As vitórias da Dilma, no Nordeste, do Aécio, no Sudeste e a mesma divisão mostrada pelo Datafolha para o segundo turno ressuscitaram o velho preconceito de que pobre não sabe votar. Os mais ricos e escolarizados escolheriam racionalmente e votariam no PSDB, enquanto os mais pobres e com menos anos de estudo, iludidos pelas "esmolas" e falsas promessas do governo, fechariam com o PT.
Essa ideia equivocada deriva de uma falsa premissa: a de que existiria o voto certo e o errado. Candidaturas não representariam interesses distintos de diferentes camadas da sociedade, mas sim a verdade ou a mentira. Uma eleição não seria, portanto, uma escolha entre múltiplas propostas, mas se assemelharia àquele golpe em que, sobre um tabuleiro, uma pessoa vai rolando uma bolinha e a escondendo cada hora sob um de três copos; no fim, você tem que descobrir qual copo esconde a bola, quais estão vazios; qual candidatura é a certa, boa para todos, quais são as vazias, querendo nos enganar.
Ora, bolas, o Nordeste não deu 60% dos votos à Dilma porque foi enganado por ela. Deu porque, sob o PT, as condições de vida daqueles milhões de eleitores melhoraram. E o mensalão? E o escândalo da Petrobras? E a inflação? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É um voto racional.
A mesma coisa vale para os 39,45% do Aécio no Sudeste. O sudeste é mais rico, vê seus interesses representados pelo candidato, não precisa tanto de programas sociais -só quer menos Estado, evidentemente, quem não depende dele. E o mensalão mineiro? E o escândalo do metrô? E a compra de votos pra reeleição? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É um voto racional.
Na boa: você não precisa ser marxista-leninista pra concordar que as necessidades do chapeiro são diferentes das do dono da padaria, vai?
Na quinta, Armínio Fraga e Guido Mantega foram entrevistados por Miriam Leitão, na GloboNews. O que Armínio dizia era, numa livre tradução, que o PT está quebrando a padaria e, caso isso aconteça, quem mais se estrepará será o chapeiro. Mantega se defendia afirmando que a padaria não está quebrando, só está com pouco movimento por conta da crise mundial. E lembrava que, mesmo nesse período difícil, o Brasil manteve contínuos aumentos de salário e seguiu contratando chapeiros. Armínio rebatia que a crise já tinha passado e as outras padarias estão melhores que a nossa e acusava o governo de só manter o emprego e o salário nesses níveis na base da gambiarra. As planilhas estariam cheias de araminho e fita isolante. É a crise!, se defendia Mantega, alegando que na hora do dilúvio é mais importante botar a bacia embaixo da goteira que consertar o buraco no teto. Uma hora o teto vai cair, vaticinava Armínio. Com a gente, nunca caiu, se orgulhava Mantega, com vocês, caiu três vezes! Era a crise, se defendia Armínio. O que importa é que as pessoas estão bem, sorria Mantega. O que importa é que o balancete vai mal, sorria Armínio.
E eu, que não sou chapeiro nem dono de padaria, fiquei com a sensação de que os dois tinham razão e estavam errados, alternadamente.
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