"Esperava-se que os profissionais fossem para empregos cujo nome se assemelhava ao do curso. Hoje ocorre a "desprofissionalização" dos diplomas"
Quando parecia sepultada e descansando de uma vida maldita, exuma-se a idéia de que o estado deve regular a oferta de cursos superiores privados. Ou seja, impedir que os incautos proprietários de faculdades invistam errado, pois o MEC sabe onde está o mercado para advogados ou médicos. Pensemos: quem sabe de mercado, o dono da faculdade que arrisca sua empresa ou um funcionário do MEC, pontificando sob o manto da impunidade -e sabe-se lá com que agenda latente?
Em Brasília, o representante de uma associação médica declarou: "Não há mais mercado para médicos, assim mostram os indicadores da OMS". Ironia do destino, nesse evento, falou antes dele Jarbas Passarinho. Narrou que, em sua gestão como ministro da Educação (1970), foi procurado pela mesma associação, ouvindo idêntica afirmativa. Desde então, o número de faculdades de medicina cresceu quatro vezes. O mercado deveria estar ainda mais saturado, pois a população cresceu muito menos. Contudo, não há estatística sugerindo saturação dos mercados. Pelo contrário, a carreira é recordista de candidatos por vaga.
Se novas faculdades fossem para onde há poucos doutores por habitante, não existiriam os grandes centros médicos. E as escolas localizadas em regiões pobres formariam profissionais de qualidade ainda pior (o papel de andar na contramão do mercado é para o ensino público).
Como definir se um mercado está saturado? Pela teoria econômica, será o caso se os salários dos graduados não são comensuráveis com os custos de estudar ou, no limite, se eles estão desempregados. Segundo as pesquisas, quatro anos de faculdade dobram os salários e não há desemprego significativo nesse nível.
No passado, esperava-se que os profissionais fossem para empregos cujo nome se assemelhava ao do curso. Hoje, tal como nos países ricos, ocorre a "desprofissionalização" dos diplomas. Exercem a profissão menos de 20% dos advogados, 10% dos economistas e 5% dos filósofos. Haveria que cortar 95% das matrículas em filosofia? Não. pois os quatro anos de graduação se converteram, para a maioria, em uma educação "genérica", que prepara para exercer ocupações meio indefinidas. Nada errado.
Os lobbies médicos disfarçam a retranca na abertura de cursos como proteção da qualidade. Pura falácia- mal escondendo um conluio entre governo e corporativismo. Em vez de definir a geografia da demanda, o certo é impor padrões de qualidade rígidos aos novos cursos. E, sem apertar o cerco aos cursos e profissionais ruins que aí estão, adia-se para a próxima geração um atendimento correto. Ou seja, fechar a torneira dos novos cursos é apenas garantir o monopólio dos velhos, livres da concorrência de intrusos.
A boa solução é conhecida de todos e temida pelos menos confiantes na sua competência: filtrar pelo Enade. E também por exames de ordem para médicos - como fazem os advogados. Assim se faz nos Estados Unidos e nessa direção caminha o estado de São Paulo.
A prova da OAB é uma bela solução. Formam- se muitos bacharéis em direito. Alguns vão vender terrenos, outros trabalharão na empresa do pai. Os melhores passam nas provas da ordem, assegurando um nível mínimo de competência nas cones de Justiça. Todos ganham.
Curiosamente, há na OAB quem não abençoa o seu belo sistema e quer fazer a mesma besteira das associações médicas: restringir a criação de cursos, decretando onde não há demanda. No mundo real, quem acha a demanda são os novos advogados e médicos, não os governos e lobbies. Se fossem piores os mercados nas regiões pobres, mesmo os profissionais que lá se formassem tampouco ficariam.
Para melhorar a qualidade dos cursos, há o Enade e outras provas, em paralelo a um acompanhamento rigoroso do MEC. A retranca para a abertura de faculdades-como ocorre hoje no ensino a distância - em nada beneficia a qualidade, embora impeça a saudável concorrência entre os cursos. Não passa de uma ação visando a beneficiar financeiramente quem já entrou, sejam faculdades, sejam profissionais. Protege o interesse deles e não da sociedade.
domingo, 31 de março de 2013
sexta-feira, 29 de março de 2013
Ecos de Belém ( sobre o aborto)
DEBORA DINIZ*
Pojucan
Os sotaques denunciavam as raízes dos médicos. Eles eram tão diversos quanto nossa geografia. Chegavam em pequenas comitivas de cada um dos 27 Conselhos Regionais de Medicina. No começo deste mês, Belém seria a sede da primeira reunião de conselheiros médicos do País e o tema a ser discutido era inovador: a descriminalização do aborto no Brasil. Meu papel foi o de apresentá-los ao que a pesquisa em saúde pública brasileira produziu sobre o aborto ilegal e inseguro. Fomos três especialistas convidados a informá-los sobre uma questão que já estavam, antes de nós, preparados para decidir. Fui recebida por uma audiência atenta aos meus números e histórias de mulheres em sofrimento. Seguiram-me os textos do pecado e da prisão - um padre católico e um promotor de Justiça desfilaram os riscos do aborto para a fé e as intransigências do atual Código Penal em relação às mudanças prometidas.
