segunda-feira, 12 de maio de 2014

Ela está no meio de nós


Para filósofo esloveno, o medo da criminalidade e do terror oculta a ‘violência invisível’ das relações socioeconômicas

10 de maio de 2014 | 16h 01

Ivan Marsiglia - O Estado de S. Paulo
Vivida como paradoxo no mundo contemporâneo, a violência afeta nossa sensibilidade nos gestos mais banais do cotidiano, ao mesmo tempo que é ignorada em sua dimensão mais profunda e estrutural. Esse é o ponto central da argumentação do filósofo esloveno Slavoj Žižek em um livro que sai esta semana no Brasil.
Imagem retirada de vídeo que mostra Fabiane sendo arrastada - Reprodução
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Imagem retirada de vídeo que mostra Fabiane sendo arrastada
Violência: Seis Reflexões Laterais (Boitempo Editorial) chega às livrarias no contexto favorável - e trágico - do linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, no Guarujá, após uma notícia falsa de crime nas redes sociais. Para o pensador que trafega entre o marxismo e a psicanálise, velho conhecido do público brasileiro, as irrupções de violência cada vez mais frequentes no mundo causam tanta perplexidade por seu aparente descolamento de uma realidade social "invisível" e ultraviolenta. "Por que só vemos a violência quando algo muda? E ela é invisível no que permanece?", pergunta Žižek na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Aliás.
Na conversa, diante dos impasses de um mundo acelerado pela globalização e a revolução digital, o professor da Universidade de Liubliana prefere, como diz, levantar questões a esgrimir "velhas teorias totalizantes, sejam marxistas ou liberais". Para ele, é tempo de pensar e não de agir: "Antes de uma teoria sobre o que devemos fazer, precisamos de uma teoria que explique o que diabos está acontecendo".
Por que o tema da violência o interessou?
Eu vejo um paradoxo nos dias de hoje. De um lado, as pessoas têm se tornado, ao menos nos países desenvolvidos, cada vez mais sensíveis à violência. Não apenas em relação à sua manifestação física e direta, mas a qualquer comentário agressivo, gozação com alguém ou piada de conteúdo sexual considerado "sujo" - quase tudo hoje é "experienciado" como violência. Entretanto, para além dessa sensibilidade contemporânea que vê violência em tudo, há na vida real talvez mais violência do que nunca - só que de um tipo pouco percebido. Eu me refiro à violência simbólica a que, por exemplo, seja nos Estados Unidos, na Europa ou no Brasil, são submetidas as comunidades indígenas. Autoridades e mesmo cidadãos bem intencionados podem se referir a esses povos de maneira até respeitosa, ou manifestar suas preocupações sobre as condições de vida das crianças nativas. Só que o fazem de maneira paternalista, que nega a autonomia dessas pessoas. Trata-se de um tipo de violência invisível para a maior parte de nós.
Seu livro faz uma distinção entre a ‘violência subjetiva’ da criminalidade, dos homens-bomba, do terrorismo, e a ‘violência sistêmica ou objetiva’, das condições socio-econômicas. De que maneira uma se liga à outra?
Não digo que a violência sistêmica justifique a violência subjetiva. Nem acho que se alguém é vítima de algum tipo de colapso econômico pode sair por aí matando pessoas no escritório. Todos desejamos a paz, é óbvio. Porém, um fato que não podemos esquecer é que são os vencedores, os detentores do poder, por definição os maiores interessados na "paz". Para eles, essa palavra significa: "Mantemos nosso poder". Nesse sentido, é claro que Israel está sinceramente interessado em paz na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Mas um tipo de paz em que, em 30 ou 40 anos, não haja mais palestinos na região, totalmente assimilados por uma maioria israelense. Este é o problema para mim: "anseios de paz" onde o que existe, de fato, é violência. Claro que sou contra o terrorismo palestino que mata mulheres e crianças israelenses. Mas é preciso ter em mente que, ainda que nenhum protesto ou atentado terrorista ocorra na Faixa de Gaza, uma violência diária prossegue ali. Por que só vemos a violência quando algo muda? E ela é invisível no que permanece?
