domingo, 30 de dezembro de 2012

Sem pagamento, 200 mil carros são leiloados no País



30 de dezembro de 2012 | 11h 05
AE - Agencia Estado
SÃO PAULO - A bolha do crédito farto ajudou o Brasil a ocupar pela primeira vez, em 2010, o quarto lugar na lista dos maiores mercados de veículos do mundo, posição que vem sendo mantida. Neste ano, as vendas devem atingir o recorde de 3,8 milhões de unidades. Muitos dos consumidores que ajudaram o País a chegar a esse posto, contudo, hoje penam para pagar as prestações ou tiveram o carro retomado por falta de pagamento.
O índice de inadimplência em veículos passou de 2,5% dos contratos em 2010 para 5,6% neste ano. O calote vem caindo, depois de atingir o pico de 6,1% em maio, mas ainda é alto. Em valores, um total de R$ 10,5 bilhões em parcelas deixou de ser pago, muito acima do saldo de R$ 3,8 bilhões de dois anos atrás.
"O estrago neste ano foi muito maior do que o imaginado", diz Décio Carbonari, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). Parte dos devedores são pessoas que compraram o primeiro carro zero, atraídas por planos de pagamento sem entrada, prazos de 60 a 80 meses e "parcelas que cabiam no bolso".
Com mais da metade das prestações a vencer, o consumidor se deu conta de que o saldo devedor era bem maior que o valor do bem - que deprecia-se em média 15% ao ano. "Hoje, com o saldo devedor de um financiamento feito há dois anos é possível comprar um carro mais moderno e com juro menor", diz Paulo Garbossa, da consultoria ADK.
O juro hoje é menor em consequência da política adotada pelo Banco Central. Caiu de 40,6% na média anual no fim de 2010 para menos de 35%. Os automóveis também estão mais baratos em razão da concorrência de novas marcas e alguns modelos são lançados a preços mais baixos que os antigos.
Bancos e associações não divulgam a quantidade de carros retomados por falta de pagamento. Mas dados de empresas de leilões dão ideia do tamanho do problema. Segundo quatro grandes grupos que atuam no Estado de São Paulo, entre 180 mil e 200 mil veículos foram retomados por falta de pagamento nos últimos dois anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

Impasse atrasa ainda mais obra da Transnordestina



Controlada pela CSN, concessionária quer R$ 8,2 bilhões, quase o dobro da estimativa inicial; ferrovia só deve ficar pronta em 2015

29 de dezembro de 2012 | 17h 40
Sergio Torres/ENVIADO ESPECIAl SALGUEIRO(PE)
Prevista para funcionar a partir de 30 de dezembro de 2014, penúltimo dia da gestão da presidente Dilma Rousseff, a ferrovia Transnordestina não será inaugurada antes de 2015. A obra, iniciada em 2006, entrou em ritmo ainda mais lento neste segundo semestre, a partir do acirramento de um impasse financeiro já antigo entre o governo federal e a concessionária Transnordestina Logística S/A (TLSA).
Na assinatura do protocolo de intenções em 2005, foi anunciado que a ferrovia custaria R$ 4,5 bilhões. As obras começaram em julho do ano seguinte. Em 2008, já havia um novo preço firmado em contrato: R$ 5,4 bilhões. A TLSA vem alegando que esse valor, em razão de contratempos surgidos no decorrer da obra, está subdimensionado.
A concessionária quer agora R$ 8,2 bilhões. Sem esse aporte financeiro adicional, a TLSA argumenta que não haverá meios de entregar a Transnordestina completa a tempo de ser inaugurada por Dilma. A ferrovia é uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A solicitação da TLSA, controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), não é bem vista pelo governo. A concessionária quer que o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), que já banca 50% dos recursos (R$ 2,7 bilhões), aumente a participação.
O fundo regional é gerenciado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que recusou-se a divulgar os valores até agora liberados para a construção da ferrovia. Também envolvido no financiamento da ferrovia, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contribuiu com R$ 900 milhões, já liberados.
O governo resiste a dar o dinheiro requerido pela concessionária e insiste que a obra deve ser inaugurada ainda no governo Dilma. Mas deu à CSN a possibilidade de obter empréstimos nas instituições públicas.
"Para que os trabalhos da Transnordestina não sejam interrompidos, o governo federal, através da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e do BNB, autorizou a obtenção de empréstimo, por parte da Transnordestina Logística S.A, o que permitirá que as frentes de trabalho continuem mobilizadas e o cronograma das obras não apresente maiores postergações", informou em nota o Ministério da Integração Nacional, sem revelar os valores dos empréstimos.
A ferrovia foi planejada para levar até os portos de Pecém (Ceará) e Suape (Pernambuco) a produção agrícola do cerrado do Piauí, especialmente soja. A linha férrea partiria da cidade piauiense de Eliseu Martins até Salgueiro, no sertão pernambucano. No município, a Transnordestina se dividiria. Um braço seguiria até o litoral pernambucano. Outro, dobraria à esquerda no rumo norte, até a costa cearense.
A primeira previsão é de que a ferrovia, no trecho Piauí-Pernambuco, seria inaugurada em 2010, ao final do segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O trecho Piauí-Ceará ficaria pronto em 2013.
Nada disso aconteceu. Foi dado um novo prazo, 2012, que se encerra sem que a obra tenha alcançado nem sequer 20% do trajeto. A nova previsão passou a ser dezembro de 2014. Embora faltem dois anos, o prazo não será cumprido, de acordo com avaliações reservadas tanto do governo quanto das próprias CSN e TLSA. Só falta tornar isso público.
De interesse estratégico para o governo, a ferrovia é vista como um futuro polo indutor de progresso de uma região cronicamente problemática, caracterizada pela pobreza de sua população, pelo ainda presente êxodo para as regiões metropolitanas, e sempre sujeita a secas muito intensas, como a que já dura dois anos. 
A soja produzida no cerrado do Piauí chega hoje aos portos de exportação em carretas que circulam na maioria das vezes por estradas em péssimo estado de manutenção. A Transnordestina resolveria esse problema logístico, ao entregar a carga nos terminais portuários de maneira bem mais segura, econômica e ambientalmente limpa.
A previsão da safra de soja do Piauí em 2013 é de 1,48 milhão de toneladas, 17% a mais do que o registrado neste ano. Estão plantados 101,4 mil hectares dos 506,8 mil destinados até agora ao cultivo do grão nesta nova fronteira agrícola brasileira.
Nas negociações com o governo, CSN e TLSN argumentam, na tentativa de obter mais financiamentos públicos, que a ferrovia é fundamental para o desenvolvimento do interior do Nordeste, para o crescimento expressivo das exportações e para a entrada no País do dinheiro obtido na venda da soja no mercado externo. E que, apesar dessa importância, o retorno para o investidor é muito baixo em um primeiro momento. O lucro, se vier, será a longo prazo, dizem executivos da companhia encarregados das discussões com o governo.