Saí de Belém convencida de que a história do poder se altera, ainda que lentamente. Aquela reunião era o registro de uma mudança significativa: há 20 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deu o primeiro murmúrio sobre a descriminalização do aborto como uma necessidade de saúde para as mulheres. Foram duas décadas de espera para que o atual presidente do CFM anunciasse “somos a favor da vida, mas queremos respeitar a autonomia da mulher que, até a 12ª semana, já tomou a decisão de praticar a interrupção da gestação”. Roberto D’Ávila faz referência ao projeto de reforma do Código Penal que tramita no Senado. Pelo novo texto, o aborto passaria a ser descriminalizado: mulheres e médicos seriam livres para decidir pelo aborto e pela assistência em saúde.
Os termos do pronunciamento do presidente do CFM não devem ser ignorados: “somos a favor da vida”. Tampouco devem ser entendidos como uma expressão coloquial do discurso da ética médica, que se autodefine como vitalista. É mais do que isso. Em 2012, o CFM publicou uma resolução em que autorizou as “diretivas antecipadas da vontade”; em termos mundanos, um testamento vital sobre como queremos morrer. Um paciente em estágio terminal pode decidir interromper seus cuidados médicos e planejar como deseja viver seus últimos momentos. Agora, o CFM enfrenta a questão do aborto. Não é à toa que o presidente precisa se postular como “a favor da vida”, pois provocar dois temas tabu não é simples para uma ordem moral que insiste em silenciar a morte e o sexo.
Ser “a favor da vida” é deslocar o tema do aborto da religião para a saúde pública, uma cartografia bem mais confortável para uma organização médica. D’Ávila e seus colegas foram sensíveis às crenças de seus médicos e ao principal opositor das mudanças do Código Penal em matéria de aborto, a Igreja Católica. Por isso um representante de sua ordem teológica esteve presente em Belém, um ato de respeito a quem insiste em ignorar que as mulheres abortam, mesmo sendo católicas. Imagino que uma mulher católica pobre talvez sofra mais do que suas irmãs sem religião: além de praticar um aborto inseguro, pôr sua vida em risco, ela teme a prisão e o pecado. O CFM quer ser parte de uma história que, ao menos do risco e da prisão, irá libertar as mulheres.
Mas a decisão do CFM foi ainda mais ousada. O conselho propôs que não é preciso atestado médico ou psicológico sobre a autonomia das mulheres para a realização do aborto. A posição ética foi clara: as mulheres são seres autônomos e, se convencidas de que desejam o aborto em vez do prosseguimento da gestação, o médico deve ser autorizado a socorrê-la. E, assim como nenhuma mulher deverá ser obrigada a realizar um aborto ou se manter grávida contra sua vontade, os médicos serão livres para decidir sobre a assistência. Não haverá o dever de aborto nem para as mulheres, nem para os médicos. O CFM apenas se posicionou a favor do direito de escolha como um gesto de proteção à saúde e à autonomia das mulheres.
Há muito tempo feministas e sanitaristas ecoam a tese de que o aborto ilegal e inseguro é uma questão de saúde pública. O significado dessa tese é alarmante: uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez, pelo menos, um aborto. Metade delas necessitou ficar internada para finalizá-lo, o que repercute imensamente na assistência pública em saúde. Outra metade das mulheres fez uso de medicamentos cuja procedência, segurança ou dosagem desconhecemos. Entre os 18 e os 39 anos, são mais de 3 milhões de mulheres que, em algum momento da vida reprodutiva, realizaram um aborto. Elas temeram pela saúde, pela fé e pela prisão. O CFM quer ajudá-las a não mais ter medo da morte. É preciso agora que o Senado Federal entenda que mandá-las para a prisão não é uma medida de saúde pública.
*DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E PESQUISADORA DA ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNEROD
Saí de Belém convencida de que a história do poder se altera, ainda que lentamente. Aquela reunião era o registro de uma mudança significativa: há 20 anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deu o primeiro murmúrio sobre a descriminalização do aborto como uma necessidade de saúde para as mulheres. Foram duas décadas de espera para que o atual presidente do CFM anunciasse “somos a favor da vida, mas queremos respeitar a autonomia da mulher que, até a 12ª semana, já tomou a decisão de praticar a interrupção da gestação”. Roberto D’Ávila faz referência ao projeto de reforma do Código Penal que tramita no Senado. Pelo novo texto, o aborto passaria a ser descriminalizado: mulheres e médicos seriam livres para decidir pelo aborto e pela assistência em saúde.
Os termos do pronunciamento do presidente do CFM não devem ser ignorados: “somos a favor da vida”. Tampouco devem ser entendidos como uma expressão coloquial do discurso da ética médica, que se autodefine como vitalista. É mais do que isso. Em 2012, o CFM publicou uma resolução em que autorizou as “diretivas antecipadas da vontade”; em termos mundanos, um testamento vital sobre como queremos morrer. Um paciente em estágio terminal pode decidir interromper seus cuidados médicos e planejar como deseja viver seus últimos momentos. Agora, o CFM enfrenta a questão do aborto. Não é à toa que o presidente precisa se postular como “a favor da vida”, pois provocar dois temas tabu não é simples para uma ordem moral que insiste em silenciar a morte e o sexo.
Ser “a favor da vida” é deslocar o tema do aborto da religião para a saúde pública, uma cartografia bem mais confortável para uma organização médica. D’Ávila e seus colegas foram sensíveis às crenças de seus médicos e ao principal opositor das mudanças do Código Penal em matéria de aborto, a Igreja Católica. Por isso um representante de sua ordem teológica esteve presente em Belém, um ato de respeito a quem insiste em ignorar que as mulheres abortam, mesmo sendo católicas. Imagino que uma mulher católica pobre talvez sofra mais do que suas irmãs sem religião: além de praticar um aborto inseguro, pôr sua vida em risco, ela teme a prisão e o pecado. O CFM quer ser parte de uma história que, ao menos do risco e da prisão, irá libertar as mulheres.
Mas a decisão do CFM foi ainda mais ousada. O conselho propôs que não é preciso atestado médico ou psicológico sobre a autonomia das mulheres para a realização do aborto. A posição ética foi clara: as mulheres são seres autônomos e, se convencidas de que desejam o aborto em vez do prosseguimento da gestação, o médico deve ser autorizado a socorrê-la. E, assim como nenhuma mulher deverá ser obrigada a realizar um aborto ou se manter grávida contra sua vontade, os médicos serão livres para decidir sobre a assistência. Não haverá o dever de aborto nem para as mulheres, nem para os médicos. O CFM apenas se posicionou a favor do direito de escolha como um gesto de proteção à saúde e à autonomia das mulheres.
Há muito tempo feministas e sanitaristas ecoam a tese de que o aborto ilegal e inseguro é uma questão de saúde pública. O significado dessa tese é alarmante: uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez, pelo menos, um aborto. Metade delas necessitou ficar internada para finalizá-lo, o que repercute imensamente na assistência pública em saúde. Outra metade das mulheres fez uso de medicamentos cuja procedência, segurança ou dosagem desconhecemos. Entre os 18 e os 39 anos, são mais de 3 milhões de mulheres que, em algum momento da vida reprodutiva, realizaram um aborto. Elas temeram pela saúde, pela fé e pela prisão. O CFM quer ajudá-las a não mais ter medo da morte. É preciso agora que o Senado Federal entenda que mandá-las para a prisão não é uma medida de saúde pública.
*DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E PESQUISADORA DA ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNEROD
Gerador de pistão livre dá mais liberdade aos carros elétricos
OR INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Publicado em 27 de março de 2013
Engenheiros do Centro Espacial Alemão (DLR) criaram um tipo inteiramente novo de motorização capaz de aumentar a autonomia dos veículos elétricos.
Trata-se de um gerador linear de pistão livre.
É essencialmente um motor a combustão dedicado a gerar eletricidade para alimentar carros elétricos quando as baterias ficam descarregadas.
A diferença é que, com um pistão livre, o motor é muito mais simples, dispensando biela, virabrequim, comandos de válvulas e todos os outros componentes grandes e pesados dos motores tradicionais.
Ele se enquadra em uma categoria chamada "extensores de autonomia" dos veículos elétricos - a intenção é substituir os motores elétricos usados nos atuais carros híbridos, que misturam motores a combustão, geradores e motores elétricos.