O Brasil vive um momento ambíguo. Estabilizou sua economia e avançou nos programas sociais, mas há tensão social e a violência não para de crescer. O que está havendo?
Esse é o paradoxo. Não tenho uma resposta completa para isso pois cada País tem suas peculiaridades históricas, mas um erro muito comum é pensar que a violência social emerge quando a situação está muito ruim e o sofrimento de não se poder mais viver vira revolta. Não é assim. Se você olhar para a maioria das rebeliões e revoltas pelo mundo elas ocorrem quando a situação está ficando melhor. São mudanças graduais que em dado momento explodem em esperanças de transformação e posteriormente terminam em expectativas frustradas. Foi assim na Revolução Francesa, no maoísmo chinês ou na Praça Tahrir. Não acho que a vida sob Mubarak no Egito era pior do que antes dele, e por isso explodiu a primavera árabe. Provavelmente para muita gente a vida tinha até melhorado, pois o regime de Mubarak teve relativo sucesso. É uma verdade simples e cruel: revoltas surgem quando a situação melhora, despertando novas expectativas populares. É por isso que não se deve esperar que ocorra nenhuma rebelião tão cedo na Coreia do Norte (risos). Talvez algo semelhante esteja em curso no Brasil, com protestos e reivindicações crescentes nas mesmas favelas que tiveram significativa melhoria nas condições de vida durante o governo Lula - ainda que tal "progresso" tenha sido contraditório.
O sr. menciona também a contradição de países com ‘enorme degradação ecológica e muita miséria humana’ que, apesar disso, figuram nos relatórios do Banco Mundial ou do FMI como ‘financeiramente sólidos’...
É incrível como para esses organismos a realidade não conta, o que conta é a situação do capital. Foi dessa maneira que se tratou a crise da Grécia. Veja como, apesar do avanço da globalização econômica, crescem os fundamentalismos mundo afora. O Irã, até alguns anos atrás, era considerado um modelo de sucesso na implementação de reformas liberais... Nos anos 50 e 60, os países árabes eram mais seculares do que são hoje. Até na Noruega, com todo o aparato de bem-estar social, vemos o racismo e o discurso do ódio crescerem. Há uma violência latente, e eu não acho que as esquerdas no mundo estejam preparadas para lidar com ela. O Ocuppy Wall Street gerou tanto entusiasmo, mas o que resultou de fato do movimento? Sou bastante pessimista nesse sentido.
As manifestações de rua no Brasil também perderam fôlego. Para alguns, por causa da repressão policial. Para outros, foi a violência dos black blocs que afastou as pessoas das ruas. É outro exemplo de disputa ideológica em torno da violência?
Evidentemente. E essa discussão serve para encobrir o que realmente interessa, que é, em primeiro lugar, entender por que os protestos emergiram no Brasil. E, em segundo, por que todas as tentativas de canalizar a energia mobilizada nas ruas em políticas e programas concretos fracassou. Esse é o grande problema, e não estou muito otimista em relação a ele. Vemos explosões de violência em toda a parte, como se algo diferente estivesse por emergir, mas sem que nenhuma delas resulte em uma perspectiva nova de futuro. Não quero soar como um marxista fora de moda, mas até Hollywood percebeu essa tendência perigosa, em filmes como Jogos Vorazes (2012, dirigido por Gary Ross) ou Elysium (2013, de Neill Blomkamp, com Matt Damos e Wagner Moura no elenco), nos quais o mundo do futuro é uma sociedade de classes extremamente violenta.
O economista francês Thomas Pikkety causou grande impacto com o livro O Capital no Século XXI, que mostra um processo de concentração crescente da riqueza no mundo, com consequências nefastas para o capitalismo. A desigualdade explica a violência?
