domingo, 30 de dezembro de 2012

Dominar o mundo, por Renato Cruz


O Estado de S.Paulo
Em 2011, passei uma semana no Vale do Silício, para fazer uma série de reportagens, e me chamou a atenção a ambição das empresas iniciantes americanas. Startups com três, quatro pessoas já anunciam como objetivo liderar o mercado mundial. Na prática, mesmo com as bem-sucedidas, isso não acontece tão cedo. Demoram pelo menos um par de anos para conquistar o mercado americano. O que importa, no entanto, é que desde cedo os empreendedores do Vale do Silício têm essa pretensão de se transformarem em gigantes mundiais.
Publiquei outra série de reportagens, no começo deste ano, sobre alguns dos principais polos de tecnologia brasileiros. Por aqui, a ambição das startups é bem diferente. Normalmente, as empresas miram os principais mercados do Brasil e, se tudo der certo, uma expansão para os países vizinhos, como o Chile e a Argentina. É difícil encontrar essa fome de dominar o mundo, muito natural entre os americanos. Lá, o natural é se tornar uma grande companhia global. Por aqui, parece que o mercado local basta.
Ouvi algumas explicações para isso e, provavelmente, é uma combinação de motivos que leva a essa diferença de mentalidade. Em primeiro lugar, o mercado brasileiro é grande e relativamente protegido. Existem barreiras tributárias importantes para a tecnologia produzida no exterior. Até mesmo a língua portuguesa pode ser considerada um incentivo à atuação local, quando se trata de software e serviços.
Até pouco tempo atrás, o Brasil era considerado o queridinho dos mercados mundiais. Isso atraiu muitos investidores para o País. Mesmo assim, o mercado de investimentos em empresas iniciantes ainda não é totalmente desenvolvido por aqui. São poucas ainda as alternativas de saída para o investidor. Além disso, características da legislação brasileira tornam o risco de se investir aqui muito maior do que nos EUA. Se uma empresa americana quebra, o investidor perde o seu dinheiro e ponto. Se isso acontece com uma companhia brasileira, o investidor acaba herdando o passivo da empresa, na proporção de sua participação nela.
Esse cenário de investimento acaba tornando o empreendedor brasileiro muito mais conservador que o americano. A empresa tem de se tornar lucrativa muito mais rapidamente, porque o capital é escasso. No mercado de internet, esse cenário incentiva o surgimento das chamadas "copycats", companhias que copiam modelos de negócio já consagrados fora do Brasil. Copiar o que dá certo lá fora facilita a atração de investimento, porque o modelo de negócios comprovado significa menor risco. Também facilita a estratégia de saída, por criar uma opção importante de se vender a companhia local para a empresa estrangeira que foi copiada.
Uma coisa que me chamou atenção, ao visitar os polos brasileiros de tecnologia, foi uma certa barreira ao crescimento das empresas locais. É difícil encontrar alguma delas, mesmo as de maior sucesso, com faturamento maior que R$ 200 milhões anuais. Não cheguei a ver nenhum estudo a respeito, mas é um número que apareceu em várias conversas. Não quer dizer que não existam empresas brasileiras de tecnologia que faturem mais do que isso. Companhias como Totvs, Positivo Informática e Stefanini têm receita anual na casa dos dez dígitos. Nos polos que eu visitei, no entanto, parecia difícil para os empreendedores ultrapassar essa marca dos R$ 200 milhões.
Conversei um dia desses com o Fabio Bruggioni e a Andiara Petterle, da e.Bricks Digital, empresa criada pelo Grupo RBS para investir no mercado de tecnologia. Para Bruggioni, a barreira dos R$ 200 milhões se explica porque, quando a empresa atinge esse ponto, já se tornou um negócio confortável. Os fundadores ganharam um bom dinheiro e, para continuar crescendo, precisariam de uma nova estrutura de capital, atraindo investidores e colocando em risco tudo o que conseguiram. Andiara apontou uma diferença importante entre o Brasil e o Vale do Silício no perfil dos empreendedores. Lá, a maioria tem formação técnica, de engenharia ou programação, com foco em tecnologia e produtos. Por aqui, a maior parte dos fundadores estudou administração, o que explicaria o apetite menor ao risco.

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