Célebre após impeachment, advogada diz que apoio a Doria não significará atuar como vassala
Rogério Gentile
SÃO PAULO
“Olhe bem para ele e diga se é seu líder ou não.” Diante de Jair Bolsonoro, Janaina Paschoal se surpreendeu com o questionamento feito por um auxiliar do então presidenciável.
A advogada estava ali para discutir a possibilidade de se tornar candidata a vice na chapa. Um tanto constrangida, respondeu ter afinidade com o parlamentar, mas que acabara de o conhecer e que não entendia a política assim. “Sou contra a ideia de ter um líder, não aceito o endeusamento de ninguém.”
A conversa fora marcada por Gustavo Bebianno, que coordenou a campanha. O plano era que ocorresse no quarto do hotel do candidato a fim de se manter reserva sobre o propósito.
Janaina, porém, não aceitou. Disse que não ficava bem para uma mulher casada se reunir com um homem num quarto de hotel. Uma sala precisou ser requisitada. Nohara Paschoal, uma de suas irmãs, a acompanhou no encontro.
A tantas horas, alguém lhe perguntou qual ministério gostaria de ter se, de fato, fossem eleitos. “Nenhum”, devolveu, causando um novo instante de estranhamento.
Deixou claro também ter posições divergentes das do candidato, como por exemplo em relação à redução da maioridade penal (ela é contra) e à política de cotas para negros (ela é a favor).
Rindo, Bolsonaro lhe perguntou: “Você é militante do PSOL e está nos enganando?”.
Embora tenha saído da reunião com ótima impressão do deputado, dizendo ser o único concorrente com percepção correta do grau a que chegou o crime organizado, acabou recusando a proposta da vice-presidência por pressão da família, que temia pela sua segurança.
Desde 2015, quando apresentou com os juristas Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, sofreu inúmeras ameaças.
De acordo com correligionários, precisou de seguranças até mesmo na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1996 e é professora do departamento de direito penal.
“A faculdade viveu um tensionamento político intenso”, diz o diretor Floriano de Azevedo Marques Neto. “Não tenho notícias de ameaças ou de agressões, mas realmente os ânimos ficaram aflorados.”
Floriano descreve a colega como uma ótima professora, gentil, fidalga, discreta e de convicções firmes. “No trato pessoal, ela é o oposto da figura pública eloquente, engajada e algumas vezes de retórica exagerada”, afirma, recordando-se do chamado “discurso da cobra”.
Em abril de 2016, Janaina subiu ao parlatório da faculdade, localizado no Largo São Francisco, para falar em um evento em favor do impeachment.
Exaltada, ora girando uma bandeira do Brasil sobre a cabeça, ora andando para frente e para trás, gritava que o país não era a república da cobra.
“Queremos libertar nosso país do cativeiro de almas e mentes”, dizia, aos berros. “Acabou a república da cobra.”
A contundência, o temperamento forte e a verborragia incomodaram alguns dos próprios aliados durante o processo de impeachment. A relação com Reale Júnior, que fora orientador do seu doutorado na USP, nunca mais foi a mesma.
Também incomodados, tucanos chegaram a tentar, sem sucesso, que ela fosse excluída da sessão do julgamento da destituição no Senado, quando os advogados de acusação puderam fazer questionamentos à presidente.
“Não concordo com tudo o que ela fala ou pensa, mas Janaina tem uma grande qualidade: não abaixa a cabeça para ninguém”, afirma a advogada Marina Coelho Araújo.
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que defendeu Dilma no processo, afirma que os embates foram muito duros. “O momento assim exigia, mas ela sempre foi extremamente cortês”, afirma.
A queda da presidente transformou Janaina numa celebridade, muito embora diga que não se considere como tal. É invariavelmente reconhecida, abraçada e fotografada, ainda que também presencie com certa frequência caras feias e outras demonstrações de antagonismo.
A fama lhe rendeu diversos convites para disputar as eleições de 2018, mas resolveu se filiar apenas nas vésperas do prazo legal, em abril daquele ano, após Bolsonaro lhe telefonar pela primeira vez.
Na conversa, a advogada disse que não estava decidida a concorrer. O presidenciável sugeriu que ela se habilitasse mesmo assim, ganhando tempo para decidir com mais calma. “Escolha um partido, tanto melhor se for o nosso”, disse. Assim foi feito.
A facada que o candidato sofreu em Minas Gerais, cerca de cinco meses depois daquele diálogo inicial, reforçou em Janaina a convicção de que tomara a resolução correta ao optar por disputar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo, em vez de integrar a chapa presidencial.
A amigos confidenciou que a disputa majoritária teria jogado um peso gigantesco sobre os ombros da sua família, sobretudo numa eleição marcada pela violência.
Candidata a deputada estadual, recebeu a maior votação da história da Assembleia paulista com o ‘sim’ de mais de 2 milhões de eleitores, situação que coloca seu nome inevitavelmente nas especulações eleitorais para a Prefeitura de São Paulo no ano que vem.
“[Não concorrerei] de jeito nenhum”, diz Janaina, que tem em São Tomás de Aquino uma de suas referências no direito. “Acredito ser preciso cumprir os mandatos na íntegra.”
A posse na Assembleia será nesta sexta (15). No mês passado, o PSL lançou seu nome para a presidência da Casa num evento seguido de um ato no qual dezenas de militantes percorreram os corredores do Legislativo emulando uma torcida organizada com o coro “Direita São Paulo, olha quem chegou, Doutora Janaina, da esquerda um terror!”.
A campanha, intensificada por uma espécie de guerrilha virtual, com mensagens muitas vezes agressivas para celulares e redes sociais de parlamentares, gerou enorme irritação na Assembleia.
“Esse tipo de atuação trouxe apenas antipatia para a futura parlamentar”, diz Campos Machado (PTB), 79, que é deputado estadual desde 1987. “É mais fácil um brasileiro pisar em Marte do que ela virar presidente da Casa.”
Campos prevê que Janaina terá dificuldades até mesmo para aprovar projetos de sua autoria se não passar a atuar com mais habilidade política, previsão que aparentemente não a preocupa.
Em recente post no Twitter, onde já pediu até o afastamento de um ministro de Bolsonaro, disse que “se equivoca quem pensa que o bom parlamentar é aquele que emplaca muitas leis”.
Janaina considera que uma das principais funções de um deputado é a fiscalização das contas públicas e diz que não fará oposição ao governador João Doria (PSDB), mas tampouco atuará como “vassala”.
“O governo quer deputados que fiquem felizes em aprovar o dia do vegetal, mas, definitivamente, não foi para isso que vim para cá.”
PERFIL
Idade: 44 anos
Nascimento: São Paulo (SP)
Partido: PSL
Estado civil: Casada
Cor/raça: Branca
Grau de instrução: Superior completo
Ocupação: Advogada
Reeleição: Não
Descrição dos bens declarados do parlamentar: Carro, apartamento, aplicações de renda fixa, caderneta de poupança, depósito bancário em conta no país, fundos de investimentos, dinheiro em espécie e outras participações societárias
Valor declarado dos bens: R$ 2.395.439,93
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