Hoje, todos sabemos que a desigualdade está explodindo no mundo. Obviamente que muita gente considera isso aceitável, já que o que é ou não aceitável não pode ser objetivamente mensurado. Ele é determinado pelas convicções ideológicas de cada um. E aqui acho, de novo, que as esquerdas foram as grandes derrotadas. Mesmo os que fizeram esforços positivos para promover diretamente algum tipo de redução das desigualdades, como (Hugo) Chávez na Venezuela, conseguiram certo sucesso no início - incluindo no processo político pessoas que de nenhuma forma participavam dele. Lula também fez isso a sua maneira, o que é muito importante. Mas Chávez não pôde inventar um novo sistema socioeconômico. Organizou cooperativas, fez reformas aqui e ali, mas no longo prazo a coisa não funcionou.
O sr. também critica iniciativas de cunho liberal como a filantropia ou a ‘responsabilidade social’ das empresas. Chega a dizer que esses são os principais inimigos do movimento progressista. Não é um exagero?
Claro que coloco esse ponto de maneira provocativa. É evidente que é melhor que Bill Gates gaste parte de seus bilhões no tratamento de doenças na África do que não fazer nada. O que quero dizer é que não acho que, globalmente, essa seja a solução. A desigualdade cresce cada vez mais e os ricos tentam manter a situação sob controle dando uma parte do que ganham para os desfavorecidos? No fundo, essa é uma maneira de reproduzir a situação que gerou essa desigualdade brutal. Também não digo que devamos abolir o sistema capitalista mundial. O que estou dizendo - e, nesse sentido, sou um comunista - é que os problemas do mundo hoje são "problemas dos comuns". O que todos compartilhamos não pode ser privatizado. A ecologia é um problema desse tipo pois a natureza é nosso meio comum - e a crise ecológica só pode ser resolvida por meio de regulações globais, acima dos interesses dos Estados nacionais. Questões de fundo sobre manipulações biogenéticas também. Ou da propriedade intelectual de interesse público. Uma empresa privada não pode decidir isoladamente sobre tais temas. É impressionante como, até hoje, neoconservadores americanos insistem na tecla de que a crise financeira de 2008 foi o resultado do excesso de gastos públicos dos países. Não foi! Ela aconteceu precisamente por causa da desregulação do capitalismo internacional. Ou seja, estamos lidando com um nível de problemas que o "mercado" ou sistema liberal capitalista não terá condições de resolver sozinho. E o pior é ver que, cada vez mais, países combinam sistemas capitalistas extremamente bem-sucedidos com estruturas políticas autoritários. China, Singapura, mesmo a Coreia do Sul. A democracia hoje está ameaçada por esse novo fórum de capitalismo autoritário.
O sr. também não se diz muito otimista em relação ao que chama de ‘cyberdemocracia’. Não vê potencial emancipatório na internet?
Eu vejo, e é por isso que respeito gente como Julian Assange e Edward Snowden. Respeito, mas não idealizo. Já ficou clara a dupla mão que a internet representa: de um lado, maior poder de organização e atuação dos indivíduos; de outro, o controle desses mesmos indivíduos por parte de governos e corporações. Eis a lição triste que Snowden nos deu: mesmo nas democracias liberais em que você se sente subjetivamente livre ainda assim está sujeito à possibilidade de controle absoluto.
Diante desses impasses, o sr. diz no livro que, ‘às vezes, não fazer nada é a melhor coisa a se fazer’. Por causa disso, o professor da New School for Social Reserch de Nova York, Simon Critchley, o chamou de ‘Hamlet esloveno’, paralisado pela dúvida sobre cometer ou não um ato violento que modifique a realidade. O que achou da crítica?
Eu nunca disse que nós não deveríamos fazer nada. E sempre que tenho a chance de agir, me engajo. O que disse foi outra coisa, mais simples, até senso comum. Há coisas pragmáticas que podemos fazer. Por exemplo, nos EUA, o sistema público de saúde aprovado por Obama é um progresso importante. Mas existem dilemas fundamentais sobre os quais é preciso refletir antes de tomar posição. Para alguns, basta aplicar antigos conceitos marxistas e tudo será solucionado. Mas o que é, por exemplo, a classe trabalhadora hoje? Aquele "velho proletariado" que trabalha com emprego fixo em uma grande companhia é quase uma classe privilegiada atualmente - diante do trabalho precarizado por toda a parte. Eu acredito no pensamento. Acho que é preciso mergulhar e analisar a situação. Eu não sei o que está acontecendo hoje no mundo, e as velhas teorias totalizantes sejam marxistas ou liberais não dão mais conta da realidade. Antes de uma teoria sobre o que devemos fazer, precisamos de uma teoria que explique o que diabos está acontecendo. 

