domingo, 10 de março de 2019

Contundente, Janaina chega à Assembleia descolada de Doria e já rejeita a prefeitura, FSP

Célebre após impeachment, advogada diz que apoio a Doria não significará atuar como vassala

Rogério Gentile
SÃO PAULO
​“Olhe bem para ele e diga se é seu líder ou não.” Diante de Jair Bolsonoro, Janaina Paschoal se surpreendeu com o questionamento feito por um auxiliar do então presidenciável.
​A advogada estava ali para discutir a possibilidade de se tornar candidata a vice na chapa. Um tanto constrangida, respondeu ter afinidade com o parlamentar, mas que acabara de o conhecer e que não entendia a política assim. “Sou contra a ideia de ter um líder, não aceito o endeusamento de ninguém.”
A deputada eleita Janaina Paschoal, que tomará posse nesta semana
A deputada eleita Janaina Paschoal, que tomará posse nesta semana - Bruno Santos/Folhapress
A conversa fora marcada por Gustavo Bebianno, que coordenou a campanha. O plano era que ocorresse no quarto do hotel do candidato a fim de se manter reserva sobre o propósito. 
Janaina, porém, não aceitou. Disse que não ficava bem para uma mulher casada se reunir com um homem num quarto de hotel. Uma sala precisou ser requisitada. Nohara Paschoal, uma de suas irmãs, a acompanhou no encontro.
A tantas horas, alguém lhe perguntou qual ministério gostaria de ter se, de fato, fossem eleitos. “Nenhum”, devolveu, causando um novo instante de estranhamento.
Deixou claro também ter posições divergentes das do candidato, como por exemplo em relação à redução da maioridade penal (ela é contra) e à política de cotas para negros (ela é a favor).
Rindo, Bolsonaro lhe perguntou: “Você é militante do PSOL e está nos enganando?”.
Embora tenha saído da reunião com ótima impressão do deputado, dizendo ser o único concorrente com percepção correta do grau a que chegou o crime organizado, acabou recusando a proposta da vice-presidência por pressão da família, que temia pela sua segurança.
Desde 2015, quando apresentou com os juristas Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, sofreu inúmeras ameaças.
De acordo com correligionários, precisou de seguranças até mesmo na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1996 e é professora do departamento de direito penal.
“A faculdade viveu um tensionamento político intenso”, diz o diretor Floriano de Azevedo Marques Neto. “Não tenho notícias de ameaças ou de agressões, mas realmente os ânimos ficaram aflorados.”
Floriano descreve a colega como uma ótima professora, gentil, fidalga, discreta e de convicções firmes. “No trato pessoal, ela é o oposto da figura pública eloquente, engajada e algumas vezes de retórica exagerada”, afirma, recordando-se do chamado “discurso da cobra”.
Em abril de 2016, Janaina subiu ao parlatório da faculdade, localizado no Largo São Francisco, para falar em um evento em favor do impeachment. 
Exaltada, ora girando uma bandeira do Brasil sobre a cabeça, ora andando para frente e para trás, gritava que o país não era a república da cobra. 
“Queremos libertar nosso país do cativeiro de almas e mentes”, dizia, aos berros. “Acabou a república da cobra.”
A contundência, o temperamento forte e a verborragia incomodaram alguns dos próprios aliados durante o processo de impeachment. A relação com Reale Júnior, que fora orientador do seu doutorado na USP, nunca mais foi a mesma.
Também incomodados, tucanos chegaram a tentar, sem sucesso, que ela fosse excluída da sessão do julgamento da destituição no Senado, quando os advogados de acusação puderam fazer questionamentos à presidente.
“Não concordo com tudo o que ela fala ou pensa, mas Janaina tem uma grande qualidade: não abaixa a cabeça para ninguém”, afirma a advogada Marina Coelho Araújo. 
Janaina Paschoal com Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro, em convenção do PSL em 2018
Janaina Paschoal com Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro, em convenção do PSL em 2018 - Raquel Cunha - 22.jul.18/Folhapress
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que defendeu Dilma no processo, afirma que os embates foram muito duros. “O momento assim exigia, mas ela sempre foi extremamente cortês”, afirma.
A queda da presidente transformou Janaina numa celebridade, muito embora diga que não se considere como tal. É invariavelmente reconhecida, abraçada e fotografada, ainda que também presencie com certa frequência caras feias e outras demonstrações de antagonismo.
A fama lhe rendeu diversos convites para disputar as eleições de 2018, mas resolveu se filiar apenas nas vésperas do prazo legal, em abril daquele ano, após Bolsonaro lhe telefonar pela primeira vez.
Na conversa, a advogada disse que não estava decidida a concorrer. O presidenciável sugeriu que ela se habilitasse mesmo assim, ganhando tempo para decidir com mais calma. “Escolha um partido, tanto melhor se for o nosso”, disse. Assim foi feito.
A facada que o candidato sofreu em Minas Gerais, cerca de cinco meses depois daquele diálogo inicial, reforçou em Janaina a convicção de que tomara a resolução correta ao optar por disputar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo, em vez de integrar a chapa presidencial. 
A amigos confidenciou que a disputa majoritária teria jogado um peso gigantesco sobre os ombros da sua família, sobretudo numa eleição marcada pela violência.
Candidata a deputada estadual, recebeu a maior votação da história da Assembleia paulista com o ‘sim’ de mais de 2 milhões de eleitores, situação que coloca seu nome inevitavelmente nas especulações eleitorais para a Prefeitura de São Paulo no ano que vem. 
“[Não concorrerei] de jeito nenhum”, diz Janaina, que tem em São Tomás de Aquino uma de suas referências no direito. “Acredito ser preciso cumprir os mandatos na íntegra.”
A posse na Assembleia será nesta sexta (15). No mês passado, o PSL lançou seu nome para a presidência da Casa num evento seguido de um ato no qual dezenas de militantes percorreram os corredores do Legislativo emulando uma torcida organizada com o coro “Direita São Paulo, olha quem chegou, Doutora Janaina, da esquerda um terror!”.
A campanha, intensificada por uma espécie de guerrilha virtual, com mensagens muitas vezes agressivas para celulares e redes sociais de parlamentares, gerou enorme irritação na Assembleia.
“Esse tipo de atuação trouxe apenas antipatia para a futura parlamentar”, diz Campos Machado (PTB), 79, que é deputado estadual desde 1987. “É mais fácil um brasileiro pisar em Marte do que ela virar presidente da Casa.”
Campos prevê que Janaina terá dificuldades até mesmo para aprovar projetos de sua autoria se não passar a atuar com mais habilidade política, previsão que aparentemente não a preocupa.
Em recente post no Twitter, onde já pediu até o afastamento de um ministro de Bolsonaro, disse que “se equivoca quem pensa que o bom parlamentar é aquele que emplaca muitas leis”.
Janaina considera que uma das principais funções de um deputado é a fiscalização das contas públicas e diz que não fará oposição ao governador João Doria (PSDB), mas tampouco atuará como “vassala”.
“O governo quer deputados que fiquem felizes em aprovar o dia do vegetal, mas, definitivamente, não foi para isso que vim para cá.”

