domingo, 31 de março de 2013

Falta de armazéns agrava caos logístico


Capacidade do Brasil é de apenas 80% da safra agrícola. Para atender 100% da demanda, seria necessário investir R$ 15 bilhões

31 de março de 2013 | 2h 09

RENÉE PEREIRA - O Estado de S.Paulo
O caos logístico verificado neste início da safra agrícola poderia ser amenizado se o Brasil tivesse mais armazéns para estocar os grãos. Na média, a capacidade do País é suficiente para apenas 80% da safra. Pior: representa só 67% do nível recomendado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) - que é de 1,2 vez a produção anual.
Especialistas calculam que, para atender 100% da safra, seria necessário investir cerca de R$ 15 bilhões - bem abaixo dos R$ 133 bilhões previstos para ferrovias e rodovias.
Sem armazéns, a colheita rapidamente é transferida para os caminhões que seguem, ao mesmo tempo, para os portos do Sul e Sudeste. O problema é que a infraestrutura rodoviária e ferroviária - sabidamente precária - não suporta o aumento do fluxo de veículos. O problema ficou ainda mais grave com a supersafra agrícola. Na falta de armazéns, os caminhões viram silos ambulantes e comprometem a competitividade do País.
Especialistas avaliam que, sozinhos, os armazéns não resolvem todos os problemas logísticos, mas aliviam - no curto e médio prazos - a situação caótica instalada no País. Os investimentos em ferrovias, rodovias e portos, essenciais para elevar a capacidade de escoamento de grãos, vão levar no mínimo de três a quatro safras para começar a surtir algum efeito positivo.
O governo federal tem sido alertado para os benefícios de apostar no aumento da capacidade dos armazéns, mas só agora parece ter acordado para o problema. A expectativa é de que, nos próximos dias, seja lançado um pacote para financiar a construção de armazéns em todo o Brasil. A linha deve englobar todas as fases da construção, desde a obra civil até a compra de equipamentos. Procurado, o Ministério da Agricultura não quis se pronunciar sobre o assunto.
"Esse era um pleito antigo dos produtores", afirma o gerente de Planejamento da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Cid Sanches. Na avaliação dele, com mais armazéns, a produção poderá ficar um tempo a mais nas mãos dos agricultores ou das cooperativas.
Além disso, vai evitar prejuízos com a padronização da qualidade do produto, que precisa obedecer requisitos estabelecidos pelas tradings. "Se o grão não estiver na condição estipulada pelos compradores, eles descontam do produtor."
Embora, na média, a capacidade de armazenamento do País seja de 80%, a distribuição entre as regiões é desigual. No Centro-Oeste, principal área de produção de soja, a capacidade de armazenamento é de 67% da safra. Em Mato Grosso, maior produtor do Brasil, o nível é ainda menor: de 65%.
O sócio da Agroconsult André Debastiani explica que parte significativa dos armazéns está localizada nos portos e zonas urbanas. Segundo ele, aqui apenas 14% da capacidade está na fazenda, enquanto nos EUA o porcentual é da ordem de 40%.
O consultor explica que os produtores sempre entenderam a importância de construir armazéns em suas fazendas, mas havia outras prioridades. Os investimentos eram destinados à ampliação da área plantada, compra de sementes, defensivos e fertilizantes, máquinas e equipamentos. "Esses itens sempre vieram antes até porque as linhas de crédito eram mais acessíveis. Para armazenagem, o crédito era mais complexo."
Na opinião dele, de todos os investimentos necessários para eliminar o caos logístico, o único que surtiria algum efeito na próxima safra é a construção de armazéns. "Com mais silos, o produtor pode sequenciar melhor o escoamento dos grãos e organizar a exportação dos produtos. Além disso, vai gastar menos com o custo dos congestionamentos dos caminhões."
O professor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende vai além. Na avaliação dele, com mais capacidade de armazenamento, o produtor ganhará mais poder na formação de preço. "Há um efeito positivo na cadeia de suprimento, uma vez que não é necessário desovar rapidamente a produção." Ele conta que, nos EUA, a armazenagem de grãos é tratada de forma estratégica, já que eles regulam o preço no mercado mundial.
Resende atribui o problema à falta de informação conceitual dos planejadores e órgãos públicos. Até hoje, as linhas de crédito criadas para elevar a capacidade de armazenamento eram limitadas e poucos olhavam com mais cuidado para toda a cadeia. Nos EUA, China e Europa, diz ele, a indústria trabalha com logística integrada há anos. Aqui esse conceito praticamente não existe.