Seres sem rumo

Depois do junho de 2013, os casos de linchamentos saltaram de quatro por semana a um por dia. É indicação de que a sociedade está descontrolada

10 de maio de 2014 | 16h 00

José de Souza Martins
O massacre de uma inocente mãe de família, por enfurecida turba de linchadores no bairro pobre de Morrinhos, no Guarujá (SP), causa espanto e horror. É que, mesmo não sendo uma novidade, apresenta traços novos em relação ao já conhecido: uma inocente que é branca, religiosa, duas filhas, benquista pelos vizinhos, adoentada, pacífica. A típica mãe do Dia das Mães. Seu linchamento é como se esta sociedade linchasse um de seus símbolos fundamentais.
Entre os algozes de Fabiane, alguém tomou a Bíblia que ela carregava por manual de bruxaria - Reprodução
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Entre os algozes de Fabiane, alguém tomou a Bíblia que ela carregava por manual de bruxaria
De outro lado porque, em se tratando de pessoa comprovadamente inocente, incomoda os que acham que linchamento é um instrumento legítimo de justiça popular, que pune os antissociais, os que supostamente merecem ser castigados violentamente. Ficam sabendo que eles próprios podem ser alcançados pela ira da multidão, da justiça sem juiz nem tribunal de apelação. Não estão a salvo da violência descabida e injusta. Ninguém mais está. Isso é o que perturba.
Enquanto se trata de trucidar os outros, supomos que estamos a salvo. Mas casos como o do Guarujá nos fazem a terrível revelação de que na solidão e no desamparo daquela mulher nós é que somos os linchados. Estamos lá, naquele corpo sendo friamente amarrado para ser arrastado como coisa desprezível pelas ruas da ignorância e da pobreza de espírito. Há poucas semanas, em Joinville (SC), um homem foi linchado, acusado de estupro de criança, que não houve, alertados os vingadores pela própria mãe da menina de que aquilo não ocorrera. Não obstante, foi morto.
Outro traço novo dessa modalidade de comportamento violento é a mediação das redes sociais, o poder da internet para provocar o comportamento irracional da turba. As redes vêm tendo um papel decisivo na mobilização das multidões e na manifestação da loucura que lhes é própria, que se conhece desde o estudo pioneiro de Gustave Le Bon. Há alguns anos, participei de uma conversa com Noam Chomsky aqui em São Paulo. Ele expunha a verdadeira revolução representada pela internet. Agora, dizia, cada um de nós pode fazer seu próprio jornal. Chomsky não levou em conta que a internet pode difundir inverdades, notícias atópicas e atemporais, o que dessas notícias tira a importância crítica do atual, como no caso do Guarujá, imunes ao compromisso com a informação fundamentada e ao risco da distorção e da mentira, da incompetência para informar e debater com responsabilidade e objetividade. A internet está cheia de lixo.
Esses dois linchamentos, em particular o do Guarujá, são reveladores de aspectos muito problemáticos da violência de rua. Seus conteúdos ocultos são expressões de uma sociedade que vem perdendo as referências.
Num recorte de 2 mil casos de linchamentos no Brasil, 7,8% foram de inocentes. É uma proporção muita alta. Nos últimos 60 anos, ao menos um milhão de pessoas participaram de linchamentos ou tentativas de linchamento neste País. O que faz desta sociedade uma sociedade altamente perigosa porque longa e demoradamente motivada a agir fora da lei no que à vida se refere. Os indícios de linchamentos e tentativas vêm crescendo: de quatro por semana antes das manifestações de rua de junho de 2013 para um por dia depois das manifestações e nos últimos dias tendem a se aproximar de dois casos diários. Pode ser conjuntural, mas é indicação de que a sociedade está descontrolada. Expressão de falta de confiança nas instituições, medo e insegurança.
