segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Desorganização do setor de saneamento aumenta a crise da água

ANDRÉ BORGES - O ESTADO DE S. PAULO

13 Outubro 2014 | 02h 01

De norte a sul do País há confusão generalizada sobre quem deve operar e fiscalizar serviços de saneamento; briga chegou ao STF

BRASÍLIA - A estiagem histórica que castiga o abastecimento de água em diversas cidades do Sudeste expôs as raízes mais profundas de um problema que contamina o setor de saneamento básico do País e que está na base da crise atual: a desorganização institucional que impera entre prestadores de serviços de saneamento, Estados e municípios.
De norte a sul do País, a confusão é geral. Envolve empresas que operam de maneira informal e sem contrato, a ausência de fiscalização, alegações de cobranças extorsivas de tarifas e serviços de péssima qualidade. Essa combinação tem produzido índices recordes de desperdício de água e pilhas de processos judiciais, com casos que já chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2007, uma lei federal garantiu a titularidade da gestão e fiscalização dos serviços de água e esgoto aos municípios. Na prática, porém, a lei não é respeitada. No centro das polêmicas, está a criação de agências reguladoras para fiscalizar o setor. De um lado, estão os municípios, que detêm a titularidade legal dos serviços de saneamento e querem mais fiscalização sobre a qualidade do que é oferecido à população por companhias públicas e privadas. De outro, estão os Estados, donos de parte das empresas de saneamento questionando a existência de órgãos municipais para fiscalizá-los.
Nilton Fukuda/Estadão
Volume morto do Sistema Cantareira, que tem abastecido 6,5 milhões de pessoas na Grande SP, chegou neste domingo, 12, a 4,8% da capacidade
No interior de São Paulo, por exemplo, 47 municípios reunidos em um consórcio público montaram, em 2011, uma agência reguladora dos serviços de saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Ares-PCJ). Nessas bacias estão as nascentes das represas do Sistema Cantareira, em crise há dois anos. "O objetivo da agência é fiscalizar os serviços prestados aos municípios da região, a maior parte deles por empresas municipais, mas temos oito cidades que são atendidas pela Sabesp. Nessas cidades, a Sabesp não aceita a nossa fiscalização", diz Dalto Favero Brochi, diretor-geral da Ares-PCJ.
A alegação da Sabesp é que já existe uma instância do governo de São Paulo para desempenhar essa tarefa, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia (Arcesp). "É uma situação difícil. Esses municípios atendidos pela Sabesp aderiram à Ares-PCJ e delegaram para nós a regulação. É um direito deles, garantido por lei, escolher quem fará essa fiscalização, mas a Sabesp não aceita", diz Brochi. O caso foi parar na Justiça. A Sabesp informou que "sempre atua com respaldo da legislação do setor e se submete à fiscalização dos órgãos competentes".
Supremo. Em Salvador, a crise institucional já chegou ao STF. A prefeitura quer fiscalizar os serviços prestados pela Empresa Baiana de Água e Esgoto (Embasa), sob alegação de que a agência reguladora estadual (Agersa) faz vistas grossas para as falhas da distribuidora da água. Por isso, a prefeitura criou em 2013 uma agência de fiscalização, a Arsal. "Queremos um sistema autônomo. O serviço da Embasa é de péssima qualidade. Ela nem sequer consulta a prefeitura sobre os serviços que seriam prioritários", diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda de Salvador.
Para o presidente da Embasa, Abelardo de Oliveira Filho, a prefeitura age por interesses políticos. "Falta bom senso. Nenhuma metrópole vai resolver os problemas de saneamento sem uma integração com o Estado", diz Oliveira Filho, que foi secretário de Saneamento do Ministério das Cidades no governo Lula, entre 2003 e 2007.
O imbróglio baiano envolve, ainda, a criação, pelo Estado, da região metropolitana de Salvador, um consórcio com 13 municípios, incluindo a capital. A prefeitura se nega a fazer parte do consórcio por entender que o grupo dilui decisões que caberiam à capital, como a fiscalização do saneamento.
No mês passado, o ministro do STF Celso de Mello indeferiu uma liminar do Democratas, partido do prefeito de Salvador, ACM Neto, que apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei complementar que criou o consórcio. "Esse tipo de situação se espalha pelo País. O saneamento sofre com a falta de regulação, porque não tem métricas de eficiência, o que leva a grandes prejuízos", diz o advogado Wladimir Antonio Ribeiro. Especialista no assunto, Ribeiro defende o modelo de consórcios de municípios. "Temos cidades de mil habitantes no País, que não têm condições de manter uma estrutura própria de fiscalização. Os consórcios, desde que bem estruturados, são a melhor opção", afirma.
Abastecimento de cidades sem contrato legal. A falta de entendimento entre prestadores de serviços de saneamento e municípios resulta em situações como em Santo André, no ABC paulista. Há sete anos, a cidade abastece a população com água da Sabesp sem ter um contrato, embora esse documento seja exigido pela Lei do Saneamento.
“Não houve acordo. A Sabesp nunca detalhou sua planilha de custos para nós. Os preços são abusivos e não há transparência”, diz Sebastião Ney Vaz Júnior, presidente da empresa municipal de Santo André (Semasa). A prefeitura move ação contra a Sabesp e, segundo Vaz Júnior, o caso deve ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Sabesp cobra R$ 1,65 por metro cúbico (mil litros) de água vendido a Santo André, diz Vaz Júnior. O preço que a prefeitura paga, no entanto, é menor. “A gente paga em juízo, usando como referência a empresa local de abastecimento, que fornece água para uma parte da população a R$ 0,73 o m³. É esse o valor que estamos dispostos a pagar.”
A falta de contrato dificulta a fiscalização. “A Sabesp entrega o volume que pedimos, mas sem considerar nossos horários de pico de consumo”, diz Vaz Júnior. A Sabesp diz que atua com base na lei do setor.
Em Salvador, a situação é a mesma. “Nosso contrato com a Embasa acabou e não foi renovado”, diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda. A Embasa, companhia estadual, acusa a prefeitura de acumular dívida de R$ 450 milhões em contas de água. A prefeitura diz que a Embasa está inadimplente em R$ 400 milhões em Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS). 
“Eles não pagam a gente, nós não pagamos eles”, diz Ricardo.
No meio do caos do setor, há bons resultados, como o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata (Cisab), de Minas. “Somos 27 municípios que se uniram para gerenciar o saneamento, o que proporcionou a redução de custos”, diz Tânia Duarte, superintendente do Cisab.

