terça-feira, 5 de março de 2019

Menor e Melhor, Editorial FSP




A Petrobras apresentou lucro de R$ 25,8 bilhões no ano passado, após um quadriênio inteiro de prejuízo a partir de 2014 —quando a Operação Lava Jatoexpôs a corrupção que infestava a empresa.
Longe de ser um evento isolado, o resultado constitui fruto de um longo e penoso esforço de saneamento, financeiro e de gestão.
Um feito importante de 2018 foi o fechamento de um acordo extrajudicial de cerca de R$ 3,5 bilhões com autoridades americanas, que em grande medida eliminou novos riscos financeiros oriundos dos desvios detectados na petroleira.
Além de reforçar os diques contra intervenções políticas, a reestruturação da estatal, que prossegue sob a nova direção, tem como principais objetivos a redução das dívidas que chegaram a ameaçar sua sobrevivência, maior foco nos investimentos e restauração da excelência operacional.
Em todas essas frentes, os resultados são positivos. No ano passado, a dívida líquida (descontado o dinheiro em caixa) caiu 9%, para R$ 268,8 bilhões, equivalentes a 2,34 vezes o resultado obtido com as operações. A cifra bate a meta estipulada para o ano (2,5) e representa menos da metade do patamar atingido no auge da crise.
Pretende-se continuar cortando o endividamento até níveis mais próximos dos observados em empresas comparáveis, em torno de 1,5. Para tanto, a venda de ativos e negócios não centrais para a empresa terá um papel fundamental.
Em 2018 obtiveram-se R$ 6,1 bilhões dessa maneira, e o foco principal adiante é a redução da participação no refino, hoje de 98%.
Quanto aos investimentos, a orientação dos últimos anos se mostra racional ao privilegiar aportes em exploração, sobretudo nas áreas do pré-sal cujo aproveitamento cresce de maneira acelerada.
Embora a produção total de óleo e gás tenha caído 5% em 2018, para 2,63 bilhões de barris, a petroleira reafirmou a meta de crescimento anual de 5% até 2023.
Nesse sentido, virá em boa hora a revisão do contrato com o Tesouro Nacional pelo qual a estatal obteve, em 2010, o direito de produção de 5 bilhões de barris do pré-sal.
Um acordo pode ser fechado em breve e resultar em novos recursos para a empresa, que tenciona usá-los para participar do leilão dos excedentes nessas áreas —marcado para outubro e com expectativa de ganhos de pelo menos R$ 100 bilhões para a União.
Tudo sugere, assim, que a Petrobras se encontra no caminho correto —embora seus números ainda estejam aquém do desejável— e será capaz de colher os frutos de sua reconhecida capacidade técnica. Que as novas perspectivas positivas não levem ao esquecimento dos desastres recentes.

segunda-feira, 4 de março de 2019

MP de imposto sindical dá brecha para revisão de acordo coletivo, FSP

Presidente diz que é nula cobrança aprovada em assembleia, e trabalhador poderá questionar na Justiça