Tem-se dito que os linchamentos incidem de preferência sobre pobres e sobre negros. Os dados acumulados não confirmam essa suposição político-ideológica. O próprio caso do Guarujá a desmente. O maior número de pobres linchados se deve ao fato de que os linchamentos tendem a ocorrer mais nas áreas pobres, onde tendencialmente há mais negros. Ninguém sai dos bairros ricos para linchar pobres nos bairros pobres. O único indício de uma subjacente tensão racial em episódios de linchamento é que, se a vítima for negra, cresce a probabilidade de maior violência. Mas isso vem durante, não antes. Os dados disponíveis mostram que os pobres lincham os pobres, que negros também lincham negros e brancos. Mostram que nos linchamentos ocorridos em favelas, de favelados contra favelados, a violência é maior e mais radical do que na média dos linchamentos. É na classe média que há um número expressivo de ocorrências: 35,8%. Das vítimas de linchamentos e tentativas, 5,1% são pessoas da elite do país, o que inclui políticos e até mesmo um ministro de Corte superior de Justiça. Predominantemente, ocorrem em áreas urbanas ou rurais de povoamento recente, bairros novos ou regiões da frente pioneira. Lugares em que a sociedade procura se consolidar e onde os valores de referência da conduta recíproca ainda não se cristalizaram.
Os dados tampouco confirmam que as multidões linchadoras não são grupos ocasionais. São proporcionalmente poucos os casos de grupos com identidade fechada regidos por uma temporalidade lenta e duradoura. Em quase 68,5% dos casos, o linchamento é imediato ao fator que o motiva. Apenas em 6% dos casos o ódio pode se estender por uma longa demora e motivar a constituição de uma identidade dos linchadores.
Um dos grandes problemas nas análises e nos estudos sobre linchamentos no Brasil é o do pressuposto de que são ações ofensivas, praticadas por grupos intencionalmente motivados pela ideia da violação dos direitos de pessoas estigmatizadas ou objeto de preconceito. Os linchamentos seriam apenas uma variante das outras formas de violência. Os linchamentos brasileiros, ao contrário, são majoritariamente autodefensivos. Diferem do crime comum e da violência comum porque supostamente praticados em defesa da sociedade e não contra ela. No geral, os linchadores são levados à ação pelo medo, um medo social difuso, que se dissipa momentaneamente no ato de linchar porque nele a multidão se sente forte e invencível.
É significativo que muitos linchamentos tenham uma dimensão ritual. Como neste caso do Guarujá, a cabeça da vítima é seu primeiro objetivo e o mais frequente. No caso de acusação de magia negra por parte da vítima, destruir a cabeça e desfigurar a pessoa linchada é, na crença popular, um modo de privá-la daquilo que lhe é propriamente humano, o homem feito à imagem e semelhança de Deus. Linchá-lo é dessemelhá-lo.
Os linchamentos, no mais das vezes, são ocorrências de ocasião, porque o motivo se apresenta junto com a oportunidade. Desenvolvem-se em duas etapas: a da constituição da circunstância a partir de um motivo e a da identificação e estigmatização da vítima. Ou mesmo sua invenção, como no Guarujá. A mulher linchada foi inventada pelo imaginário coletivo e personificou involuntariamente o ente satanizado pelos moradores. É no desencontro desses dois momentos que a vítima escolhida pode ser uma pessoa inocente. Para chegar a ela, basta um boato difundido pela internet, o que é possibilitado por seu uso irresponsável num meio social que chegou aos recursos e equipamentos técnicos do mundo moderno sem que seus usuários tenham sido educados nas regras de uma sociabilidade para a modernidade, as regras da civilidade.