PERFIL

Idade: 44 anos
Nascimento: São Paulo (SP)
Partido: PSL
Estado civil: Casada
Cor/raça: Branca
Grau de instrução: Superior completo
Ocupação: Advogada
Reeleição: Não
Descrição dos bens declarados do parlamentar: Carro, apartamento, aplicações de renda fixa, caderneta de poupança, depósito bancário em conta no país, fundos de investimentos, dinheiro em espécie e outras participações societárias
Valor declarado dos bens: R$ 2.395.439,93
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O QUE A FOLHA PENSA Errando sem aprender, f\sp

Aumento de tarifas sobre produtos chineses pelo governo Trump teve efeito contrário ao pretendido

Xi Jinping e Donald Trump andam lado a lado
Xi Jinping, presidente da China, e o presidente americano, Donald Trump, durante encontro em Pequim em 2017 - Fred Dufour - 9.nov.2017/AFP
A notícia de que o déficit dos Estados Unidos no comércio de bens atingiu US$ 891 bilhões no ano passado —10,4% acima do montante de 2017 e o maior já registrado— mostra que a atitude belicosa do presidente Donald Trump até agora não trouxe os resultados desejados.
Com grande alarde, o republicano impôs tarifas de 10% a 50% sobre US$ 283 bilhões em importações anuais. De sua parte, os parceiros comerciais dos EUA retaliaram com taxas de 16% (em média) sobre aproximadamente US$ 121 bilhões das vendas americanas.
Para Trump, o saldo comercial constitui grande embaraço político, dado que o objetivo de sua política era justamente reduzir o rombo, sobretudo no comércio com a China. Nem isso foi obtido, pois o comércio bilateral de bens gerou superávit de US$ 419 bilhões em favor do gigante asiático, cerca de 12% a mais que em 2017.
A tendência explosiva do déficit americano começa a expor os limites da política de cunho populista. A começar por quem paga pelas tarifas —estudo recente demonstrou que houve alta dos preços dos bens vendidos no mercado doméstico.
Dito de outra maneira, os custos do protecionismo recaíram sobre os consumidores dos EUA, não sobre os exportadores chineses.
A culpa é da gestão Trump. Sua redução de impostos de US$ 1,5 trilhão, centrada nas empresas, foi levada a cabo num momento em que a economia americana já operava a plena capacidade, com a menor taxa de desemprego em décadas. 
O estímulo tributário aqueceu ainda mais a atividade. Em sequência, para combater o risco inflacionário, o banco central elevou a taxa de juros três vezes, para até 2,5% ao ano, em desalinho com o que ocorria em outras grandes regiões, como Europa e China.
Não surpreende, assim, que o dólar tenha se valorizado ante as principais moedas globais no período —prejudicando, afinal, o comércio com o exterior. 
Gastos internos em disparada e moeda forte formam a receita perfeita para a expansão das importações. Tal dinâmica se mostra mais poderosa que qualquer decisão de governo, incluindo o uso de tarifas. 
Depois de decretar que guerras comerciais são boas e fáceis de vencer, Trump corre o risco de dobrar a aposta errada. Embora as expectativas para um acordo com a China pareçam positivas, nada sugere uma trégua duradoura. Há ainda perigo de conflitos com outros parceiros, notadamente a Europa.
Populistas costumam radicalizar suas políticas fracassadas, sobretudo quando investiram grande capital político nelas.
editoriais@grupofolha.com.br ​ ​ ​ ​ ​

