segunda-feira, 5 de maio de 2014

Comitê quer reservar água em represas para se prevenir de nova crise no verão + Vale do Paraíba (ANA)


Sabesp prevê inicialmente usar metade do chamado 'volume morto' até novembro

02 de maio de 2014 | 2h 05

Fabio Leite - O Estado de S.Paulo
Preocupado com as incertezas que cercam a próxima temporada de chuvas, o comitê anticrise que monitora a seca histórica do Sistema Cantareira pediu aos órgãos gestores do manancial que definam reserva estratégica de água a ser preservada ao fim de novembro, quando a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) prevê o esgotamento do "volume morto" - água represada abaixo do nível das comportas -, que começará a ser captado neste mês.
A recomendação feita à Agência Nacional de Águas (ANA) e ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) revela preocupação com uma possível repetição da estiagem enfrentada neste verão, que foi o mais seco em 84 anos. O grupo anticrise é composto por técnicos dos dois órgãos, dos comitês das bacias hidrográficas Alto Tietê e dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), que recebem água do Cantareira, e pelo diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato.
"Aos órgãos gestores, ANA e DAEE, que, em função das incertezas envolvidas no regime hidrológico futuro e de eventuais imprevistos, seja definido um volume estratégico a ser preservado ao final do período de planejamento, 30/11/2014", recomenda o comitê anticrise. Segundo o grupo, o "volume útil" do Cantareira, que ontem estava em 10,5% da capacidade, deve acabar em "meados de julho", em plena Copa do Mundo, conforme oEstado antecipou.
No plano emergencial enviado ao comitê, a Sabesp prevê iniciar a captação do "volume morto" no dia 15 de maio nas Represas Jaguari-Jacareí, na região de Bragança Paulista. Os dois reservatórios, que representam 80% da capacidade de todo o Sistema Cantareira, estavam ontem com apenas 3% de volume armazenado. Dali, a Sabesp pretende retirar cerca de 120 bilhões de litros represados abaixo do nível da tubulação, usando bombas flutuantes.
Estimativa. Pelos cálculos apresentados, a quantidade é suficiente para abastecer a Grande São Paulo até o fim de agosto. A partir daí, a Sabesp deve iniciar a captação de 80 bilhões de litros do "volume morto" da represa Atibainha, em Nazaré Paulista, que deve durar até 27 de novembro, conforme estimativa da companhia.
Até esta data, a presidente da Sabesp, Dilma Pena, garantiu o abastecimento de água sem a necessidade de adotar racionamento generalizado. Após esse prazo, a companhia espera que a próxima temporada de chuvas, que normalmente começa em outubro, volte a encher os reservatórios. Mas, para o comitê anticrise, esse cenário ainda é incerto e, por isso, o grupo quer a garantia de uma "reserva estratégica".
Segundo dados apresentados pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), o "volume morto" tem cerca de 400 bilhões de litros. Desta forma, restariam nas represas cerca de 200 bilhões de litros para possível uso em caso de nova seca. A quantidade é suficiente para abastecer a Grande São Paulo por aproximadamente quatro meses.
Segundo o comitê anticrise, a vazão média afluente aos reservatórios do Cantareira entre outubro de 2013 e março deste ano foi de apenas 16,4 mil litros por segundo. Na pior crise registrada até então, entre 1952 e 1953, a vazão média foi de 26,3 mil litros por segundo, ou seja, 60% maior.
Em abril, por exemplo, mesmo após a Sabesp ter reduzido a captação do Cantareira em 6 mil litros por segundo, a retirada média do manancial foi de 23,9 mil litros - 9,1 mil litros a mais do que o volume de água que entrou no período. O déficit, segundo o comitê, representa uma redução de 23,6 bilhões de litros do sistema.
Além de reduzir o limite de captação de água pela Sabesp em 10% anteontem, a ANA e o DAEE devem começar neste mês uma série de encontros com agricultores, indústrias e empresas municipais de saneamento da região de Campinas para avaliar conjuntamente a situação de estiagem local, seu impacto sobre as vazões dos rios e as medidas mitigadoras a serem adotadas.

