O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma nota na quarta-feira (14) sugerindo que o presidente Michel Temer peça a convocação de eleições gerais antecipadas. O texto, enviado à agência Lupa, foi redigido dois dias depois de o PSDB ter decidido, em reunião em Brasília, continuar apoiando o governo Temer. E se insere em uma sequência de idas e vindas do ex-presidente sobre o tema. FHC não indica, de forma detalhada, qual caminho propõe para que as eleições diretas sejam antecipadas — a Constituição determina que, caso Temer deixe o cargo, seu sucessor seja escolhido de forma indireta, por meio do voto de deputados e senadores. Ele tampouco especifica quais cargos estariam em disputa em uma eleição direta antecipada. FHC menciona que seriam “eleições gerais”, o que pode incluir, além do cargo de presidente, os de governador, deputado estadual, deputado federal e senador, ou inclusive os de vereador e prefeito — apesar de o pleito municipal ter ocorrido em outubro de 2016. A palavra do tucano tem impacto em alguns setores da sociedade, principalmente entre aqueles ligados ao centro e à direita no espectro político, e ajuda a fortalecer o movimento por eleições diretas para presidente, que estava restrito a partidos e movimentos ligados à esquerda. Na sexta-feira (16), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com quem FHC mantém interlocução, defendeu a antecipação da eleição direta, e que o eleito tenha um mandato de cinco anos. Legitimidade e anomia “A conjuntura política do Brasil tem sofrido abalos fortes e minha percepção também. Se eu me pusesse na posição de presidente e olhasse em volta reconheceria que estamos vivendo uma quase anomia. Falta o que os politicólogos chamam de ‘legitimidade’, ou seja, reconhecendo que a autoridade é legítima consentir e obedecer” Trecho da nota de FHC A que FHC se refere A anomia à qual o ex-presidente se refere significa tanto a ausência de regras de organização de uma sociedade como a um conceito da sociologia que descreve graves contradições entre normas que dificultam o respeito a elas. Essa situação, segundo o tucano, é consequência da falta de um consenso na sociedade de que a autoridade do presidente da República deve ser respeitada, sem a necessidade de recorrer ao uso da força. Qual a situação concreta Temer assumiu o poder em maio de 2016, após ter se engajado, ao lado do PSDB, no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, prometendo ordem social e recuperação rápida da economia, o que não ocorreu, e está cada vez mais cercado por suspeitas de corrupção — fatores com impacto negativo na sua popularidade O peemedebista escapou da cassação em um julgamento com forte conotação política no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mesmo diante de evidências de que a chapa presidencial eleita em 2014 teria sido financiada com dinheiro sujo, é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal que investiga o pagamento de propina pela processadora de carnes JBS e deve ser denunciado pelo procurador-geral da República na última semana de junho — o que obrigará a Câmara a debater se autoriza ou não a abertura de ação penal contra o presidente. Além disso, Temer é alvo de uma sequência de acusações que envolvem aliados próximos e familiares, e seu governo faz movimentos para tentar influir de alguma forma na Polícia Federal ou no Ministério Público Federal. O papel do presidente “A ordem vigente é legal e constitucional (daí o ter mencionado como “golpe” uma antecipação eleitoral), mas não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto. (…) A responsabilidade maior é a do presidente que decidirá se ainda tem forças para resistir e atuar em prol do país” Trecho da nota de FHC A que FHC se refere O ex-presidente menciona um artigo escrito por ele em 4 de junho, antes da decisão do TSE que manteve o mandato de Temer, no qual afirmava que, se o presidente fosse cassado, o correto seria seguir o que diz a Constituição: escolher o substituto por meio de eleições indiretas. Do contrário, afirmou, haveria um “golpe constitucional”. Na nota de 14 de junho, o tucano incluiu novos elementos no raciocínio para concluir de forma diversa: se a própria ordem constitucional (eleição indireta) não é aceita pelas pessoas, é necessário tomar uma