segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Moderação ficou barata na política; hora de comprar, FSP

Democracia brasileira, que absorvera entrantes do PT no governo federal em 2002, reabriu as portas agora, para o outro lado do espectro

Jair Bolsonaro (PSL) pronuncia-se após ser eleito presidente da República
Jair Bolsonaro (PSL) pronuncia-se após ser eleito presidente da República - Reprodução/TV Globo
A democracia do Brasil acaba de dar vazão a um profundo e duradouro sentimento de contrariedade com partidos estabelecidos.
O mal-estar se acumulava desde junho de 2013. Rebentou em manifestações inespecíficas de revolta, rompantes de violência e depredações naquele ano. Prolongou-se pela campanha presidencial de 2014, decidida por um punhado de votos.
Irrompeu nem bem reempossada estava a presidente vitoriosa. Alimentado por uma recessão cruel, produziu as maiores mobilizações de rua da história. Propeliu o impeachment de Dilma Rousseff e o mergulho da popularidade de Michel Temer após oescândalo da JBS.
Inflamou o espírito de pequenos proprietários e da porção majoritária da população, que os apoiou, no levante dos caminhoneiros em maio passado. Foi a primeira rebelião de característica autoritária, difusamente golpista, sob o regime de 1988.
Toda essa pressão encontrou em Jair Bolsonaro e outras lideranças excêntricas uma válvula de escape institucional, no sistema representativo. Os representantes da nova direita vão governar, compor ministérios e estatais, lutar para congregar maiorias parlamentares e experimentar a dureza de administrar a máquina federal em condições adversas.
A imprensa livre os vigiará em cada passo da gestão, e não haverá intimidação capaz de fazê-la recuar. Estarão expostos à entropia, que leva ao desgaste e à frustração popular.
A vitória do PT na disputa presidencial de 2002 foi saudada como um marco de renovação e incorporação de novas forças políticas ao establishment. Fez muito bem ao Brasil. 
A porta de entrada abriu-se outra vez, demonstrando a capacidade de nossa democracia de absorver atores também do outro lado do espectro.
Quem comprou radicalização à direita de 2013 para cá se deu bem. O que ficou barato agora é parcimônia e racionalidade econômica. São promissoras as condições para um partido social-democrata moderno no Brasil. Mas será preciso arriscar.

Constituição acima de todos, Opinião FSP



Jair Bolsonaro ganhou nas urnas o direito de usar a faixa presidencial. A maioria dos eleitores expressou sua vontade de encerrar o ciclo de disputas entre PT e PSDB e iniciar um novo capítulo de alternância de poder. 
Pela primeira vez desde a redemocratização, a direita mais nítida e enraizada que se faz possível neste país de profundas contradições chega de forma legítima ao Palácio do Planalto.
Em seus discursos da vitória, o capitão reformado amainou a retórica agressiva que vinha empregando, dirigiu-se genericamente a “todos os brasileiros” e fez o devido elogio à Constituição, à democracia e às liberdades. 
Reconheça-se o gesto, mas sem deixar de apontar que, durante 27 anos como deputado e ao longo desta eleição, Bolsonaro deu inúmeros sinais de que ignora rudimentos da convivência democrática, como o respeito às instituições de Estado, a proteção das minorias e a transigência com diferentes pontos de vista.
Também demonstrou desconhecer o papel da imprensa livre nas sociedades modernas. Inconformado com uma reportagem, entrou com ação contra três profissionais deste jornal. Por meio de advogados, sugere que a Folha o transformou em alvo e agiu com o propósito de prejudicar sua candidatura. 
Na melhor das hipóteses, confunde jornalismo independente e crítico com atuação partidária. Na pior, pretende intimidar não só esta empresa, obcecada pelo pluralismo e pelo apartidarismo, mas todos os veículos que se recusem a lhe prestar continência. 
Nada há de errado em vociferar contra a imprensa. Todos os antecessores do presidente eleito vituperaram esta Folha —e essa tensão só não teria existido se o jornal tivesse sido menos inquisitivo do que deveria.
Mas subsiste uma distância entre o governante que manifesta seu incômodo e aquele que deseja eliminar opositores e silenciar críticos; entre o governante preparado para chefiar uma nação democrática e aquele que não se adapta ao contraditório, ao escrutínio público e à livre circulação de ideias.
Esta Folha ficará onde sempre esteve, confiante na Constituição de 1988, na força da democracia brasileira e na construção de um país melhor para todos. Já Bolsonaro precisará assimilar as lições que nunca aprendeu e mostrar-se à altura do mandato recebido. Que faça um bom governo.