Lula queria inauguração no fim do segundo mandato

O planejamento da Transnordestina desenvolveu-se durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva...
O planejamento da Transnordestina desenvolveu-se durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). A ideia de Lula era inaugurar em 2010, ao final de sua segunda administração, a ferrovia pela qual seriam escoadas as toneladas de soja produzidas nos municípios do sul do Piauí.
Controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, a Transnordestina Logística S/A recebeu a concessão da obra, ainda quando se chamava Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN).
A meta era abastecer os dois principais portos nordestinos (o cearense Pecém e o pernambucano Suape) com a soja, um dos pilares da pauta de exportações agrícolas brasileiras.
De acordo com o plano, nos cinco anos seguintes à inauguração, a ferrovia estaria capacitada para transportar até 30 milhões de toneladas de grãos, minérios e cargas variadas ao longo de suas três linhas de circulação.
Logo o acordo entre Lula e Steinbruch começou a dar errado. O início dos trabalhos data de 2006, mas o ritmo da obra nunca foi considerado ideal pelo governo. Já em 2007, o presidente notou que não conseguiria inaugurar a obra da forma como pretendia. A partir daí, começaram os desentendimentos que resultaram no atual impasse.
Naquele ano, a então ministra da Casa Civil, hoje presidente Dilma Rousseff, inconformada com a demora na elaboração do planejamento executivo, criticou Steinbruch publicamente. Ela avisou, à época, que “o governo não vai aceitar que essa obra seja empurrada com a barriga”.
Com o respaldo de Lula, Dilma falou ainda que o governo financiava “quase tudo” da construção da ferrovia pioneira.
“Ele (Steinbruch) entra com apenas R$ 570 milhões de um total de R$ 4,5 bilhões”, reclamou a então ministra do segundo governo Lula.

Favelas e enchentes no traçado da ferrovia

Origem dos obstáculos pode ser creditada tanto ao acaso quanto a um planejamento açodado, feito às pressas na tentativa de agradar ao então presidente Lula

29 de dezembro de 2012 | 18h 05
Sergio Torres/ENVIADOS ESPECIAIS SALGUEIRO(PE)
 A ferrovia Transnordestina enfrenta obstáculos cuja origem pode ser creditada tanto ao acaso quanto a um planejamento açodado, feito às pressas na tentativa de agradar ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste segundo caso, está a aprovação de um traçado, que, ao aproveitar a antiga malha ferroviária de Pernambuco, esbarrava em favelas crescidas junto aos trilhos abandonados. Barracos foram construídos na faixa de domínio da linha férrea, que é de 15 metros de cada lado.
Apontado como possível postulante à sucessão da presidente Dilma Rousseff (PT), o governador Eduardo Campos (PSB) recusou-se a atender a requisição da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de remover as 1.019 famílias invasoras nos municípios de Ribeirão, Gameleira e Escada, próximos a Recife.
No momento, os entendimento entre a Transnordestina Logística (TLSA) e o governo pernambucano apontam para a realocação de 600 famílias para imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas são negociações difíceis, já que parte dos moradores não aceita a transferência. Os envolvidos na busca de solução estimam que o problema não será resolvido antes do fim de 2013.
Pode ser posta na conta do acaso a necessidade de construção de barragens contra enchentes no sul da Zona da Mata de Pernambuco. Cheias registradas em 2011 em terras margeadas pelos rios Ipojuca e Una levaram o governo estadual a planejar com urgência a construção das barragens em áreas pelas quais a Transnordestina passaria. Está sendo necessário modificar a rota da ferrovia, com desvio de 45 km, o que implicará em mudanças na relação de terras passíveis de desapropriação.
Empecilhos inusitados surgiram a partir do início da obra. Na cidade de Custódia, no sertão de Pernambuco, a linha do trem passaria em cima de uma igreja do século 18. Para agradar aos fiéis, a concessionária construiu uma nova igreja, para substituir a antiga. Só que o Ministério Público recorreu e a Justiça Federal proibiu a demolição do patrimônio histórico e religioso.
O jeito foi planejar um desvio de 9 metros, distância que, garante a empresa, não afetará a construção. Quem vai definir se afeta ou não é o Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que prepara um laudo sobre os possíveis efeitos da passagem do trem próximo a uma igreja centenária. 