Motor linear de pistão livre
A maior vantagem do motor de pistão livre é que ele aceita virtualmente qualquer tipo de combustível, líquido ou gasoso.
O conceito não é novo, mas só agora ele se mostrou funcional, graças ao que os engenheiros da DLR chamam de "mola de gás" - o mecanismo que faz com que o pistão volte depois da explosão funciona com base em um gás.
O gerador linear de pistão livre retira a energia do combustível de forma similar a um motor de carro convencional. Contudo, em vez de converter o movimento linear dos pistões em movimento rotacional de um eixo, ele gera eletricidade diretamente.
A ignição detona a mistura ar-combustível dentro de uma câmara de combustão, que se expande e empurra o pistão em direção às molas de gás, que desaceleram o pistão e o mandam de volta.
Esse movimento linear faz com que um ímã passe no interior de um conjunto de bobinas, gerando eletricidade.
Combustível líquido ou gasoso
O sistema de controle criado pelos engenheiros alemães controla o movimento do pistão com uma precisão na casa dos décimos de milímetro, permitindo ajustar a taxa de compressão, a velocidade do pistão e a capacidade cúbica da câmara de combustão.
Isso significa que praticamente qualquer combustível pode ser utilizado, incluindo gasolina, diesel, etanol, gás natural ou hidrogênio.
Outra vantagem é que o funcionamento do gerador - e o combustível que ele consome - pode ser ajustado continuamente, de acordo com o padrão de uso do carro elétrico.
A grande vantagem dos extensores de autonomia é que eles substituem os conjuntos motor/gerador dos veículos híbridos atuais, muito mais pesados, e permitem a construção de veículos elétricos com conjuntos de baterias menores, mais leves e mais baratos.
"Com nosso demonstrador funcional, nós mostramos pela primeira vez que nosso princípio de gerador linear de pistão livre pode ser implementado. No próximo passo, precisaremos trabalhar com a indústria para desenvolver essa tecnologia e construir um protótipo," disse Horst Friedrich, coordenador do projeto.
Trata-se de um gerador linear de pistão livre.
É essencialmente um motor a combustão dedicado a gerar eletricidade para alimentar carros elétricos quando as baterias ficam descarregadas.
A diferença é que, com um pistão livre, o motor é muito mais simples, dispensando biela, virabrequim, comandos de válvulas e todos os outros componentes grandes e pesados dos motores tradicionais.
Ele se enquadra em uma categoria chamada "extensores de autonomia" dos veículos elétricos - a intenção é substituir os motores elétricos usados nos atuais carros híbridos, que misturam motores a combustão, geradores e motores elétricos.
Motor linear de pistão livre
A maior vantagem do motor de pistão livre é que ele aceita virtualmente qualquer tipo de combustível, líquido ou gasoso.
O conceito não é novo, mas só agora ele se mostrou funcional, graças ao que os engenheiros da DLR chamam de "mola de gás" - o mecanismo que faz com que o pistão volte depois da explosão funciona com base em um gás.
O gerador linear de pistão livre retira a energia do combustível de forma similar a um motor de carro convencional. Contudo, em vez de converter o movimento linear dos pistões em movimento rotacional de um eixo, ele gera eletricidade diretamente.
A ignição detona a mistura ar-combustível dentro de uma câmara de combustão, que se expande e empurra o pistão em direção às molas de gás, que desaceleram o pistão e o mandam de volta.
Esse movimento linear faz com que um ímã passe no interior de um conjunto de bobinas, gerando eletricidade.
Combustível líquido ou gasoso
O sistema de controle criado pelos engenheiros alemães controla o movimento do pistão com uma precisão na casa dos décimos de milímetro, permitindo ajustar a taxa de compressão, a velocidade do pistão e a capacidade cúbica da câmara de combustão.
Isso significa que praticamente qualquer combustível pode ser utilizado, incluindo gasolina, diesel, etanol, gás natural ou hidrogênio.
Outra vantagem é que o funcionamento do gerador - e o combustível que ele consome - pode ser ajustado continuamente, de acordo com o padrão de uso do carro elétrico.
A grande vantagem dos extensores de autonomia é que eles substituem os conjuntos motor/gerador dos veículos híbridos atuais, muito mais pesados, e permitem a construção de veículos elétricos com conjuntos de baterias menores, mais leves e mais baratos.
"Com nosso demonstrador funcional, nós mostramos pela primeira vez que nosso princípio de gerador linear de pistão livre pode ser implementado. No próximo passo, precisaremos trabalhar com a indústria para desenvolver essa tecnologia e construir um protótipo," disse Horst Friedrich, coordenador do projeto.
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