atitude: ou Temer apoia o pleito por eleições gerais antecipadas e participa desse processo, ou a população exigirá, por meio de manifestações, a convocação do pleito à revelia da vontade do peemedebista. Qual é a situação concreta Temer afirmou diversas vezes que não renunciará. O presidente e seu entorno mais próximo, como o Secretário-Geral da Presidência, ministro Moreira Franco, e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, lutam para permanecer no poder. Os três são alvos de inquéritos que hoje tramitam no Supremo — Temer, relativo à delação da JBS, e Padilha e Moreira Franco, no âmbito da Lava Jato — e poderiam ter seus processos encaminhados à primeira instância do Judiciário se perdessem os cargos. Há duas propostas de emenda à Constituição em debate no Congresso que alteram a regra sobre eleição indireta para presidente, que hoje se aplica caso o cargo fique vago na segunda metade do mandato. Uma das propostas estabelece eleição direta se o cargo ficar vago a até seis meses do final do mandato e outra, a até um ano. As duas propostas têm o apoio da oposição ao governo, minoritária no Congresso, e são rechaçadas pelo PMDB, pelo PSDB e outros partidos que sustentam Temer. Mesmo que as emendas tivessem apoio do governo e dos partidos da base, em geral propostas para alterar a Constituição que contam com apoio da maioria do Congresso levam cerca de seis meses para serem aprovadas e entrarem em vigor. Além disso, não está claro se uma emenda à Constituição do tipo poderia entrar em vigor imediatamente e servir para o caso atual, ou só valeria a partir do próximo presidente. Isso porque mudanças nas regras eleitorais só valem se aprovadas no mínimo um ano antes do pleito. Na nota de 14 de junho, FHC fala em antecipar “eleições gerais”, o que é diferente de eleição para presidente da República. O tucano não explicou que tipo de pleito defende, mas eleições gerais poderiam incluir todos os cargos cujos mandatos se encerram em 2018 — presidente, governador, deputado estadual, deputado federal e senador — e ainda os cargos de prefeito e vereador, preenchidos em outubro de 2016. O papel do presidente na antecipação de eleições diretas é relativo. Ele não tem poder para convocar um novo pleito, que deve ser discutido e aprovado pelo Congresso. Uma eventual decisão do presidente nesse sentido, contudo, daria maior legitimidade à proposta, já que o atual ocupante do cargo estaria abrindo mão de concluí-lo somente em dezembro de 2018, e enviaria um sinal à sua base no Legislativo. O papel do PSDB “Se tudo continuar como está com a desconstrução contínua da autoridade, por ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo. Preferiria atravessar a pinguela, mas se ela continuar quebrando será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular” Trecho da nota de FHC A que FHC se refere O PSDB foi um dos principais articuladores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que alçou Temer ao Palácio do Planalto, ajudou a formular e encaminhar a agenda de reformas econômicas e tem quatro ministros — nas pastas Secretaria de Governo, Relações Exteriores, Cidades e Direitos Humanos. Uma parte da legenda, incluindo os deputados federais mais jovens e o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati, querem que o partido deixe de apoiar Temer, tentando evitar uma maior contaminação de sua imagem pelos escândalos do governo — apesar de o PSDB já ter sido atingido pela delação da JBS, na figura do seu então presidente nacional, Aécio Neves. Em 12 de junho, os tucanos fizeram uma reunião ampliada em Brasília e decidiram continuar no governo, deixando espaço para reavaliar caso surjam fatos novos. Em sua nota de 14 de junho, FHC não defende o rompimento imediato dos tucanos, mas o condiciona à piora da situação do governo — um cenário provável nas próximas semanas. Qual é a situação concreta A tendência é Temer continuar a enfrentar, como diz FHC, “a desconstrução contínua” de sua autoridade, com o surgimento de fatos novos a o envolver em suspeitas de corrupção e a provável denúncia do procurador-geral da República, na última semana de junho. Depois disso, haverá um processo na Câmara para decidir se autoriza ou não a abertura de ação penal, o que trará ainda mais desgaste ao presidente. O PSDB segue rachado sobre permanecer ou sair do governo. Interessa a Aécio Neves, presidente afastado, manter a aliança com o PMDB e evitar ser retaliado com uma cassação de seu mandato pelo Senado. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também atuou para que os tucanos continuassem com Temer, pois trabalha com a possibilidade de disputar a Presidência somente em 2018. O reconhecimento das hesitações “É este o sentimento que motiva minhas tentativas de entender o que acontece e de agir apropriadamente, embora nem sempre no calor dos embates diários e de declarações dadas às pressas tenha sido claro nem sem hesitações”. Trecho da nota de FHC A que FHC se refere Assim como já havia feito no começo da nota, ao lembrar que já chamou a antecipação das eleições de “golpe constitucional”, o ex-presidente encerra o texto reconhecendo as idas e vindas de sua opinião durante essa crise. Qual é a situação concreta O tucano já mudou diversas vezes de posição. Em 18 de maio, uma quinta-feira, um dia após a divulgação da gravação do diálogo entre Temer e Joesley Batista, da JBS, FHC divulgou uma nota mencionando a palavra “renúncia”. Na sexta-feira, dia 19, recuou e disse que o áudio da conversa entre Temer e Joesley não trazia um “elemento decisivo” contra o presidente, sendo necessário que a Justiça analisasse as provas. No sábado (20), o tucano telefonou para o presidente e, segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, disse a Temer que era preciso resistir aos ataques e se manter firme em meio à crise. Na segunda-feira (22), FHC publicou em seu Facebook uma foto em que aparece segurando um exemplar da Constituição e defende a necessidade de “botar ordem na casa”, mas dentro dos marcos constitucionais — ou seja, por meio de eleição indireta. Agora, publicou seu libelo em defesa da antecipação de eleições diretas.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/16/O-que-FHC-disse-sobre-%E2%80%98Diretas-J%C3%A1%E2%80%99.-E-qual-o-contexto-de-sua-proposta?utm_campaign=selecao_da_semana_-_17062017&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
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sábado, 17 de junho de 2017
sexta-feira, 16 de junho de 2017
O desejo dos idosos - CONTARDO CALLIGARIS, FSP
FOLHA DE SP - 15/06
Fui convidado pelo Sesc de São Paulo a abrir, com uma palestra, a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. Por que precisamos de um esforço para ter consciência da violência que é exercida contra os idosos?
No Brasil, tornou-se frequente que as famílias aceitem que um filho ou uma filha menores durmam em casa com seus namorados. A gente racionaliza: melhor em casa do que no carro, ou em outros lugares perigosos.
Obviamente, essa tolerância esconde uma vontade de controlar e domesticar o desejo dos adolescentes. Se acontecer em casa, saberemos o que é, certo?
Mesmo assim, imaginemos que exista hoje uma aceitação da ideia de que filhos adolescentes têm desejos próprios e, além disso, estão vivendo agora –não estão apenas se preparando para a vida futura.
Agora, imagine que um de seus pais ou de seus sogros seja viúvo, separado ou divorciado, digamos, aos 75 anos. Ele tem uma aposentadoria modesta, e, se ele morasse com você, seria bom para ele e para você (ele poderia ajudar com as crianças, que o adoram).
O idoso tem seu quarto, sua televisão, seus livros, poupa o aluguel e, "sobretudo", evita a solidão, enquanto você tem a melhor baby-sitter possível.
Pergunta: você aceita que seus filhos levem namorados e namoradas para casa, mas, caso seu pai ou sua mãe ou sogro ou sogra, divorciados, separados ou viúvos, morem com você, você topa que eles tragam um "namorado ou namorada" para casa e para cama? Você encara um velho ou uma velha desconhecidos na mesa do café da manhã?
O século 20 começou admitindo a existência da sexualidade infantil, continuou reconhecendo (um pouco) a sexualidade feminina e admitindo (um pouco) a variedade das orientações sexuais; mas o desejo sexual do idoso continua obsceno: uma aberração fora de época. O próprio amor entre idosos, para ser aceito, deve nos parecer "fofo".
Negar a vida sexual do idoso permite que a indústria farmacêutica e o médico proponham tratamentos que condenam o idoso à impotência, como se esse efeito "secundário" não fosse relevante na velhice.