Comitê quer reduzir o volume de água desviado do Paraíba para abastecer o Rio de Janeiro

Para Ceivap, a redução é necessária para evitar um colapso nos reservatórios da bacia do rio Paraíba do Sul, que estão com 39,5% apenas de sua capacidade
Xandu AlvesSão José dos Campos
O Ceivap (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul) vai recomendar à ANA (Agência Nacional de Águas) que o rio Paraíba forneça 17 mil litros de água por segundo a menos para o Estado do Rio de Janeiro neste ano.
A redução é necessária, segundo o comitê, para evitar o colapso dos reservatórios da bacia do rio Paraíba, que estão com 39,5% da sua capacidade em março, antes do período de estiagem.
A maior e mais importante das represas da região, a de Paraibuna, que representa 61% de todo armazenamento do sistema Paraíba do Sul e regula a vazão do rio, está com 37% do seu volume.
Os dados reprovam a proposta do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de ligar as represas de Atibainha e Jaguari, esta pertencente à bacia do rio Paraíba, para suprir o sistema Cantareira, responsável por abastecer a Região Metropolitana de São Paulo e que está com 10,5% da capacidade.
Em razão disso, o Ceivap irá propor que a vazão mínima de 190 mil litros por segundo exigida pela ANA para o reservatório de Funil, que recebe a água do rio Paraíba e a libera para o rio Guandu, no Rio de Janeiro, seja reduzida para 173 mil litros por segundo.
A decisão foi tomada em reunião no dia 24 de abril, em Resende, e recebeu protestos do Inea (Instituto Estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro). Segundo participantes do encontro, o Rio de Janeiro é contra reduzir a vazão em Funil por prever problemas de abastecimento no Estado.
“A situação hoje em relação ao abastecimento de água não é tão confortável. O Estado não trabalha com uma folga tão grande”, disse Paulo Carneiro, pesquisador do laboratório de hidrologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista à Agência Brasil.

Colapso. A posição do Ceivap é baseada em relatório do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), órgão responsável pelo controle da operação da geração e transmissão de energia elétrica no país, que alerta para o risco de colapso da bacia do Paraíba até novembro deste ano.
Simulação feita pelo ONS com base na pior seca já registrada na região, em 1955, mostra que a capacidade dos reservatórios da bacia pode chegar a 1,8% em sete meses, o pior índice da história, quando deveria registrar ao menos 10% antes da estação chuvosa.
O cenário trabalha com a projeção de que as chuvas não serão intensas no final deste ano e nem em 2015, o que poderia representar a falência dos reservatórios do Vale do Paraíba, comprometendo o abastecimento de água na região e o próprio rio.
“Temos que economizar agora para não matar os reservatórios”, afirmou o engenheiro Luiz Roberto Barretti, vice-presidente do CBH-PS (Comitê das Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul).
“A ‘caixa d’água’ é uma só. Se ela secar, acabou”.
Para a Renata Paiva (DEM), vereadora de São José que articula uma reação à proposta do Estado de tirar água da bacia do rio Paraíba, a situação é “muito grave” e merece uma “ação emergencial”.
“O risco de colapso na nossa bacia para 2014/15 é eminente, portanto é fundamental a mobilização da sociedade em defesa do rio Paraíba do sul”, disse a vereadora.
Para André Marques, presidente da Agevap (Agência da Bacia do Rio Paraíba do Sul), a ligação das represas pode prejudicar a qualidade da água do rio. “Com menos água no rio, em uma segunda transposição, a qualidade vai cair.”

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Como sair do labirinto climático, por José Eli da Veiga. Coluna publicada hoje no Jornal ValorEconômico


Preceitos transformados em instituições formais pelos processos políticos são parecidos àquelas pastas que a construção civil classifica de “aglomerantes” ou “ligantes”: certas resinas, o gesso, o cimento, ou o concreto, por exemplo. Por mais que comecem bem maleáveis e moldáveis, não demoram a ficar tão resistentes que só podem ser alteradas com tratamentos de choque.

Essa é uma analogia que cai como luva para o entendimento das mais decisivas encruzilhadas do labirinto climático. O que hoje impede a desejável mitigação do aquecimento global são duas instituições que podem ter parecido das mais inofensivas ao serem selecionadas nos anos 1990, mas que se revelaram terríveis travas.