Dominar o mundo, por Renato Cruz


O Estado de S.Paulo
Em 2011, passei uma semana no Vale do Silício, para fazer uma série de reportagens, e me chamou a atenção a ambição das empresas iniciantes americanas. Startups com três, quatro pessoas já anunciam como objetivo liderar o mercado mundial. Na prática, mesmo com as bem-sucedidas, isso não acontece tão cedo. Demoram pelo menos um par de anos para conquistar o mercado americano. O que importa, no entanto, é que desde cedo os empreendedores do Vale do Silício têm essa pretensão de se transformarem em gigantes mundiais.
Publiquei outra série de reportagens, no começo deste ano, sobre alguns dos principais polos de tecnologia brasileiros. Por aqui, a ambição das startups é bem diferente. Normalmente, as empresas miram os principais mercados do Brasil e, se tudo der certo, uma expansão para os países vizinhos, como o Chile e a Argentina. É difícil encontrar essa fome de dominar o mundo, muito natural entre os americanos. Lá, o natural é se tornar uma grande companhia global. Por aqui, parece que o mercado local basta.
Ouvi algumas explicações para isso e, provavelmente, é uma combinação de motivos que leva a essa diferença de mentalidade. Em primeiro lugar, o mercado brasileiro é grande e relativamente protegido. Existem barreiras tributárias importantes para a tecnologia produzida no exterior. Até mesmo a língua portuguesa pode ser considerada um incentivo à atuação local, quando se trata de software e serviços.
Até pouco tempo atrás, o Brasil era considerado o queridinho dos mercados mundiais. Isso atraiu muitos investidores para o País. Mesmo assim, o mercado de investimentos em empresas iniciantes ainda não é totalmente desenvolvido por aqui. São poucas ainda as alternativas de saída para o investidor. Além disso, características da legislação brasileira tornam o risco de se investir aqui muito maior do que nos EUA. Se uma empresa americana quebra, o investidor perde o seu dinheiro e ponto. Se isso acontece com uma companhia brasileira, o investidor acaba herdando o passivo da empresa, na proporção de sua participação nela.
Esse cenário de investimento acaba tornando o empreendedor brasileiro muito mais conservador que o americano. A empresa tem de se tornar lucrativa muito mais rapidamente, porque o capital é escasso. No mercado de internet, esse cenário incentiva o surgimento das chamadas "copycats", companhias que copiam modelos de negócio já consagrados fora do Brasil. Copiar o que dá certo lá fora facilita a atração de investimento, porque o modelo de negócios comprovado significa menor risco. Também facilita a estratégia de saída, por criar uma opção importante de se vender a companhia local para a empresa estrangeira que foi copiada.
Uma coisa que me chamou atenção, ao visitar os polos brasileiros de tecnologia, foi uma certa barreira ao crescimento das empresas locais. É difícil encontrar alguma delas, mesmo as de maior sucesso, com faturamento maior que R$ 200 milhões anuais. Não cheguei a ver nenhum estudo a respeito, mas é um número que apareceu em várias conversas. Não quer dizer que não existam empresas brasileiras de tecnologia que faturem mais do que isso. Companhias como Totvs, Positivo Informática e Stefanini têm receita anual na casa dos dez dígitos. Nos polos que eu visitei, no entanto, parecia difícil para os empreendedores ultrapassar essa marca dos R$ 200 milhões.
Conversei um dia desses com o Fabio Bruggioni e a Andiara Petterle, da e.Bricks Digital, empresa criada pelo Grupo RBS para investir no mercado de tecnologia. Para Bruggioni, a barreira dos R$ 200 milhões se explica porque, quando a empresa atinge esse ponto, já se tornou um negócio confortável. Os fundadores ganharam um bom dinheiro e, para continuar crescendo, precisariam de uma nova estrutura de capital, atraindo investidores e colocando em risco tudo o que conseguiram. Andiara apontou uma diferença importante entre o Brasil e o Vale do Silício no perfil dos empreendedores. Lá, a maioria tem formação técnica, de engenharia ou programação, com foco em tecnologia e produtos. Por aqui, a maior parte dos fundadores estudou administração, o que explicaria o apetite menor ao risco.