Infraestrutura precária pode dar prejuízo de R$ 4 bi a exportadores

31 de março de 2013 | 2h 10

O Estado de S.Paulo
A falta de infraestrutura logística poderá representar prejuízo de R$ 4 bilhões para os produtores nacionais que exportam seus produtos, calcula a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Essa é a conta dos custos adicionais comparados a Estados Unidos e Argentina, principais concorrentes do Brasil no fornecimento de grãos para o mundo, afirma o diretor-geral da associação, Sérgio Mendes. "Estamos bobeando há muito tempo", afirma.
Segundo ele, a capacidade da infraestrutura já estava no limite para as quantidades que o setor movimentava há 4 ou 5 anos. "Com uma safra recorde, era evidente ter sobressaltos." Para Mendes, o Brasil não pode mais se dar ao luxo de ignorar o potencial hidroviário, que permitiria ampliar a saída da safra pela região Norte, além de reduzir a dependência dos caminhões.
O executivo destaca que, para encher um navio graneleiro, são necessárias 2 mil carretas. O Porto de Santos, por exemplo, tem capacidade para oito navios simultaneamente. Se as vias de acesso não estiverem preparadas, o resultado continuará sendo os congestionamentos gigantes como os verificados nas últimas semanas.
O especialista em agronegócio e energia Marcos Jank, ex-presidente da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), defende, além de mais armazéns, investimentos em novos portos. Ele também acredita que a situação de caos vai se repetir todos os anos se não houver mais oferta no sistema portuário. "Faltam novos berços de atracação."
Mas também há falta de capacidade das ferrovias. Em Santos, só metade da soja exportada chega pelos trilhos. No açúcar, a participação é de 35%, e na carga em contêiner, irrisório 1,95%. /R.P.


Falta valorizar o lucro


Andre Franco Montoro Filho *
Apesar de várias iniciativas de política econômica, como a redução das taxas de juros, desvalorização cambial, desoneração tributária e crédito subsidiado, os resultados alcançados foram decepcionantes. A taxa de crescimento do PIB do Brasil, 0,9% em 2012, foi das menores do mundo. Ao mesmo tempo, a taxa de investimentos, que já era bastante baixa em comparação a outros emergentes, tem caído sistematicamente. O que explica esse fracasso? O que está faltando? Uma explicação fundamental é a forma como os lucros são vistos pelos atuais detentores do poder.

O lucro é fundamental para o bom funcionamento da economia de mercado. Em primeiro lugar, o lucro é um indicador das preferências dos consumidores. Como ninguém é obrigado a comprar um determinado bem ou serviço, se os produtores dessa mercadoria estão auferindo bons lucros significa que eles estão produzindo algo que a população deseja adquirir, a um preço que os consumidores podem pagar. Daí decorre que estão contribuindo para o bem comum da sociedade. Ao contrário, quando a produção de uma mercadoria estiver dando prejuízo significa que a população está rejeitando aquele bem ou serviço ou porque não gosta ou porque o preço é muito alto.

Além de ser indicador das preferências do consumidor, o lucro é um sinalizador de para onde o empresário deve dirigir seus recursos e habilidades. Um setor que esteja gerando bons lucros atrai esses recursos e habilidades e, com isso, a produção deste bem, para o qual a população revelou suas preferências, aumenta. O aumento da produção deverá reduzir os preços, contribuindo ainda mais para o bem-estar da população.

Assim, quando o governo procura arbitrar os lucros, controlando ou tributando os setores mais rentáveis e dando subsídios aos que não conseguem gerar lucros, ele está destruindo a eficiência da economia, reduzindo o bem-estar da população e diminuindo o crescimento do PIB.

Ademais o lucro, além desta função alocativa, é o grande determinante dos investimentos, com uma importante peculiaridade. Como os resultados financeiros dos investimentos são incertos, pois decorrem de desconhecidas situações futuras, a variável fundamental que orienta as decisões de investimento é sua expectativa de lucros.

Essa foi a grande contribuição de Keynes para a ciência econômica e base teórica para políticas fiscais ativas. O investimento não é uma decisão mecânica, definida por curvas de rendimentos conhecidas e bem comportadas. O investimento implica riscos. Investir é uma aposta no futuro. Recursos são aplicados hoje com expectativas de que no futuro gerarão rendimentos que os compensem.

Essas expectativas não se formam apenas a partir de considerações econômicas objetivas, como projeções de custos, condições de demanda, presença ou não de concorrentes, eventuais inovações tecnológicas, etc. Diversos outros aspectos são considerados, alguns objetivos outros subjetivos.

Entre os aspectos subjetivos ocupa um papel fundamental a confiança na permanência temporal das regras. O receio de que no futuro o governo vá alterar regras e que essa alteração prejudique o retorno do empreendimento é nefasto para a decisão de investimento e quase fatal para investimentos de longa duração, como o são os investimentos em infraestrutura de que tanto o Brasil precisa.

Otávio Mangabeira dizia que a democracia é uma flor delicada que deve ser sempre protegida e bem tratada. Considerações similares podem ser feitas para os investimentos em economias de mercado. É preciso criar condições favoráveis para que o hoje badalado "espírito animal" do investidor desperte.