Criada a circunstância do medo e a matéria-prima do estereótipo, a população entra de prontidão para identificar sinais do estigma de bruxa, como se fazia na Idade Média e no Brasil Colônia no tempo da Inquisição - o que sempre terminava com a vítima queimada viva na fogueira punitiva, um modo de destruir-lhe o corpo e também a alma. Pequenos e inadvertidos sinais podem indicar a vítima do rito sacrificial iminente. Sem o saber, a mãe de família do Guarujá tinha os atributos que, reunidos imaginariamente no lugar e na hora errados, a levaram ao sacrifício. Os cabelos ruivos da mulher branquíssima, provavelmente tingidos, destacam-se naquela multidão morenamente brasileira. Depois, foi buscar a Bíblia que emprestara a uma amiga, o livro preto embaixo do braço, a que uma pessoa atribuiu a função de livro de bruxaria. E, por fim, depois de passar por um supermercado e comprar frutas, viu na rua um menino sozinho e ofereceu-lhe uma banana. Foi o que bastou para que a mãe da criança visse nela a bruxa do boato e começasse a gritar. Rapidamente foram mobilizadas cem pessoas, várias delas mulheres e até crianças, dispostas a espancar, amarrar, arrastar e atrair, em seguida, mais de mil curiosos. Preparavam-se para queimá-la viva quando a polícia chegou.
Os linchados são estranhos ao grupo linchador e quando não o são, como no caso do Guarujá, são estranhados por meio do imaginário da satanização, são imaginariamente desidentificados. Morrem sociologicamente antes de morrerem fisicamente, antes mesmo de saberem que são o alvo do medo coletivo. Nesse rito, morremos todos, aos poucos, violentamente, porque nele a sociedade se acaba para ser um aglomerado provisório de seres sem rumo.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP E AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE A APARIÇÃO DO DEMÔNIO NA FÁBRICA (EDITORA 34) E A POLÍTICA DO BRASIL LÚMPEN E MÍSTICO (CONTEXTO). 

Google cria fundo de US$ 250 milhões para popularizar energia solar



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O Google compra os sistemas de painéis solares e os aluga aos proprietários de casas a um custo que é menor do que a fatura de eletricidade normal
Foto: skrobotic
Muitas pessoas gostariam de instalar painéis fotovoltaicos em casa para gerarem a própria energia, todavia, o preço do investimento, que no Brasil beira os R$ 20 mil, ainda é um empecilho a se considerar, mesmo que haja retorno no médio e longo prazo.
Por essa razão, o Google criou um fundo de US$ 250 milhões, em parceria com a fabricante de painéis SunPower, que torna a instalação desses sistemas mais barata para os norte-americanos.
Por meio do fundo (US$ 100 milhões do Google e US$ 150 milhões da SunPower), o Google compra os sistemas de painéis solares e os aluga aos proprietários de casas a um custo que é menor do que a fatura de eletricidade normal.
A Resolução 482/2012 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) permite que qualquer pessoa possa instalar energia solar em casa, contudo, é necessário o investimento nos painéis fotovoltaicos - que convertem a energia do sol em eletricidade
“Então, neste programa, você não apenas ajuda o meio ambiente, você também pode economizar dinheiro”, diz a empresa no post em seu blog.
Este é 16º investimento da gigante da internet em energia renovável e o terceiro em programas para instalação de painéis solares residenciais (os outros são com SolarCity e a Clean Power Finance). No geral, o Google já investiu mais de US $ 1 bilhão em projetos no setor em todo o mundo.
No Brasil
Aqui no Brasil, uma iniciativa semelhante (guardadas as devidas proporções) foi lançada em maio de 2013 pelo Instituto Ideal em parceria com o Grüner Strom Label (GSL - Selo de Eletricidade Verde da Alemanha) e com o apoio da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável.
O Fundo Solar, que tem recursos iniciais de 25 mil euros (cerca de 65 mil reais), deve ser solicitado por proprietários de residências ou empresas antes da instalação do sistema fotovoltaico na edificação. O repasse do recurso financeiro será feito após o sistema estar em operação, gerando energia e conectado à rede.
A Resolução 482/2012 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) permite que qualquer pessoa possa instalar energia solar em casa, contudo, é necessário o investimento nos painéis fotovoltaicos (e no serviço de instalação) - que convertem a energia do sol em eletricidade. Posteriormente, a empresa concessionária local instala o medidor digital, sendo que o excedente energético gerado pode ser disponibilizado na rede.