Quando a ambição inicial de se construir alguma governança global das ameaças ambientais havia sido codificada na célebre Declaração de Estocolmo, em 1972, o consenso era de que acordos multilaterais ou plurilaterais só seriam eficientes para minorar adversidades se fossem concebidos com espírito de cooperação e em pé de igualdade, como diz seu 24º Princípio.

Todavia, em 1992 esse consenso foi substituído por uma fórmula aparentemente mais justa, de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que atribuiu o dever de iniciativa apenas às nações mais desenvolvidas. Aliás, o único princípio que se tornou bem conhecido, apesar de ser apenas o primeiro dos cinco que compõem o terceiro artigo da Convenção do Clima.

Foi uma troca que até pode ter parecido apenas retórica, mas que em 1997 serviu de pretexto para que uma gravíssima distorção dominasse o Protocolo de Kyoto. Embora o mais razoável fosse supor que as responsabilidades nacionais devessem ser proporcionais às emissões decorrentes do consumo da população de cada país, combinadas às suas diferentes capacidades de inovação tecnológica descarbonizadora, o que vingou foi um tacanho critério geopolítico de diferenciação que responsabilizou exclusivamente as nações pioneiras no processo de industrialização por terem começado a emitir carbono numa época em que até a própria comunidade científica desconhecia a gravidade do efeito estufa.

Por não atribuir qualquer ônus relevante para todos os 132 países hoje agrupados no chamado “G-77+China”, esse protocolo fez com que o carbono continuasse a ser livremente emitido nos mercados emergentes, entre os quais já se destacavam China, Índia e Brasil. Daí porque também foi automática a não-ratificação pelo Congresso dos EUA, uma vez que o Senado – em raríssima votação por unanimidade (95 a zero) – já havia antecipado um veto prévio a qualquer acordo multilateral com tal viés.

Dessa forma, o processo sócio-político que engendrou o Protocolo de Kyoto criou seríssimo obstáculo de ordem prática por permitir, por exemplo, que as duas potências que mais emitem carbono – China e Estados Unidos – possam continuar a fazê-lo sem qualquer constrangimento legal resultante da cooperação multilateral.

Além dessa instituição baseada em um juízo de valor que é altamente duvidoso em termos éticos, também foi do Protocolo de Kyoto a proeza de impedir qualquer tributação internacional das emissões de carbono, em favor de mercados que negociam direitos de poluir. Em consequência, meros 7% dessas emissões são hoje afetados pelos dois mecanismos de precificação: os esquemas para comércio de emissões (ETS, em inglês) e raríssimos tributos nacionais, drama que foi abordado neste mesmo espaço do Valor em 28/01/14.

Pois bem, como o Protocolo de Kyoto expirou em 2012, é simplesmente inaceitável qualquer proposta para a Conferência das Partes de 2015 em Paris (CoP-21) que o prorrogue em vez de substituí-lo e ultrapassá-lo. No entanto, é muito pouco provável que surja até lá um tratamento de choque capaz de romper tamanho bloqueio ou “lock-in” institucional.

Só se pode torcer, então, para que negociações paralelas entre americanos e chineses façam emergir um razoável acordo bilateral de descarbonização. Com certeza obteria imediato apoio da União Europeia, além de ter muita chance de não demorar muito para ser assumido pelo G-20. É essa a saída do labirinto que já afetaria, por si só, mais de 80% das emissões globais de carbono, mesmo antes que viesse a ser legitimada na trilha das Nações Unidas.

Tal enredo, que também é visto como o mais sensato pelos dois principais especialistas brasileiros – os cientistas políticos Eduardo Viola e Sérgio Abranches – indica claramente que as expectativas que estão sendo formadas para o páreo de Paris em 2015 (CoP-21) tendem a ser tão exageradas quanto as que precederam o de Copenhagen em 2009 (CoP-15).

Por isso, os segmentos mais lúcidos do empresariado e das organizações do terceiro setor deveriam concentrar suas energias em ações que possam acelerar possíveis entendimentos entre os governos americano e chinês, em vez de corroborarem para que venha a ter êxito na CoP-15 qualquer estratagema que signifique prorrogação do Protocolo de Kyoto.

José Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de “A desgovernança mundial da sustentabilidade” (Editora 34, 2013).

O financiamento da educação


05 de maio de 2014 | 2h 05

O Estado de S.Paulo
A Comissão Especial da Câmara finalmente aprovou o texto-base do Plano Nacional da Educação (PNE), que define 10 diretrizes, 20 metas e 253 estratégias para a educação no período de 2011 a 2020. Elaborado no governo Lula, o projeto foi enviado para o Congresso com enorme atraso, em dezembro de 2010.
Além da morosidade com que tramita, o PNE tem problemas graves. Em vez de ter sido elaborado por pedagogos de competência reconhecida a partir de um diagnóstico preciso dos gargalos do sistema educacional, o projeto foi redigido com base em reivindicações de entidades de docentes e estudantes e de propostas de movimentos sociais. Outro problema é o enviesamento político, já que o PNE foi preparado com o objetivo de projetar o então ministro Fernando Haddad para disputar eleições.
O problema mais importante, no entanto, é o dispositivo que obriga o poder público a destinar 10% do PIB para o ensino público. Atualmente, o País gasta 5,4% do PIB com a rede pública de ensino básico, médio, técnico e superior - o que está na média dos países desenvolvidos. Em 2003, o gasto era de 3,9% do PIB, tendo passado para 4,3%, em 2007.
Quando anunciou o PNE, Haddad propôs que o gasto do poder público em educação aumentasse para 7% do PIB, até 2020. Sindicatos de docentes, entidades de estudantes e movimentos sociais pleitearam 7,5% e o governo cedeu. O aumento de 0,5% do PIB no orçamento do ensino público representa R$ 25 bilhões a mais em investimentos em educação.
As pressões, contudo, não amainaram. Invocando a necessidade de financiar o regime de tempo integral nas escolas públicas, vários deputados vinculados a sindicatos de professores propuseram o patamar de 8%. O governo tentou derrubar a proposta, que não tinha qualquer fundamento técnico, mas foi derrotado. Além disso, a pretexto de igualar o rendimento médio dos docentes do ensino básico com o dos professores dos demais níveis de ensino, um deputado da base aliada apresentou emenda fixando em 10% o gasto mínimo do poder público em educação e ela foi aprovada pela Comissão Especial em clima de assembleia estudantil.
Em seguida, os deputados discutiram o que pode ser contabilizado como gasto em educação e autorizaram a inclusão, no cálculo, de gastos com instituições privadas, como ocorre no programa Ciência Sem Fronteiras, no Programa Universidade para Todos (ProUni) e no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). As associações de professores, entidades estudantis e movimentos sociais defendiam que os 10% do PIB fossem aplicados exclusivamente em escolas públicas.
O texto aprovado pela Comissão Especial não prevê punição, caso o poder público não cumpra o piso de 10% - o que certamente levará as corporações do setor a se mobilizarem para pressionar a União, os Estados e os municípios, criando crises políticas e tumultuando o ambiente escolar. Esses problemas poderiam ter sido evitados caso os autores do PNE não tivessem deslocado o foco da discussão para questões orçamentárias. Na realidade, o problema da má qualidade da educação pública não é de escassez de recursos, mas de gestão inepta e perdulária. Em 2013, por exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU) descobriu graves problemas no Fundeb, com desvio de dinheiro para financiamento de campanhas eleitorais e compra de chácaras e gado por prefeitos. A CGU também alertou que os controles da aplicação dos recursos são frágeis.
Além dos problemas de incompetência gerencial e descontrole nos gastos com ensino público, a aprovação do piso de 10% do PIB para o setor reduzirá ainda mais os recursos orçamentários de que a União, os Estados e municípios dispõem para investir em outras áreas, como saúde, transportes, segurança e moradia. Caso aprove esse dispositivo absurdo na votação de plenário, curvando-se a pressões políticas e corporativas, o Congresso desorganizará ainda mais as finanças públicas, sem qualquer garantia de melhora na qualidade do sistema educacional do País.