,06% do total das nossas importações. Cerca de 61% foram gastos em chumbo, preparados de peixe, chocolate e cacau. Bananas nem são discriminadas na lista. 
Bolsonaro reclamava do que acha concorrência indevida com as frutas do Vale do Ribeira, região pobre do estado de São Paulo, onde passou infância e adolescência.
O Presidente Jair Bolsonaro volta a fazer live ao vivo sobre fatos atuais
Poucos dias antes do pronunciamento, “live”, a Justiça suspendera as compras de bananas do Equador, para a satisfação da Confederação Nacional dos Bananicultores, que reclama dos subsídios e de vírus da fruta importada, bidu.
Embora Bolsonaro seja um nacionalista rudimentar, não se pode deduzir do discurso da banana que o presidente vá se opor à abertura comercial proposta em tese pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ao ouvir tais conversas, há quem se anime com um otimismo perverso: seriam ideias limítrofes, restritas à paróquia mental do presidente, sem efeitos maiores ao menos na política econômica.
De fato, as ideias de Bolsonaro resultam de picuinhas com as lombadas da sua vida: com os quilombolas e a família rica de sua região de infância, com a multa ambiental que tomou quando pescava. Ocupa-se de mineração por causa de uma geopolítica adoidada (o nióbio, a invasão da Amazônia) e do gosto de faiscar ouro —andava com uma bateia no carro. Seus costumes vêm de um mundo de gente que faz rolos e tem milicianos.
Nada disso é inofensivo ou risco menor, pois as picuinhas de Bolsonaro se transformam em insultos contra milhões de brasileiros, iniciativas que ainda não são institucionalizadas, mas por ora meios de mobilização da horda. Também grave é o efeito dessa mentalidade sobre a viabilidade do governo e do país.
As manias que explodem em surtos mais ou menos calculados causam desordem e disseminam incerteza política e econômica. É assim com o presidente e com o circo de aberrações de Itamaraty, Educação e Direitos Humanos.
Difunde-se, porém, a ideia de que o governo possa ser tutelado e em parte terceirizado. Na sexta-feira (8), o Ministério da Educação sofreu discreta intervenção militar, provocada, enfim, por aquela carta enviada às escolas. Houve expurgo dessa gente ligada a um influenciador digital de seitas bolsonaristas chamado Olavo de Carvalho.
Os generais já intervieram no caso de Israel, China, Venezuela e vários disparates presidenciais. Tentam afastar os filhos do capitão do Planalto, mas os filhos são parte desse bicho de várias cabeças, o presidente “Bolsonaros”. Em público, o vice-presidente, Hamilton Mourão, governa o gabinete de crise permanente.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é um improviso parcial de primeiro-ministro. Articula a reforma da Previdência e supervisiona até a formação difícil da coalizão de Bolsonaro. 
Mas Maia não pode nem quer assumir quase só a responsabilidade pela reforma, até porque não tem os recursos do Planalto para tanto.
Os generais têm ascendência sobre Bolsonaro, mas não a caneta. De resto, não podem ameaçar o presidente com uma debandada do governo, pelo qual são corresponsáveis.
É o maior desgoverno da paróquia, agora em rede nacional e insociável.
 
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard 

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