quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Bolsonaro pretende acabar com braço de participações do BNDES, FSP

Raquel LandimJoana Cunha
SÃO PAULO
governo Jair Bolsonaro pretende vender todas as participações que o BNDES possui em empresas nos próximos quatro anos.
O objetivo é que, no fim desse processo, o BNDESPar, braço de participações do banco de fomento, seja fechado.
A revelação foi feita pelo secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do governo federal, Salim Mattar, nesta terça-feira (29), em evento realizado pelo banco Credit Suisse.
Mattar faz parte da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
"Não há razão para o governo ter uma carteira de ações de empresas. Vamos vender essas empresas e abater dívidas. São R$ 110 bilhões em participação", disse o secretário, referindo-se a participação do BNDESPar em diferentes companhias, como Petrobras, Vale, Gerdau, JBS, etc.
Secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do governo federal, Salim Mattar
Secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do governo federal, Salim Mattar - Amanda Perobelli/Reuters
Conforme as demonstrações financeiras do sistema BNDES, a carteira de participações societárias do banco chegava a R$ 99,7 bilhões em setembro do ano passado --um pouco abaixo, portanto, do número citado pelo secretário.
O resultado do banco consolidado de 2018 ainda não foi divulgado.
Técnicos do BNDES consultados pela Folha confirmaram, sob o anonimato, a intenção do banco de continuar se desfazendo de participações acionárias e reduzindo a carteira de ações, mas classificaram como desafiador o prazo de concluir o processo em quatro anos.
Segundo explicam essas fontes, o BNDES está preparado para avançar com as vendas de ações, atendendo os requisitos de prestação de contas dos órgãos de controle, mas a decisão de vender ou não dependem das condições de preço e liquidez no mercado.
Mattar ressaltou que a missão do BNDES será financiar infraestrutura e o médio empresário brasileiro que tem dificuldade de buscar recursos. E aproveitou para dizer que a instituição foi "assaltada nos últimos anos", em referência aos governos petistas.
"No último governo vocês viram o que foi o BNDES. Essa farra acabou. O BNDES agora é uma instituição de credibilidade que vai financiar as obras necessárias para o país mas de forma mais cuidadosa, profissional e ética", reforçou Mattar.
Com a missão de investir em empresas e fomentar o mercado de capitais brasileiro, a BNDESPar surgiu em 1982, resultado de uma fusão de três subsidiárias do BNDES existentes desde a década de 1970.
Nos governos Lula e Dilma, a carteira de ações do banco deu um salto graças a uma política de apoio à internacionalização das empresas brasileiras e à criação de "multinacionais verde amarelas".
Em 2008, ano em que a política dos "campeões nacionais" começou a ganhar tração, a carteira de ações do BNDESPar estava em R$ 59 bilhões. Em 2010, já havia atingido R$ 125,2 bilhões --valor recorde para o sistema.
Investigações da Polícia Federal apuram se parte desse dinheiro foi injetado nas companhias mediante suborno. Em delação premiada, Joesley Batista, dono da JBS, admitiu pagar propina ao ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, para liberação de aportes do BNDES, mas eximiu os funcionários do banco de participação no esquema.
A partir de 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, a estratégia para a BNDESPar começou a mudar com a entrada do economista Joaquim Levy no extinto Ministério da Fazenda.
A ordem passou a ser reduzir o tamanho da participação do banco mercado de capitais. Apesar de ter feito parte da equipe da petista, Levy foi escolhido por Guedes para comandar o BNDES no governo Bolsonaro.
Desde 2015 até setembro de 2018, a BNDESPar já vendeu R$ 16,42 bilhões em ações, com destaque para a alienação de papeis da Vale, Petrobras, Eletrobras e Eletropaulo.
Esse valor ainda deve subir significativamente ao longo deste ano.
Apenas na compra da fabricante de celulose Fibria pela Suzano, o banco de fomento deve levantar R$ 8,5 bilhões. O BNDES é um sócio relevante da Fibria.
A operação, anunciada em março de 2018, só foi totalmente concluída em janeiro deste ano, após a aprovação dos órgãos reguladores.
Mattar reforçou ainda que o governo Bolsonaro pretende deixar apenas Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras fora do rol de privatizações. Mesmo assim, essas estatais teriam tamanho reduzido.
"Eu tenho um panorama geral. As estatais brasileiras, Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, deverão ao longo desses quatro anos se desfazer dos seus ativos e ficar um pouco mais magras e mais enxutas", disse.
O secretário afirmou também que pretende superar a meta de arrecadação com privatizações fixada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
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Utopia: Século 20 é um cemitério de experiências, Delfim Netto, FSP

