terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Nada a discutir, no Aliás 16 dez 12


LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO
O Supremo Tribunal Federal julga, com o acompanhamento da sociedade e da mídia, o processo conhecido como "mensalão" (AP 470). Nos últimos dias, o tema dos debates foi: quais seriam as consequências da condenação pela suspensão dos direitos políticos dos condenados? Haveria perda imediata dos mandatos parlamentares, como consequência da suspensão dos direitos políticos dos condenados, ou a Câmara dos Deputados deveria se manifestar sobre o tema? A discussão no STF gerou uma manifestação do presidente da Câmara, que entende que somente a casa poderia decidir sobre o tema, aplicando a pena da perda do mandato. De outro lado, quatro ministros já decidiram que a perda dos direitos políticos, declarada em sentença, já seria suficiente para a cessação do mandato parlamentar. Falta o último voto que, provavelmente, será lançado nesta semana pelo ministro Celso de Mello.
A decisão do STF determinou, pela qualidade dos crimes, a suspensão dos direitos políticos. Não é hipótese de cassação por falta de decoro, mas como decorrência de sentença. Imaginemos que um parlamentar fosse condenado por um comportamento menos grave. E, na sentença, não houvesse menção à perda dos direitos políticos. Não houve, no caso, nenhum problema com probidade ou improbidade administrativa. Nesse caso, a Câmara (ou o Senado) debateria sobre a conveniência ou não da perda do mandato. Aplica-se o artigo 55, parágrafo segundo, da Constituição. A casa à qual pertence o parlamentar decide se é conveniente ou não tê-lo como titular de mandato parlamentar, como deputado federal ou senador. A votação é secreta e o quórum é de maioria absoluta. E há garantia da ampla defesa. Outro caso de perda de mandato, como estamos vendo, é a decisão judicial que determina a suspensão dos direitos políticos. Nesse caso, o Poder Judiciário, por sentença, reconhece, com fundamento na lei, que determinada pessoa não está em condições de participar da vida política, pela falta que cometeu. Assim, na própria sentença reconhece a suspensão dos direitos políticos do condenado. Além de outras penas privativas da liberdade, a lei determina que, em certos casos, seja decretada a suspensão dos direitos políticos.
São situações distintas, portanto. A primeira depende de manifestação da Casa Legislativa que julgará conveniência e oportunidade da permanência do mandato. O povo pode discordar da decisão (e quantas vezes já discordou!), mas o órgão competente para decidir é a Casa Legislativa.
A segunda hipótese é aquela em que a decisão judicial já traz a pena da suspensão dos direitos políticos. Aí não há que permitir à Casa Legislativa decidir. Já houve decisão do Poder Judiciário transitada em julgado. Ou seja, o poder competente para decidir (como era competente, na hipótese anterior, o Poder Legislativo) já resolveu que o réu parlamentar não tem condições de exercer seu mandato. E decidiu diante dos termos da lei e da Constituição. Dessa forma, portanto, não há que discutir, mas cumprir. A ampla defesa assegurada cuidará apenas de ver se já há trânsito em julgado da decisão.
Poderia o presidente da casa não dar sequência à determinação do Judiciário? Evidente que não. O ato, no caso, é vinculado, como já decidiu o próprio STF em 2006. O presidente da Câmara deve aplicar a perda do mandato. Não tem escolha.
A Constituição cuidou de garantir as funções de cada poder, preservando a separação de funções. No caso, o reconhecimento da suspensão dos direitos políticos seria ato do Judiciário. No entanto, o reconhecimento da perda do mandato parlamentar seria ato legislativo. Mas vinculado, ou seja, não há outro caminho para a presidência da Câmara. Não pode desobedecer à decisão judicial. Não é juízo de conveniência, como no primeiro caso. Já há decisão com trânsito em julgado. O parlamentar, que tem assegurada a ampla defesa, se defende do cumprimento formal, não substancial.
Pode o STF modificar tal entendimento, nos próximos dias, com o voto final de Celso de Mello, entendendo que a suspensão dos direitos políticos, por sentença, já provocaria a perda de mandato, o que abreviaria o cumprimento da sentença. Ou pode manter a jurisprudência da corte, entendendo que deve ser oficiado o presidente da Casa Legislativa para que, sem discussão, cumpra a decisão judicial. Vencida a primeira tese (aplicação imediata), o parágrafo terceiro do artigo 55 seria aplicado aos outros casos.
* LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO É PROFESSOR TITULAR DA PUC-SP, DOUTOR E LIVRE DOCENTE EM DIREITO CONSTITUCIONAL

