quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Foi o eleitor quem puxou o gatilho, Daniela Lima, FSP (definitivo)

Ao que tudo indica, Jair Bolsonaro (PSL) é a ideia cujo tempo chegou. Se uma disputa presidencial deve espelhar as aspirações de um país, a julgar pelas pesquisas feitas até agora, foi pelo reflexo do capitão reformado e sua retórica bélica que a maioria do eleitorado brasileiro se apaixonou.
O candidato tem méritos. Político com mandato há décadas, vendeu-se e foi comprado como o novo. Mais do que isso, como o antissistema, mesmo tendo nascido, crescido e dado frutos —fez três filhos e ex-mulheres brotarem no meio ambiente do qual diz não fazer parte.

Bolsonaro conseguiu capturar e catalisar sentimentos diversos. Tornou-se o "Messias" de uma nova era. Tendo pronunciado repetidas vezes o Apocalipse para alguns setores, foi aceito. É como se o eleitor dissesse: se tenho que tacar fogo em todo o terreno para ter terra nova para plantar, deixe queimar.
O problema é que o cenário já é de pós-guerra, fruto das escolhas feitas em 2014, quando Dilma Rousseff levou a melhor mesmo diante de todos os sinais de que seu modo de pensar e de fazer política poderiam atirar o Brasil no cadafalso.
A eleição baseada na retórica do medo deveria ter rendido uma lição definitiva: políticos vão, mas o país, ou o que resta dele, fica.
Por isso, a provável vitória de Bolsonaro colocará sobre os ombros de seu eleitor responsabilidade inédita desde a redemocratização. Fernando Collor não se elegeu em 1989 pregando o confisco da poupança. Fernando Henrique Cardoso não foi eleito em 1994 dizendo que aprovaria a reeleição e, depois, que levaria uma política equivocada de câmbio ao limite. Lula não subiu a rampa do Planalto em 2003 avisando que, anos depois, o país conheceria o mensalão —e que isso seria apenas o começo.
Dilma ascendeu como mãe do PAC e dos pobres. Derrotou rivais alardeando o terror de cortes de benefícios e direitos. Saiu do governo pela porta dos fundos deixando 14 milhões de desempregados e Michel Temer (MDB) como seus maiores legados.

Em todos esses casos, porém, o eleitor não pode ser apontado como cúmplice de seus escolhidos. Pode, sim, dizer que foi enganado. Mas a partir de 2019, haja o que houver, os que depositarem seus votos em Bolsonaro jamais poderão dizer que foram pegos de surpresa.
Empresários que colocaram suas grifes na vitrine da política em engajamento inédito para os padrões dos últimos anos, líderes religiosos, economistas, o chamado mercado, emissoras de TV, jornais. Todos esses serão corresponsáveis conscientes por eventuais sucessos ou fracassos do novo governo e do que ele deixará para a história.
Se houver uma caçada à imprensa, supressão de ONGs, retrocessos para os índios, fim de pactos ambientais; se o aparato estatal for usado para identificar e punir opositores, se os gays voltarem para o armário, se o fosso salarial entre mulheres e homens se aprofundar, se o ministro e guru da economia ficar de saco cheio e pedir para sair, se for possível gravar uma cena de faroeste por dia no trânsito... Se isso ocorrer, ninguém poderá dizer que não sabe de onde veio o tiro na democracia. Foi o eleitor quem puxou o gatilho.
Que as boas promessas, de fim da corrupção, de lei e ordem, e principalmente de respeito à Constituição e alavancagem econômica se cumpram. Que o Brasil que votou contra os saqueadores conhecidos há décadas não tenha alçado ao poder mais do que ladrões de dinheiro público, mas de voz e de liberdade.
Que o primeiro presidente que nasce após a peste dissecada pela Lava Jato venha para provar que o poço tem, sim, um fundo, e que nele há molas. Porque se o país se deparar com um caos maior do que o já instalado, não haverá paixão cega capaz de ocultar o que virá. Boa eleição a todos.
Daniela Lima
É editora do Painel.

Não adianta pedir desculpas daqui a 50 anos, Eleonora de Lucena, FSP


A defesa da democracia está no cerne do jornalismo



Eleonora de Lucena, ex-editora-executiva da Folha, em evento em 2017 - Bruno Santos - 27.abr.17/Folhapress
Eleonora de Lucena

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Ninguém poderá dizer que não sabia. É ditadura, é tortura, é eliminação física de qualquer oposição, é entrega do país, é domínio estrangeiro, é reino do grande capital, é esmagamento do povo. É censura, é fim de direitos, é licença para sair matando.

As palavras são ditas de forma crua, sem tergiversação --com brutalidade, com boçalidade, com uma agressividade do tempo das cavernas. Não há um mísero traço de civilidade. É tacape, é esgoto, é fuzil.