O funcionamento do sistema capitalista de coordenação das atividades econômicas por meio dos mercados determina três preços fundamentais: 
1) a taxa de juros real, que liga o futuro ao presente e é determinante decisiva dos investimentos que produzem o aumento do PIB; 
2) a taxa de salário real, que determina a parte apropriada pelo trabalho no PIB, fator determinante da coesão social e do nível de consumo da sociedade;
3) a taxa de câmbio real, que no longo prazo determina a estrutura produtiva e a forma de inserção da economia interna na externa.
Não há garantia, entretanto, que a coordenação da atividade econômica por meio dos mercados encontre, automaticamente, o equilíbrio da sociedade. 
A história revela que é trabalho pesado demais para a “mão invisível” realizá-lo com sucesso. E, o que é pior, que a “mão visível” do Estado, onipresente (mas não onisciente), na qual alguns crentes ainda depositam as suas esperanças, também não pode realizá-lo. 
O problema é que a fé religiosa na utopia é inesgotável. O século 20 é um cemitério de experiências. 
Começou com a ousadia de Lênin, em 1917, sob o aplauso da “intelligentsia” mundial. A mais feroz ditadura, que deu o poder absoluto a Stálin, terminou depois de exterminar milhões por suposta ou verdadeira dissidência. Acabou com a liberdade, não realizou a igualdade e desmoronou sob a ineficiência produtiva. 
Cuba, paixão da nossa juventude ingênua e generosa, depois de 60 anos de cruel ditadura, fez avanços importantes na educação e na saúde, que são condições necessárias, mas não suficientes para uma sociedade civilizada, convive com uma relativa e pobre igualdade, porém é incapaz de sustentar-se. 
A Alemanha Oriental é exemplo gritante. Sob uma ditadura títere, que vocalizava a vontade de Stálin, foi uma verdadeira experiência crítica. Provou sua indigência depois de quase 50 anos de terror. 
Outra experiência crucial foi a separação da Coreia em duas. A do Norte, sob a proteção primeiro da URSS e agora da China, não consegue alimentar o seu povo e chantageia o mundo com seu poder bélico, enquanto a do Sul, sob a proteção estratégica dos EUA, construiu uma sociedade próspera.
O caso da China é o mais interessante. Quando Mao rompeu com Stálin e expulsou os técnicos de planejamento russos que estavam repetindo os seus fracassos na China, Nixon e Kissinger viram a oportunidade de oferecer-lhe o mercado americano e a OMC fechou os olhos para suas estripolias. 
Agora o “made in China” será o “made in China for China”, do “China Manufacturing 2025”, que põe a sua política industrial “à frente das forças de mercado”! 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

O Estado contra a transparência, FSP

Quando se trata de documentos oficiais, a lógica deve ser a da publicidade

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, assinou o decreto que altera as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, assinou o decreto que altera as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação - Pedro Ladeira/Folhapress
Jair Bolsonaro chegou à Presidência prometendo uma nova era de transparência administrativa. Instalado no governo, deixou para seu vice o abacaxi de assinar um decreto que reduz essa transparência.
É fácil criticar o presidente pela incongruência entre o prometido e o efetivado. E ele merece as reprimendas que recebeu. Receio, porém, que o problema seja mais geral. Desconfio até que alguém ponha algo na água servida no Planalto que torna seus consumidores refratários à publicidade governamental.
Fernando Henrique Cardoso, cujas credenciais democráticas são mais puro-sangue que as de Bolsonaro, assinou, no finalzinho de sua administração, um decreto ainda pior, que criava a figura do sigilo eterno (o segredo poderia ser renovado indefinidamente). Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, manteve a disposição fernandina, apesar dos apelos em contrário.
A coisa só mudou com Dilma Rousseff, sob cuja gestão foi aprovada e regulamentada a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/11), que cria mecanismos para que qualquer pessoa requisite e obtenha quaisquer documentos que não estejam sob sigilo. Foi uma bola dentro de Dilma e devemos reconhecer isso. É pena que o compromisso com a transparência exibido aí não a tenha impedido de manipular dados econômicos para assegurar a reeleição.
Não precisamos chegar ao extremo de militar pelo fim dos segredos. Um mundo de transparência total seria um inferno. O que seriam da amizade e do amor se não pudéssemos contar com a discrição de amigos e amantes? A própria sociedade não funcionaria direito sem sigilos médico, bancário, de fonte etc.
Essas, contudo, são relações que dizem primordialmente respeito a pessoas agindo na esfera privada. Quando se trata de documentos oficiais, a lógica, exceto por poucos e excepcionalíssimos casos, deve ser a da publicidade. Não dá para privar um povo da matéria-prima com a qual ele escreve a própria história.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".