Arcaismo sindical , por Suely Caldas


JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM, JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM - O Estado de S.Paulo
SUELY
CALDAS
Quem não quer R$ 1,6 bilhão de dinheiro público, gastar como bem entender e nunca ser fiscalizado? É mamata? Pois essa mamata existe desde 1943, há quase 70 anos, atende pelo nome de "imposto sindical", é cobrada de todos os trabalhadores com carteira assinada e sua receita vai direto para o caixa de sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais de trabalhadores. Quer mais? Essas entidades também são aquinhoadas com verbas do Ministério do Trabalho supostamente para custear programas de educação do trabalhador, mas o dinheiro se perde e raramente sua aplicação é fiscalizada ou avaliada. E mais: as centrais ainda recebem verbas de patrocínio de estatais, o que já gerou uma ação contra a Petrobrás no Tribunal de Contas da União.
Quem não quer R$ 15 bilhões a cada ano, aplicar uma parte em educação e serviços sociais e outra, incalculável, em seus gastos corriqueiros e correr riscos mínimos de fiscalização? É quanto levam sindicatos, federações e confederações de empresários com a arrecadação do chamado Sistema S (Sesc, Senac, Senai, Sesi, Senat, Sebrae), taxa de 2,5% sobre o valor da folha de pagamento das empresas do País. Essas entidades tentam argumentar que não, mas é dinheiro público, porque as empresas repassam seu custo para os preços de produtos e serviços pagos pela população. Além disso, elas também têm seu quinhão do imposto sindical.
Esses são os instrumentos que financiam a estrutura sindical do País desde 1943, quando Getúlio Vargas a criou. Tudo pago por 190 milhões de brasileiros. FHC e Lula tentaram mudá-la, tornando-a menos onerosa e de maior eficácia para o trabalhador, mas falou mais alto a força do corporativismo e do lobby de dirigentes sindicais dos dois lados e junto dos dois governos. Dilma Rousseff não tentou, mas ainda há tempo, se disposição tiver.
Nestes 70 anos, o progresso tecnológico impôs muitas mudanças, modernizou indústrias, métodos de gestão, a enxada deu lugar ao trator e o Estado passou a concentrar sua atuação na saúde, educação e segurança. Mas a estrutura sindical e as formas de financiá-la ficaram intactas, as mesmas que Getúlio importou da Carta del lavoro, criada em 1927 pelo ditador fascista italiano Benito Mussolini, para guiar as relações de trabalho na sociedade.
Quantos hospitais, escolas, presídios e redes de água e esgoto seriam construídos, se tal dinheiro fosse direcionado para esse fim? Não se sabe ao certo, mas, com toda a certeza, ajudaria muito a reduzir o vergonhoso e desumano déficit nessas áreas. O drama da saúde pública, por exemplo, é vivido cotidianamente pelos que dela precisam, em hospitais sujos, desaparelhados, com falta de médicos e remédios, doentes jogados ao chão ou não atendidos, cirurgias adiadas. Mas a população que não usa a rede pública não tem ideia disso e há dias ficou chocada ao ver na TV uma gigantesca fila de milhares de pacientes em frente ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia do Rio - onde 21 mil pessoas esperam por uma cirurgia - tentando marcar uma consulta para 2013.
Com dinheiro farto fluindo, a estrutura sindical dispara e a cada ano surgem novos e misteriosos sindicatos, criados com a única finalidade de devorar o imposto sindical. Hoje há mais de 14 mil deles; atuando em defesa de trabalhadores, nem 1/4 disso. De criação mais recente, as centrais não recebiam receita do imposto, mas Lula cuidou disso: deu a elas 10% (R$ 160 milhões em 2012) dos 20% que cabiam ao governo no rateio. Resultado: mais quatro centrais foram criadas, além de CUT e Força Sindical, que já existiam. Delas, só a CUT condena a cobrança do imposto, mas dele usufrui enquanto não é eliminado.
No início de seu primeiro governo, FHC tentou tirar das entidades patronais e profissionalizar a gestão do dinheiro do Sistema S, concentrando-o na educação dos filhos dos trabalhadores. Foi bombardeado pelo lobby patronal e acabou desistindo. O ex-ministro da Educação de Lula Fernando Haddad fez gesto parecido. Também desistiu.
Quando os sindicatos sairão do atraso?