Da mesma forma, os efeitos colaterais da testosterona na menopausa são tolerados pelos sintomas que ela melhora (irritabilidade, calores repentinos etc.), mas é raro que seja considerado o efeito de manter o desejo e a vida sexual da mulher.
A atitude diante de alguém de 40 anos seria totalmente diferente: em matéria de desejo, espera-se do idoso a resignação.
E, se você acha que o desejo sexual no idoso é uma quimera, considere o seguinte: entre os lugares onde as doenças sexualmente transmissíveis mais crescem, estão os asilos para idosos"¦
Ouço com frequência filhos preocupados com o medo de que o pai ou a mãe idosos caiam nas mãos de parceiros "aproveitadores", que "certamente" esperam herdar algo depois da morte do velho ou da velha. Fico perplexo: por que os amantes no fim da vida seriam aproveitadores? Porque permitem um prazer carnal do qual os filhos se envergonham? E será que os tais amantes seriam menos interesseiros do que os filhos, tão preocupados que os pais acabem com "as reservas"?
Nascemos prematuros: para vingar, precisamos ser criados numa família, que é um caldeirão de necessidades, desejos e primeiros afetos fundamentais (prazer, desamparo, gratidão, ódios, frustrações, gratificações). Ser normal, para um humano, significa ter constituído, nessa experiência familiar, um complexo de afetos que moldará o resto de sua vida.
Entre esses afetos, seria ingênuo não contabilizar a vontade de vingança. Vocês foram os que me impediram de desejar, de me masturbar, de comprar aquele carrinho vermelho etc., tudo "pelo meu bem", claro. Vocês diziam que eu não podia ainda; agora vou dizer que vocês não podem mais.
Como os idosos não morrem tão cedo, a demência e o Alzheimer são providenciais. Os adultos adoram decretar a "incapacidade" de seus velhos. Os filhos sonham com uma curatela dos pais, que é quase sempre abusiva ou desnecessária (apesar da cautela do Judiciário).
Cuidado, a violência física e a tentativa de se apoderar dos bens do idoso são apenas a ponta de um iceberg. A verdadeira violência contra o idoso consiste em negar a ele a possibilidade de desejar. É nessa negação que se manifesta o prazer escuso dos filhos quando eles podem regular a vida de quem já regulou a deles.
Fui convidado pelo Sesc de São Paulo a abrir, com uma palestra, a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. Por que precisamos de um esforço para ter consciência da violência que é exercida contra os idosos?
No Brasil, tornou-se frequente que as famílias aceitem que um filho ou uma filha menores durmam em casa com seus namorados. A gente racionaliza: melhor em casa do que no carro, ou em outros lugares perigosos.
Obviamente, essa tolerância esconde uma vontade de controlar e domesticar o desejo dos adolescentes. Se acontecer em casa, saberemos o que é, certo?
Mesmo assim, imaginemos que exista hoje uma aceitação da ideia de que filhos adolescentes têm desejos próprios e, além disso, estão vivendo agora –não estão apenas se preparando para a vida futura.
Agora, imagine que um de seus pais ou de seus sogros seja viúvo, separado ou divorciado, digamos, aos 75 anos. Ele tem uma aposentadoria modesta, e, se ele morasse com você, seria bom para ele e para você (ele poderia ajudar com as crianças, que o adoram).
O idoso tem seu quarto, sua televisão, seus livros, poupa o aluguel e, "sobretudo", evita a solidão, enquanto você tem a melhor baby-sitter possível.
Pergunta: você aceita que seus filhos levem namorados e namoradas para casa, mas, caso seu pai ou sua mãe ou sogro ou sogra, divorciados, separados ou viúvos, morem com você, você topa que eles tragam um "namorado ou namorada" para casa e para cama? Você encara um velho ou uma velha desconhecidos na mesa do café da manhã?
O século 20 começou admitindo a existência da sexualidade infantil, continuou reconhecendo (um pouco) a sexualidade feminina e admitindo (um pouco) a variedade das orientações sexuais; mas o desejo sexual do idoso continua obsceno: uma aberração fora de época. O próprio amor entre idosos, para ser aceito, deve nos parecer "fofo".