Toma lá, dá cá, OESP

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo
10 de março de 2019 | 05h00
A proposta das Forças Armadas para a previdência dos militares é, na verdade, um pacote que tira de um lado (o da previdência) e põe no outro (nos soldos). A intenção é cobrar cota de sacrifício até de pensionistas, mas criando gratificações para os da ativa que fizerem cursos, como compensação para perdas acumuladas há décadas.
“Sempre perguntam se nós não vamos contribuir com a reforma. Mas nunca deixamos de contribuir”, diz o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para ele, os militares são sempre os primeiros a sofrer cortes, “para o bem do País”, e acabaram com soldos muito defasados em relação à inflação e às carreiras de Estado. “Em relação ao Judiciário e ao Legislativo, nem se fala.”
O ministro entrega nesta semana a proposta dos militares à equipe econômica e à área jurídica do governo e estima levá-la ao Congresso até início de abril. Esse é um passo importante para esvaziar as desconfianças dos parlamentares, inclusive da base aliada, que resistem a privilégios para militares. 
Azevedo e Silva foi pessoalmente à residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta-feira passada, não só para antecipar a ideia geral da proposta para os militares como para falar das compensações: “Vamos subir a receita, mas também equilibrar melhor as despesas”, resumiu.
General Fernando Azevedo e Silva, Ministro da Defesa do Brasil
General Fernando Azevedo e Silva, Ministro da Defesa do Brasil  Foto: REUTERS/Adriano Machado
Maia pensa como o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho: os militares não podem aproveitar a reforma para compensar defasagens antigas. No mínimo, a conta tem de zerar. Pelo projeto, só vai zerar no quinto ano. Até lá, eles ficam no lucro. 
Além de aumentar o tempo de contribuição dos militares, de 30 para 35 anos, a proposta prevê aumento da alíquota para todos, de 11% para 14%, com um detalhe: viúvas, cadetes e recrutas, hoje isentos, também passarão a contribuir com o mesmo porcentual.
Do outro lado, está a recuperação de uma das vantagens perdidas com a MP 2215, do final do governo FHC, mexendo nas gratificações pelos vários cursos que, sargentos ou oficiais, eles têm de fazer ao longo da carreira. Gratificação não tem impacto na previdência, aumento de salário teria. Está descartada a volta de auxílio-moradia, pensão para as filhas, ida para a reserva com um posto acima e licença especial. 
Uma facilidade para aprovação do pacote militar, conforme enfatizou o próprio presidente Jair Bolsonaro, é que não precisa emenda constitucional, só projetos de lei. É fato, mas não exagera! Uma semana na Câmara e outra no Senado, só em sonho.
O grande esforço não só das Forças Armadas, mas da própria cúpula do governo – até porque as coisas se confundem – é martelar que os militares não estão incluídos no regime de previdência. Têm regime próprio e, aliás, estão fora das normas trabalhistas: não têm hora extra, adicional noturno, adicional de periculosidade.
Se elas tivessem esses benefícios, um tenente atuando na fronteira com a Venezuela ou nas enchentes na BR 163 (Cuiabá-Santarém) mais do que dobraria seu salário – que é mais baixo do que seus correspondentes civis no serviço público. 
Uma terceira frente, além dos soldos e da previdência diferenciada, é o orçamento para as atividades-fim e os projetos estratégicos do Exército, Marinha e Aeronáutica que, como diz o ministro, “precisam de condições para sustentar a paz”.
Ter Bolsonaro, oito militares no topo do Executivo e mais de cem no segundo escalão é faca de dois gumes: é bem mais fácil para as três Forças defenderem seus pleitos no governo, mas gera desconfianças e confrontos fora dele. Principalmente quando se vende o militar como santo e o político como demônio. É melhor para o governo e para o presidente calibrar melhor o tom. A reforma passa e o Brasil ganha.

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