sábado, 13 de outubro de 2018

Morde e assopra, Juliana Sofia, FSP

Alheio ao mau agouro do anedotário político sobre sentar-se na cadeira antes do resultado das urnas, Jair Bolsonaro escala intrepidamente a rampa do Palácio do Planalto ao anunciar três ministros estratégicos de seu governo virtual. O economista Paulo Guedes (Fazenda/Planejamento), o deputado Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e o general da reserva Augusto Heleno (Defesa). Outros seis nomes já aparecem como favoritos para compor o ministério enxuto do candidato do PSL, que deverá ter 15 pastas.
Assim como as indicações precoces —a duas semanas do segundo turno das eleições—, surgem divergências prematuras e nada triviais sobre o rumo de projetos do eventual novo governo. A reforma da Previdência é o melhor exemplo da bateção de cabeça instalada nas trincheiras do capitão reformado.
Guedes insiste em aproveitar a proposta de Michel Temer, que dormita no Congresso desde o final de 2016, votando-a já neste ano. Seria um primeiro passo dentro do plano de fatiar as mudanças nas regras de aposentadoria, com vistas a um regime de capitalização. 
O roteiro já foi desautorizado pela Casa Civil de Lorenzoni, que esculacha o texto-legado do emedebista. Bolsonaro também desmerece a reforma de Temer. Quer uma discussão mais devagar e consensual sobre o tema e diz ser prioridade acabar com privilégios do funcionalismo. 
Em 2019, se eleito, o governo bolsonarista amargará um déficit previdenciário de R$ 218 bilhões, e as despesas com benefícios do INSS atingirão 45% do gasto total. Nenhuma reforma terá o condão de reverter o gigantismo das cifras de imediato, mas a demora na aprovação ou a opção por regras muito gradualistas pouco contribuirá para conter a escalada explosiva da dívida pública.
É cedo para saber se, de fato, Guedes perdeu o embate. Até o dia 28, o artifício dúbio do morde e assopra parece um meio eficaz de, simultaneamente, garantir votos e evitar acusações futuras de estelionato eleitoral.
 
Julianna Sofia
Jornalista, secretária de Redação da Sucursal de Brasília.

Em busca de um voto honesto, FSP


Escrevi alguns dias atrás uma coluna mostrando que existem sistemas de votação que tornam menos prováveis situações de forte polarização como a que vivemos agora. À guisa de exemplo, citei a contagem de Borda, em que o eleitor ranqueia os candidatos por ordem de preferência. Ato contínuo, alguns leitores me escreveram, recriminando-me por ter escolhido um exemplo ruim. Há coisa melhor no mercado, asseguraram-me.
O sistema de Borda, em que pese eliminar alguns problemas do voto uninominal, é muito vulnerável às manipulações da escolha estratégica. O eleitor fatalmente coloca seu candidato favorito em primeiro lugar, dando-lhe a pontuação máxima, e reserva a última posição para o rival com maior chance de vencer, atribuindo-lhe o escore mínimo.
Com isso, candidatos muitas vezes inexpressivos (pense num Eymael) ficam em posições intermediárias —e pontuam bem— porque não são vistos como ameaça. Não é impossível que um deles triunfe, embora não reflita a preferência real de quase ninguém. Alertado para esses problemas, o matemático Jean-Charles de Borda (1733-1799) proclamou “meu sistema é para homens honestos”.
Alternativas mais condizentes com a moralidade média da humanidade são os sistemas cardinais. O mais simples é a votação por aprovação. Nela, o eleitor vota em todos os candidatos que aprovar —isso reduz bem o incentivo a escolhas estratégicas—e contam-se os sufrágios. Depois, para imprimir a marca da preferência popular (não só o não veto), pode-se submeter os dois mais votados a um segundo turno convencional.
Sistemas mais sofisticados de votação, cada qual com seu mix de pontos positivos e negativos, é o que não falta. Vários estão sendo testados em eleições reais ao redor do mundo. É algo em que vale a pena ficarmos de olho. A democracia, sejam os homens honestos ou não, é a melhor maneira que já encontramos para nos autogovernar.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".