Negar a vida sexual do idoso permite que a indústria farmacêutica e o médico proponham tratamentos que condenam o idoso à impotência, como se esse efeito "secundário" não fosse relevante na velhice.
Da mesma forma, os efeitos colaterais da testosterona na menopausa são tolerados pelos sintomas que ela melhora (irritabilidade, calores repentinos etc.), mas é raro que seja considerado o efeito de manter o desejo e a vida sexual da mulher.
A atitude diante de alguém de 40 anos seria totalmente diferente: em matéria de desejo, espera-se do idoso a resignação.
E, se você acha que o desejo sexual no idoso é uma quimera, considere o seguinte: entre os lugares onde as doenças sexualmente transmissíveis mais crescem, estão os asilos para idosos"¦
Ouço com frequência filhos preocupados com o medo de que o pai ou a mãe idosos caiam nas mãos de parceiros "aproveitadores", que "certamente" esperam herdar algo depois da morte do velho ou da velha. Fico perplexo: por que os amantes no fim da vida seriam aproveitadores? Porque permitem um prazer carnal do qual os filhos se envergonham? E será que os tais amantes seriam menos interesseiros do que os filhos, tão preocupados que os pais acabem com "as reservas"?
Nascemos prematuros: para vingar, precisamos ser criados numa família, que é um caldeirão de necessidades, desejos e primeiros afetos fundamentais (prazer, desamparo, gratidão, ódios, frustrações, gratificações). Ser normal, para um humano, significa ter constituído, nessa experiência familiar, um complexo de afetos que moldará o resto de sua vida.
Entre esses afetos, seria ingênuo não contabilizar a vontade de vingança. Vocês foram os que me impediram de desejar, de me masturbar, de comprar aquele carrinho vermelho etc., tudo "pelo meu bem", claro. Vocês diziam que eu não podia ainda; agora vou dizer que vocês não podem mais.
Como os idosos não morrem tão cedo, a demência e o Alzheimer são providenciais. Os adultos adoram decretar a "incapacidade" de seus velhos. Os filhos sonham com uma curatela dos pais, que é quase sempre abusiva ou desnecessária (apesar da cautela do Judiciário).
Cuidado, a violência física e a tentativa de se apoderar dos bens do idoso são apenas a ponta de um iceberg. A verdadeira violência contra o idoso consiste em negar a ele a possibilidade de desejar. É nessa negação que se manifesta o prazer escuso dos filhos quando eles podem regular a vida de quem já regulou a deles.
Manifesto à Nação, OESP
Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias, O Estado de S.Paulo
09 Abril 2017 | 05h00
Os constantes escândalos comprovam a inviabilidade do vigente sistema político-constitucional. Ele representa um modelo obsoleto, oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico, que concede supersalários, foros privilegiados e muitos outros benefícios a um pequeno grupo de agentes públicos e políticos, enquanto o resto da população não tem meios para superar a ineficiência do Estado e exercer seus direitos mais básicos.
A Constituição de 1988 transformou a burocracia num obstáculo perverso ao exercício da cidadania. Ela é fruto de um momento histórico bastante peculiar, o fim de um regime de exceção, que não corresponde mais à realidade do Brasil; representa um conjunto de interesses e modelos que já em 1988 estavam em franca deterioração no mundo civilizado.
Por ser um compromisso de interesses entre as forças que disputavam o poder após a ditadura, a Carta de 88 foi recheada de casuísmos e de corporativismos. Estabeleceu um absurdo regime político que se nutre de um sistema pseudopartidário, excessivamente fragmentado e capturado por interesses de corporações e de facções político-criminosas. Isso torna excessivamente custosa a governabilidade, criando uma relação tóxica entre os Poderes, o que favorece a corrupção, o tráfico de influência e os rombos devastadores nas contas públicas.
Os vícios insanáveis de Carta de 88 fizeram com que ela tenha sido desfigurada por 95 emendas desde sua promulgação, tramitando atualmente mais de mil novos projetos de emendas constitucionais. No entanto, tais emendas são paliativos lentos e pontuais, que apenas retardam as verdadeiras estruturais necessárias.
