quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Utopia: Século 20 é um cemitério de experiências, Delfim Netto, FSP

O funcionamento do sistema capitalista de coordenação das atividades econômicas por meio dos mercados determina três preços fundamentais: 
1) a taxa de juros real, que liga o futuro ao presente e é determinante decisiva dos investimentos que produzem o aumento do PIB; 
2) a taxa de salário real, que determina a parte apropriada pelo trabalho no PIB, fator determinante da coesão social e do nível de consumo da sociedade;
3) a taxa de câmbio real, que no longo prazo determina a estrutura produtiva e a forma de inserção da economia interna na externa.
Não há garantia, entretanto, que a coordenação da atividade econômica por meio dos mercados encontre, automaticamente, o equilíbrio da sociedade. 
A história revela que é trabalho pesado demais para a “mão invisível” realizá-lo com sucesso. E, o que é pior, que a “mão visível” do Estado, onipresente (mas não onisciente), na qual alguns crentes ainda depositam as suas esperanças, também não pode realizá-lo. 
O problema é que a fé religiosa na utopia é inesgotável. O século 20 é um cemitério de experiências. 
Começou com a ousadia de Lênin, em 1917, sob o aplauso da “intelligentsia” mundial. A mais feroz ditadura, que deu o poder absoluto a Stálin, terminou depois de exterminar milhões por suposta ou verdadeira dissidência. Acabou com a liberdade, não realizou a igualdade e desmoronou sob a ineficiência produtiva. 
Cuba, paixão da nossa juventude ingênua e generosa, depois de 60 anos de cruel ditadura, fez avanços importantes na educação e na saúde, que são condições necessárias, mas não suficientes para uma sociedade civilizada, convive com uma relativa e pobre igualdade, porém é incapaz de sustentar-se. 
A Alemanha Oriental é exemplo gritante. Sob uma ditadura títere, que vocalizava a vontade de Stálin, foi uma verdadeira experiência crítica. Provou sua indigência depois de quase 50 anos de terror. 
Outra experiência crucial foi a separação da Coreia em duas. A do Norte, sob a proteção primeiro da URSS e agora da China, não consegue alimentar o seu povo e chantageia o mundo com seu poder bélico, enquanto a do Sul, sob a proteção estratégica dos EUA, construiu uma sociedade próspera.
O caso da China é o mais interessante. Quando Mao rompeu com Stálin e expulsou os técnicos de planejamento russos que estavam repetindo os seus fracassos na China, Nixon e Kissinger viram a oportunidade de oferecer-lhe o mercado americano e a OMC fechou os olhos para suas estripolias. 
Agora o “made in China” será o “made in China for China”, do “China Manufacturing 2025”, que põe a sua política industrial “à frente das forças de mercado”! 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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