William CastanhoFlavia Lima
SÃO PAULO
A medida provisória com as novas regras para o recolhimento da contribuição sindical abre brecha para questionamento na Justiça do Trabalho de mais de 11 mil convenções e acordos coletivos.
Publicada na sexta-feira (1º), a MP de Jair Bolsonaro (PSL) impede que as entidades de representação cobrem taxas sem autorização “individual, expressa e por escrito” dos trabalhadores.
O texto afirma ainda que é “nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento [de contribuição] a empregados ou empregadores ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade”.
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Com o fim do imposto obrigatório pela reforma trabalhista de Michel Temer (MDB), chancelado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), os sindicatos passaram a criar contribuições em negociações coletivas.
As taxas, em seguida, deveriam ser aprovadas em assembleias. Se aceitas, eram recolhidas. Os trabalhadores que não quisessem pagá-las deveriam rejeitá-las expressamente.
Em outubro de 2018, orientação do MPT (Ministério Público do Trabalho) reforçou o entendimento de que a cobrança do não associado incluída na negociação coletiva não violava a liberdade sindical.
Dados do Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), que acompanha convenções e acordos coletivos de todo o país, mostram a relevância dessas contribuições.
Em 2018, primeiro ano de vigência da nova CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 30.639 negociações entre sindicatos de trabalhadores e patronais, 11.699 (38,18%) criaram essas taxas.
Em todo o ano, a reivindicação dos sindicalistas por contribuição esteve presente em quase 50% das negociações.
“A contribuição para sindicatos de trabalhadores foi o terceiro item mais frequente nas negociações. Perdeu (por pouco) apenas para reajuste e piso”, informa o boletim do Salariômetro.
Em janeiro e fevereiro deste ano, foram encontrados 87 (22,72%) registros em 383 negociações.
Em 2017, quando o imposto era obrigatório, os mais de 16 mil sindicatos brasileiros receberam quase R$ 3 bilhões. Em 2018, esse valor teve redução de 90%.
Hélio Zylberstajn, professor da FEA-USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Salariômetro, diz que as regras da reforma trabalhista deram margem a muitas interpretações.
Segundo ele, o texto não deixava claro que uma decisão em assembleia poderia autorizar a contribuição sindical.
A MP, diz Zylberstajn, veio esclarecer a situação ao excluir a possibilidade de cobrança via negociação coletiva.
O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, afirma que, como a MP torna nula a regra ou a cláusula que impõe a cobrança via assembleia, os valores recolhidos poderão ser questionados.
“O trabalhador poderá, por ação individual, rejeitar o pagamento ou exigir a devolução. Essa cláusula poderá ser questionada, o que comprometerá o equilíbrio de cada negociação. Põe em risco a paz negocial obtida nos acordos”, diz.
Otávio Pinto e Silva, professor da Faculdade de Direito da USP, concorda. Um aspecto curioso a ser monitorado, diz Silva, é que a reforma trabalhista celebrou o negociado sobre o legislado.
“Agora, como é que se coloca uma lei para dizer que o que se negociou não vale mais? Teremos muitos momentos de incerteza sobre a validade da cobrança feita com base em assembleia, ou seja, a confusão continua”, diz.
Feliciano, da Anamatra, lembra ainda que, no ano passado, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) buscou uma alternativa para garantir o financiamento dos sindicatos após o fim do imposto.
O vice-presidente do TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, estimulou a adoção da chamada cota negocial, referente a meio dia de trabalho, em acordos e convenções firmados na corte.
Em 2018, Paiva estimulou ao menos cinco acordos com a cota negocial envolvendo 15 sindicatos de abrangência nacional e as empresas Vale, Casa da Moeda, Embrapa, Infraero e CBTU (empresa estatal de trens urbanos).
“O TST encontrou uma solução, com a qual concordaram empregadores, sindicatos dos trabalhadores e o MPT. A partir de assembleia, o TST consideraria, na negociação, superada a necessidade de autorização expressa e prévia”, diz.
“Essa MP passa a dificultar essa alternativa. Na verdade, visa mesmo a impedi-la”, afirma Feliciano.
A solução, porém, não é um consenso no TST e causa divergências entre os ministros.
Ao comentar a edição da MP em uma rede social, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirmou que o texto “deixa ainda mais claro que a contribuição sindical é fruto de prévia, expressa e ‘individual’ autorização do trabalhador”.
Segundo ele, as novas regras foram adotadas em razão do ativismo judicial, “que tem contraditado o Legislativo e permitido a cobrança”.
Marinho foi relator da reforma trabalhista de Temer e é o responsável por comandar, no Ministério da Economia de Paulo Guedes, a reforma da Previdência, levada ao Congresso no dia 20 de fevereiro.
A nova MP estabelece também que a contribuição terá de ser recolhida por boleto bancário ou por outro meio eletrônico.
Apesar de as novas regras terem reduzido incertezas, diz Zylberstajn, os sindicatos continuam com o dever constitucional de representar os trabalhadores, embora os recursos para cumprir esse dever estejam cada vez mais escassos.
Um possível caminho, diz o professor, seria permitir que a autorização prévia do trabalhador, individual e expressa, pudesse ser dada por meios eletrônicos.
“Isso permitiria uma consulta mais ampla do trabalhador e abriria um campo interessante para que os sindicatos pudessem buscar recursos”, afirma Zylberstajn.
Com força imediata de lei, a MP precisa ser aprovada pelo Congresso em 120 dias para não caducar.

As mudanças
Alterações trazidas pelo governo Bolsonaro reforçam que contribuição deve ser autorizada por escrito
Reforma trabalhista aprovada no governo Temer já havia extinto a obrigatoriedade da cobrança
O que diz o texto
O empregado deverá “prévia, voluntária, individual e expressamente” autorizar a cobrança
“É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento” com base em negociação coletiva e assembleia-geral
Os efeitos da reforma
34% foi a queda no volume total de novos processos na Justiça do Trabalho em 2018, primeiro ano de vigência da reforma de Temer 
1,7 mi de processos deram entrada nas Varas do Trabalho de todo o país em 2018, ante 2,5 milhões no ano anterior
35% foi a redução dos processos pendentes de julgamento —total de 1,2 milhão