O chapeiro e o dono da padaria, Por Antonio Prata, na FSP

As vitórias da Dilma, no Nordeste, do Aécio, no Sudeste e a mesma divisão mostrada pelo Datafolha para o segundo turno ressuscitaram o velho preconceito de que pobre não sabe votar. Os mais ricos e escolarizados escolheriam racionalmente e votariam no PSDB, enquanto os mais pobres e com menos anos de estudo, iludidos pelas "esmolas" e falsas promessas do governo, fechariam com o PT.
Essa ideia equivocada deriva de uma falsa premissa: a de que existiria o voto certo e o errado. Candidaturas não representariam interesses distintos de diferentes camadas da sociedade, mas sim a verdade ou a mentira. Uma eleição não seria, portanto, uma escolha entre múltiplas propostas, mas se assemelharia àquele golpe em que, sobre um tabuleiro, uma pessoa vai rolando uma bolinha e a escondendo cada hora sob um de três copos; no fim, você tem que descobrir qual copo esconde a bola, quais estão vazios; qual candidatura é a certa, boa para todos, quais são as vazias, querendo nos enganar.
Ora, bolas, o Nordeste não deu 60% dos votos à Dilma porque foi enganado por ela. Deu porque, sob o PT, as condições de vida daqueles milhões de eleitores melhoraram. E o mensalão? E o escândalo da Petrobras? E a inflação? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É um voto racional.
A mesma coisa vale para os 39,45% do Aécio no Sudeste. O sudeste é mais rico, vê seus interesses representados pelo candidato, não precisa tanto de programas sociais -só quer menos Estado, evidentemente, quem não depende dele. E o mensalão mineiro? E o escândalo do metrô? E a compra de votos pra reeleição? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É um voto racional.
Na boa: você não precisa ser marxista-leninista pra concordar que as necessidades do chapeiro são diferentes das do dono da padaria, vai?
*
Na quinta, Armínio Fraga e Guido Mantega foram entrevistados por Miriam Leitão, na GloboNews. O que Armínio dizia era, numa livre tradução, que o PT está quebrando a padaria e, caso isso aconteça, quem mais se estrepará será o chapeiro. Mantega se defendia afirmando que a padaria não está quebrando, só está com pouco movimento por conta da crise mundial. E lembrava que, mesmo nesse período difícil, o Brasil manteve contínuos aumentos de salário e seguiu contratando chapeiros. Armínio rebatia que a crise já tinha passado e as outras padarias estão melhores que a nossa e acusava o governo de só manter o emprego e o salário nesses níveis na base da gambiarra. As planilhas estariam cheias de araminho e fita isolante. É a crise!, se defendia Mantega, alegando que na hora do dilúvio é mais importante botar a bacia embaixo da goteira que consertar o buraco no teto. Uma hora o teto vai cair, vaticinava Armínio. Com a gente, nunca caiu, se orgulhava Mantega, com vocês, caiu três vezes! Era a crise, se defendia Armínio. O que importa é que as pessoas estão bem, sorria Mantega. O que importa é que o balancete vai mal, sorria Armínio.
E eu, que não sou chapeiro nem dono de padaria, fiquei com a sensação de que os dois tinham razão e estavam errados, alternadamente. 