Para o candidato-nojo, é preciso extinguir qualquer legado do iluminismo, da Revolução Francesa, da abolição da escravatura, da Constituição de 1988.

Envolta em ódios e mentiras, a eleição encontra o país à beira do abismo. Estratégico para o poder dos Estados Unidos, o Brasil está sendo golpeado. As primeiras evidências apareceram com a descoberta do pré-sal e a espionagem escancarada dos EUA. Veio a Quarta Frota, 2013. O impeachment, o processo contra Lula e sua prisão são fases do mesmo processo demolidor das instituições nacionais.

Agora que removeram das urnas a maior liderança popular da história do país, emporcalham o processo democrático com ameaças, violências, assassinatos, lixo internético. Estratégias já usadas à larga em outros países. O objetivo é fraturar a sociedade, criar fantasmas, espalhar medo, criar caos, abrir espaço para uma ditadura subserviente aos mercados pirados, às forças antipovo, antinação, anticivilização.

O momento dramático não permite omissão, neutralidade. O muro é do candidato da ditadura, da opressão, da violência, da destruição, do nojo.

É urgente que todos os democratas estejam na trincheira contra Jair Bolsonaro. Todos. No passado, o país conseguiu fazer o comício das Diretas. Precisamos de um novo comício das Diretas.

O antipetismo não pode servir de biombo para mergulhar o país nas trevas.

Por isso, vejo com assombro intelectuais e empresários se aliarem à extrema direita, ao que há de mais abjeto. Perderam a razão? Pensam que a vida seguirá da mesma forma no dia 29 de outubro caso o pior aconteça? Esperam estar livres da onda destrutiva que tomará conta do país? Imaginam que essa vaga será contida pelas ditas instituições --que estão esfarrapadas?

Os arrivistas do mercado financeiro festejam uma futura orgia com os fundos públicos. Para eles, pouco importam o país e seu povo. Têm a ilusão de que seus lucros estarão assegurados com Bolsonaro. Eles e ele são a verdadeira escória de nossos dias.

A eles se submete a mídia brasileira, infelizmente. Aturdida pelo terremoto que os grandes cartéis norte-americanos promovem no seu mercado, embarcou numa cruzada antibrasileira e antipopular. Perdeu mercado, credibilidade, relevância. Neste momento, acovardada, alega isenção para esconder seu apoio envergonhado ao terror que se avizinha.

Este jornal escreveu história na campanha das Diretas. Depois, colocou-se claramente contra os descalabros de Collor. Agora, titubeia --para dizer o mínimo. A defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade está no cerne do jornalismo.

Não adianta pedir desculpas 50 anos depois.
Eleonora de Lucena
Jornalista, ex-editora-executiva da Folha (2000-2010) e copresidente do serviço jornalístico TUTAMÉIA (tutameia.jor.br)

Plataformas de tecnologia não deveriam ter menos responsabilidade do que as teles, FSP

Raul Jungmann acredita que não há anonimato na internet. Deveria então ser fácil saber de quem é o telefone com código indiano que disparou um vídeo que dizia mostrar João Doria em uma orgia.
Pena que a realidade seja mais complicada. O comportamento do ministro, assim como o da presidente do TSE, Rosa Weber, é o de quem não quer enfrentar o pântano que virou a campanha nos celulares.
De fato existem caminhos de investigação fora das plataformas. Mas eles não atacam o problema central, que é sistêmico e de larga escala. Resolvê-lo exige mais firmeza do que as autoridades têm demonstrado.
Ou as empresas de tecnologia mudam ou a sociedade continuará correndo atrás de criminosos que já conseguiram o que queriam e que têm boa chance de escapar —basta ver a investigação nos EUA dois anos depois da vitória de Donald Trump.
Em editorial na sexta (19), o jornal The New York Times reforçou: “As plataformas de redes sociais não fazem nenhum favor à sociedade ao confiarem aos jornalistas a tarefa de tirar o veneno de suas páginas. Porque nada disso é sustentável”.
No caso do WhatsApp, mudar o protocolo do aplicativo não tem nenhuma relação com censura.
A Constituição assegura a inviolabilidade do sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial.
WhatsApp, como foi estruturado, é incapaz de atender toda a determinação constitucional —e as possibilidades tecnológicas atuais são bem maiores do que as de 1988.


Pior, as conversas no aplicativo têm potencial problemático maior do que o da telefonia tradicional. Ele virou um meio de comunicação de massa, como ficou claro. Não há justificativa, aos olhos do interesse social, para haver menos possibilidade de rastreamento judicial (não censura) no WhatsApp do que numa ligação no celular. As plataformas não deveriam ter menos responsabilidade do que as teles.