Projeto de Doria reforça munição do PSL em disputa na Assembleia de SP, FSP

José Marques
SÃO PAULO
O envio de um projeto de lei pelo governador João Doria (PSDB), às vésperas do Carnaval, à Assembleia Legislativa de São Paulo voltou a incendiar questionamentos do PSL a respeito dos interesses que devem pautar a Casa a partir de 15 de março, início da nova legislatura.
Isso porque a matéria, publicada com pedido de urgência, beneficia a categoria dos agentes fiscais de rendas, responsável por 25% das doações à campanha eleitoral de 2018 de Cauê Macris (PSDB), o presidente da Alesp.
Cauê concorre a mais dois anos na presidência —cargo que tem, entre as suas atribuições, tocar a pauta das sessões. É o favorito na disputa.
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Sua principal concorrente é a deputada eleita Janaina Paschoal (PSL), que tem usado as redes sociais para expor práticas que considera antitransparentes na Assembleia.
Cerimônia de posse do governador João Doria (PSDB); À direita, o presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB) - Jales Valquer - 1º.jan;2019/FramePhoto/Folhapress
Embora só deva ser votado depois que os novos deputados estiverem empossados, o envio do novo texto do governo deve acalmar uma categoria que deu dor de cabeça à gestão passada.
Em dois projetos, assinados na sexta (1º) e publicados no Diário Oficial de sábado (2), Doria apresenta benefícios nas bonificações para os agentes fiscais de rendas, funcionários subordinados à Secretaria da Fazenda do Estado.
Elite do funcionalismo, os fiscais de rendas foram uma das principais categorias que demandaram o aumento do teto estadual de R$ 22 mil (salário do governador) para R$ 30 mil (remuneração de desembargadores paulistas).
A medida foi aprovada no ano passado pela Assembleia após resistência do governo Geraldo Alckmin (PSDB), mas acabou derrubada no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Cauê, considerado um dos homens de Doria na Assembleia, faz defesa aguerrida do atual governador desde que ele decidiu renunciar à prefeitura para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes.
Nas eleições, 92 agentes fiscais de rendas pagaram para a campanha de Cauê, conforme levantamento da Procuradoria Regional Eleitoral. O valor repassado foi de R$ 186 mil, em doações que variaram de R$ 200 a R$ 15 mil. Outros deputados também receberam doações dos funcionários, como Caio França (PSB) e Raul Marcelo (PSOL) —este último acabou na suplência.
Os pagamentos chegaram a ser questionados nas contas eleitorais de Macris pelo Ministério Público, já que partiram de pessoas que têm a mesma fonte de pagamento.
Nos autos, os advogados de Macris responderam que "a suposta concentração de doadores se deu pelo fato de que os doadores, fiscais de tributos estaduais, entenderam praticar a cidadania, efetuando doações". "Vale ressaltar que o candidato peticionante não foi o único a receber tais doações, bem como as doações não foram as únicas recebidas nessa candidatura", disseram eles.
"Não existe no caso em voga qualquer 'vantagem' para a pessoa jurídica pagadora dos doadores, qual seja, Fazenda do Estado, favorecer qualquer candidato nas eleições de 2018."
O procurador regional eleitoral Luis Carlos dos Santos Gonçalves não ficou satisfeito com a explicação, mas as contas de Cauê foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral.
As doações também foram questionadas em depoimento prestado ao Ministério Público de São Paulo pelo deputado eleito Gil Diniz, futuro líder da bancada do PSL, que terá 15 integrantes —de um total de 94 deputados na Casa.
Com o projeto apresentado por Doria, Diniz voltou a levantar o assunto. "Não temos como apontar uma irregularidade a priori, mas são coincidências que vão chamando a atenção", diz ele. "Será que outros projetos em relação a outras categorias terão essa celeridade?", indaga.
Procurada, a assessoria de Cauê Macris afirma em nota que "esta é uma proposta exclusiva do Poder Executivo". "O projeto, mesmo em regime de urgência, demora no mínimo 45 dias para ser apreciado, portanto depois da eleição da mesa diretora", diz.
Já o Governo de São Paulo afirmou, também em nota, que "a reportagem faz uma ilação indevida entre a eleição na Alesp e os interesses administrativos do governo paulista". "A demanda dos fiscais de renda tem sido alvo de debate nos últimos três anos. O governo João Doria construiu o entendimento e com muito diálogo consolidou uma proposta que atende parte da reivindicação da categoria", diz.
"A política de valorização do funcionalismo público através de premiação por produtividade é uma realidade histórica que já beneficia diversas categorias, como professores e policiais, que a atual administração tem a intenção de levar para outros profissionais para melhorar a eficiência da gestão pública", afirma.
Nas últimas semanas, o PSL já levantou outros questionamentos a respeito de Cauê.
No mesmo dia em que informou à Promotoria sobre os fiscais, em 25 de fevereiro, Gil Diniz também pediu apuração sobre doações de R$ 103,5 mil que nove funcionários comissionados da Assembleia, entre assessores e diretores, fizeram para Cauê. As doações foram reveladas pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Macris nega irregularidades, diz que agiu dentro da lei e que sua prestação de contas foi aprovada na Justiça Eleitoral.