Bruna Marquezine e a retórica petista - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 12/10


Arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger Dilma, mas em nada ajuda para a evolução da sociedade


Com o início da campanha do segundo turno na quinta-feira, o programa eleitoral da presidente Dilma Rousseff apresentou diversas manchetes de jornais com vários dados referentes à década de 90 e outros referentes à década de 2000. Há nesta estratégia uma série de truques de retórica.

Ao primeiro chamaremos de "efeito Bruna Marquezine". Circula na internet um divertido meme com a foto da criança Bruna nos anos FHC, e outra, da bela mulher em que se transformou, nos anos Lula. A brincadeira é que a retórica petista sugere que a transformação é consequência das políticas dos governos petistas.

Inúmeras melhoras ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 30 anos são avanços vegetativos associados à evolução natural da sociedade. Boa parcela da queda da desigualdade na última década segue da melhora educacional --que tem ocorrido desde os anos 40, com forte aceleração em seguida à redemocratização-- em associação ao fim de nossa transição demográfica. Pela primeira vez somos uma sociedade com escassez de trabalho. Nada disto deve-se ao PT no governo.

A propaganda petista gosta de apresentar números impressionantes que fulguram ante cifras bem menores da era FHC. Em muitos casos essas comparações representam a evolução natural de programas e realizações a partir de largadas necessariamente modestas na fase que se seguiu ao fim do caos hiperinflacionário. Foi um período no qual o país teve de concentrar recursos escassos e energia política nas penosas reformas estruturantes, que foram a base para os avanços posteriores e contra as quais o PT lutou com todas as forças.

O segundo truque retórico é a descontextualização da informação. Por exemplo, a dívida pública no governo FHC cresceu. O que não se fala é que mais da metade do crescimento da dívida pública no período resultou da assunção de dívidas passadas que não estavam contabilizadas. Este fato está bem documentado no texto para a discussão de janeiro de 2004 do Ipea "Os Passivos Contingentes e a Dívida Pública no Brasil: Evolução Recente (1996-2003) e Perspectivas (2004-2006)".

Por exemplo, afirmar que a inflação foi mais elevada com FHC do que com o PT é não reconhecer que antes de FHC havia hiperinflação e que a sociedade melhorou: 7% ao ano no período FHC é conquista; 7% hoje é derrota.

O terceiro truque retórico, que remete ao gênio da comunicação nazista Joseph Goebbels, é repetir uma mentira até que seja verdadeira. Por exemplo, repetir que FHC quebrou o país três vezes quando naquele período nunca quebramos. Monica de Bolle na seção "Tendências e Debates" da Folha de sexta-feira (10) elucida a questão.

O quarto truque retórico é escolher estatísticas e bases de comparação de forma oportunista. Este é o caso quando se afirma que o desempregou caiu 7,6 pontos percentuais, dos 13,0% de 2003 para os 5,4% de 2013. Esta informação de desemprego refere-se à Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Abrange somente seis regiões metropolitanas. A taxa de desemprego medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, que abrange todo o território nacional, apresenta redução de 3,2 pontos percentuais, de 9,7% em 2003 para 6,5% em 2013.

Se tomarmos como base de comparação 2002, último ano de FHC, o desemprego caiu 2,6 pontos percentuais, de 9,1% para 6,5%. Queda bem menos brilhante se considerarmos a dinâmica demográfica muito favorável.

O quinto truque retórico é simplificar um debate ao máximo de forma a demonizar seu adversário e incutir medo na população. Esta estratégia foi empregada à larga para desconstruir Marina Silva.

Fui recentemente alvo dessa estratégia. Na coluna de 29 de junho abordei o tema da cobrança de mensalidade em universidades, públicas ou privadas. O tema foi tratado de forma conceitual e no contexto das dificuldades de financiamento da USP e do reconhecimento do enorme sucesso do Fies, uma das vitrines, com todos os méritos, do atual governo. Na retórica petista eu quero privatizar as universidades federais, algo que nunca passou pela minha cabeça.

O arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger Dilma. Em nada ajuda a evolução da sociedade.