Mas qual tem sido o comportamento do governo federal?

Reiteradas vezes, altas autoridades do governo federal têm manifestado, seja de forma direta, seja de forma tortuosa, que elas consideram altos lucros (segundo seus critérios) como algo inaceitável, quiçá pecaminoso. Exemplos são numerosos. Um dos mais elucidativos é a forma como o governo tratou a renovação de concessões de geradoras de energia elétrica. Colocou, de forma autoritária, o controle das tarifas e, portanto, do lucro como o valor supremo das decisões. O governo esquece que a maior tarifa é o apagão, que, por sinal, está sendo gerado por esta política de querer controlar e arbitrar lucros, o que afasta investimentos.

Outros exemplos se encontram na forma como o governo vem tratando a Petrobrás, que já foi a empresa de maior valor no Brasil e hoje apresenta prejuízos, queda de produção, atraso em seu plano de investimentos e sensível redução de seu valor de mercado. Ou na proposta de fixar taxas de retorno nas concessões de rodovias e ferrovias, o que afasta investidores de maior capacidade e atrai oportunistas.

Enquanto perdurarem desconfiança a respeito de lucros e simpatia para empresas em dificuldades, a mensagem que se está passando é a de que não vale a pena ser eficiente e lucrativo. Fazer investimentos e correr riscos. Melhor é ter prejuízos, chorar e mamar nas tetas da viúva.
* Andre Franco Montoro Filho é doutor em Economia pela Universidade Yale, professor titular da FEA-USP, foi presidente do BNDES e secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo. E-mail:amontoro@usp.br.

O setor elétrico desgovernado


José Aníbal
Embora os cardeais do setor elétrico prefiram a expressão “adequar a companhia à nova realidade do mercado”, a intenção do governo de vender pedaços da Eletrobrás -- divulgada pela Reuters -- é senão o resultado da expropriação de ativos sofrida pelas empresas com a MP 579.
Sem se desfazer de parte do patrimônio, a estatal não conseguirá funcionar sob as novas regras. Do sonho petista de criar uma “super elétrica” brasileira ao esfacelamento da “Petrobras” do setor, bastou um estalar de dedos.
Primeiro foi a canetada mágica que decretou o corte dos custos da energia sem alterar a cobrança de impostos. Depois, como o governo planejou novas usinas mas se esqueceu das linhas de transmissão, o prejuízo de R$ 5 bilhões (até aqui) com a energia térmica emergencial iria sobrar para o consumidor -- arruinando a redução da conta de luz prometida na TV.
A solução foi mudar a regra retroativamente e socializar as perdas. Para esconder o vexame, espetaram a conta nas empresas, no mercado livre e até no Luz para Todos. Agora os cardeais se voltam para a desconstrução do “modelo” que nem sequer acabaram de criar.
No caso da conta pelo uso das térmicas, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão interministerial responsável pela proposição de diretrizes estratégicas, foi usado para alterar a regulação em caráter retroativo.
Agora a Aneel intervém num mercado cujas normas foram definidas pelo próprio governo em dezembro passado. Se forem adiante, os cardeais terão o poder de desfazer transações já realizadas, institucionalizando a expropriação do caixa das empresas. É como tentar atrair o investidor gritando “xô”!
A transferência dos prazos de sazonalidade para fevereiro de 2013, ao invés de dezembro de 2012, se deveu única e exclusivamente ao desejo dos agentes do governo de corrigir decisões anteriores. Agora pretendem cancelar a norma definida por eles mesmos há três meses, e então pegar de volta o que garantiram anteriormente.
Nenhuma desculpa, por esfarrapada que seja, foi elaborada a tempo para justificar a intervenção econômica nas empresas. Mas para um bom entendedor não há dúvida: trata-se da tentativa improvisada de remediar o desarranjo institucional em cascata desde a imposição do novo “modelo”.
A captura das instituições, o caos regulatório e a intervenção nas empresas obviamente têm impactos sombrios num setor que, por sua importância e complexidade, deveria ter a estabilidade legal e regulatória preservadas, bem como o bom ambiente para investidores.
Tudo somado, tornam-se evidentes as consequências do apetite eleitoral fora da hora e de uma visão de mundo ultrapassada, autoritária e estatizante.
A máquina de propaganda do governo demoniza à vontade seus desafetos. Mas os fatos estão aí. Os contratos em vigor não valem rigorosamente nada, 70% das obras de transmissão e 60% das obras de geração em andamento estão atrasadas e uso das térmicas pode custar R$ 11 bilhões até o final do ano.
O setor elétrico está desgovernado.

José Aníbal é economista, deputado federal licenciado (PSDB-SP) e secretário de Energia de São Paulo. Escreverá aqui sempre às quartas-feiras.