Os temas constitucionais para uma reforma estrutural, política e administrativa, indispensável à restauração das instituições, são, dentre outros:
- Eliminação do foro privilegiado;
- Eliminação da desproporção de deputados por Estados da Federação;
- Voto distrital puro, sendo os parlamentares eleitos pelo distrito eleitoral respectivo;
- Referendo no caso de o Congresso legislar em causa própria, sob qualquer circunstância;
- Estabelecimento do regime de consulta, com referendo ou plebiscito, para qualquer matéria constitucional relevante;
- Nenhum parlamentar poderá exercer cargos na administração pública durante o seu mandato;
- Eliminação dos cargos de confiança na administração pública, devendo todos os cargos ser ocupados por servidores concursados;
- Eliminação do Fundo Partidário e do financiamento público das eleições: serão os partidos financiados unicamente por seus próprios filiados;
- Eliminação das emendas parlamentares, que tornam os congressistas sócios do Orçamento, e não seus fiscais;
- Criação ou aumento de impostos, somente com referendo;
- Fim das coligações para quaisquer eleições;
- Eliminação de efeitos de marketing das campanhas eleitorais, devendo os candidatos se apresentar no horário gratuito pessoalmente, com seus programas e para rebater críticas;
- Distribuição igual de tempo por partido no horário eleitoral gratuito para as eleições majoritárias (presidente e governador);
- Inclusão do princípio da isonomia na Constituição, de modo que a lei estabeleça tratamento igual para todos, em complementação ao princípio vigente de que todos são iguais perante a lei;
- Isonomia de direitos, de obrigações e de encargos trabalhistas e previdenciários para todos os brasileiros, do setor público e do setor privado;
- Eliminação da estabilidade no exercício de cargo público, com exceção do Poder Judiciário, do Ministério Público e das Forças Armadas, devendo os servidores públicos se submeter às mesmas regras do contrato trabalhista do setor privado;
- Eliminação dos privilégios por cargo ou função (mordomias, supersalários, auxílios, benefícios, etc.), devendo o valor efetivamente recebido pelo servidor estar dentro do teto previsto na Constituição.
Todos sabemos que essas mudanças jamais serão aprovadas pelos atuais parlamentares, que atuam só para manter o vigente sistema político-constitucional, que preserva seus privilégios. Por isso somente poderemos fazer as reformas estruturais políticas e administrativas indispensáveis com uma Constituinte composta por membros da sociedade civil que não ocupem cargos políticos e, encerrados os trabalhos constituintes, fiquem inelegíveis por oito anos.
A viabilização dessa indispensável providência de restauração das instituições, desfiguradas pela ilegitimidade manifesta da maioria dos atuais congressistas, que nada mais representam senão seus próprios interesses de sobrevivência política e criminal, passa pelo plebiscito instituído na Lei n.º 9.709, de 1998.
O plebiscito deverá ser convocado por iniciativa de um terço dos deputados ou dos senadores e aprovado por maioria simples dos membros de uma das Casas do Congresso. Nele os eleitores deverão decidir pela convocação de uma Assembleia Constituinte independente, formada por pessoas que não tenham cargos políticos, ou, então, por uma Assembleia Constituinte formada pelos próprios congressistas. Esta será a única pergunta a ser formulada na cédula.
A redação da Constituição de um Estado é a máxima expressão da soberania de um povo. Quando o povo não participa de sua elaboração, temos uma Constituição discriminatória, de privilégios para casta política e administrativa, como a de 1988, que criou não uma democracia representativa, mas, sim, uma democracia corporativista.
Impõe-se, enfim, uma mobilização da sociedade civil e organizada que exija do Congresso Nacional a realização de um plebiscito, nos termos da Lei 9.709/98, para que o povo decida, soberanamente, se quer uma Assembleia Constituinte originária e independente, que estabeleça as novas estruturas para o desenvolvimento sustentável do nosso país, num autêntico Estado Democrático de Direito.
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