Devagar com o andor


Devagar com o andor - ROBERTO FENDT


O Estado de S.Paulo - 16/12



Tornou-se lugar comum afirmar que embarcamos num processo de desindustrialização provocado pela baixa competitividade da indústria brasileira. Em apoio a essa tese se aponta que vamos encerrar 2012 com a produção industrial em queda de quase 2,5% em relação a 2011. Com isso, a participação da produção industrial deverá se acentuar este ano, passando a contribuir com pouco mais de 22% para a formação do PIB. Nesse quadro, tem especial relevância a queda na produção de bens de capital, que, até outubro, havia encolhido quase 12% na comparação com janeiro/outubro de 2011.

A perda de competitividade tem sido geralmente ilustrada pela comparação dos preços dos produtos industriais brasileiros com seus congêneres estrangeiros. Um exemplo bom realça essa forma de argumentar - tomando por base os dados apresentados em matéria de Sílvio Guedes Crespo, aqui mesmo no Estado.

O Ford Focus Sedan custava com impostos, em dezembro de 2011, R$ 56.830 no Brasil e R$ 30.743 nos EUA. O modelo brasileiro custava quase 85% a mais que o seu equivalente americano. O Fiat Punto 1.4 modelo 2012 saía por R$ 40.308 no País. Na Europa, o preço era de R$ 30 mil com impostos - uma diferença de 26% a mais.

Os números, contudo, mudam quando as diferenças de tributação são levadas em conta. A diferença nos preços sem impostos do Ford Focus nos dois países cai para 22%. No caso do Fiat Punto, a diferença passa a ser ainda menor, de 12%. Um último exemplo: o Volkswagen Golf, sem impostos nas duas localidades, teria uma diferença de preços da ordem de 12,5%.

É claro que persiste uma diferença, maior no caso do modelo americano e menor nos europeus. Excluída a diferença de cargas tributárias no Brasil e no exterior, o que explicaria essa diferença? Seria a desvantagem competitiva da indústria nacional?

Há sempre a tentação de explicar a discrepância dos preços pela maior margem de lucro no Brasil com relação às praticadas na Europa e nos EUA. A favor desse argumento se aponta a maior margem de proteção alfandegária e não alfandegária à produção nacional. É possível que haja algo de verdade nesse argumento. Mas há outros fatores que devem ser também considerados.

O grau de penetração dos insumos importados utilizados na produção nacional - especialmente partes e componentes - subiu muito nas duas últimas décadas. Os custos portuários brasileiros oneram de forma significativa a importação desses componentes. Uma indicação disso é o custo de manuseio de um contêiner no Brasil comparado com os custos em portos no exterior. Em Santos, o custo é de US$ 250; em Roterdã, US$ 75; e em Xangai, US$ 75.

O transporte rodoviário também onera de forma diferenciada o preço ao consumidor final. Não há como comparar o transporte por nossa combalida malha rodoviária de um veículo produzido em São Paulo ou Contagem para Porto Alegre ou Rio de Janeiro, com trajeto semelhante entre os países europeus.

Também não há como comparar os custos regulatórios, burocráticos e de prestação fiscal no País com os concorrentes europeus. E nos EUA são quase inexistentes. Pior que isso, as taxas de juros que oneram o custo do capital de giro das empresas brasileiras estão anos-luz acima de seus congêneres europeus e americanos - 40% ao ano no Brasil em comparação com 8% a 15% lá, dependendo da qualidade do tomador.

Utilizei como exemplo o segment0 automotivo por facilidade de comparação entre o produto nacional e o estrangeiro. As considerações aqui feitas se aplicam também a uma enorme gama de outros produtos industriais.

Não gostaria que o leitor ficasse com a impressão que me baixou o espírito do conde Afonso Celso e que escrevi uma versão atualizada do seu Porque me ufano do meu país. Não deixei de levar em consideração a diferença de escala de nossa indústria e das congêneres estrangeiras; nem ignorei a maior flexibilidade do mercado de trabalho nos EUA na composição do custo da indústria. Apenas procurei enfatizar que os problemas de competitividade da indústria brasileira estão em grande parte associados às circunstâncias nacionais - a carga tributária escandinava, os custos da logística, as altas taxas de juros praticadas no mercado. Nossa indústria não é ruim, como querem nos fazer crer.