LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO
O Supremo Tribunal Federal julga, com o acompanhamento da sociedade e da mídia, o processo conhecido como "mensalão" (AP 470). Nos últimos dias, o tema dos debates foi: quais seriam as consequências da condenação pela suspensão dos direitos políticos dos condenados? Haveria perda imediata dos mandatos parlamentares, como consequência da suspensão dos direitos políticos dos condenados, ou a Câmara dos Deputados deveria se manifestar sobre o tema? A discussão no STF gerou uma manifestação do presidente da Câmara, que entende que somente a casa poderia decidir sobre o tema, aplicando a pena da perda do mandato. De outro lado, quatro ministros já decidiram que a perda dos direitos políticos, declarada em sentença, já seria suficiente para a cessação do mandato parlamentar. Falta o último voto que, provavelmente, será lançado nesta semana pelo ministro Celso de Mello.
A decisão do STF determinou, pela qualidade dos crimes, a suspensão dos direitos políticos. Não é hipótese de cassação por falta de decoro, mas como decorrência de sentença. Imaginemos que um parlamentar fosse condenado por um comportamento menos grave. E, na sentença, não houvesse menção à perda dos direitos políticos. Não houve, no caso, nenhum problema com probidade ou improbidade administrativa. Nesse caso, a Câmara (ou o Senado) debateria sobre a conveniência ou não da perda do mandato. Aplica-se o artigo 55, parágrafo segundo, da Constituição. A casa à qual pertence o parlamentar decide se é conveniente ou não tê-lo como titular de mandato parlamentar, como deputado federal ou senador. A votação é secreta e o quórum é de maioria absoluta. E há garantia da ampla defesa. Outro caso de perda de mandato, como estamos vendo, é a decisão judicial que determina a suspensão dos direitos políticos. Nesse caso, o Poder Judiciário, por sentença, reconhece, com fundamento na lei, que determinada pessoa não está em condições de participar da vida política, pela falta que cometeu. Assim, na própria sentença reconhece a suspensão dos direitos políticos do condenado. Além de outras penas privativas da liberdade, a lei determina que, em certos casos, seja decretada a suspensão dos direitos políticos.
São situações distintas, portanto. A primeira depende de manifestação da Casa Legislativa que julgará conveniência e oportunidade da permanência do mandato. O povo pode discordar da decisão (e quantas vezes já discordou!), mas o órgão competente para decidir é a Casa Legislativa.
A segunda hipótese é aquela em que a decisão judicial já traz a pena da suspensão dos direitos políticos. Aí não há que permitir à Casa Legislativa decidir. Já houve decisão do Poder Judiciário transitada em julgado. Ou seja, o poder competente para decidir (como era competente, na hipótese anterior, o Poder Legislativo) já resolveu que o réu parlamentar não tem condições de exercer seu mandato. E decidiu diante dos termos da lei e da Constituição. Dessa forma, portanto, não há que discutir, mas cumprir. A ampla defesa assegurada cuidará apenas de ver se já há trânsito em julgado da decisão.
Poderia o presidente da casa não dar sequência à determinação do Judiciário? Evidente que não. O ato, no caso, é vinculado, como já decidiu o próprio STF em 2006. O presidente da Câmara deve aplicar a perda do mandato. Não tem escolha.
A Constituição cuidou de garantir as funções de cada poder, preservando a separação de funções. No caso, o reconhecimento da suspensão dos direitos políticos seria ato do Judiciário. No entanto, o reconhecimento da perda do mandato parlamentar seria ato legislativo. Mas vinculado, ou seja, não há outro caminho para a presidência da Câmara. Não pode desobedecer à decisão judicial. Não é juízo de conveniência, como no primeiro caso. Já há decisão com trânsito em julgado. O parlamentar, que tem assegurada a ampla defesa, se defende do cumprimento formal, não substancial.
Pode o STF modificar tal entendimento, nos próximos dias, com o voto final de Celso de Mello, entendendo que a suspensão dos direitos políticos, por sentença, já provocaria a perda de mandato, o que abreviaria o cumprimento da sentença. Ou pode manter a jurisprudência da corte, entendendo que deve ser oficiado o presidente da Casa Legislativa para que, sem discussão, cumpra a decisão judicial. Vencida a primeira tese (aplicação imediata), o parágrafo terceiro do artigo 55 seria aplicado aos outros casos.
* LUIZ ALBERTO DAVID ARAUJO É PROFESSOR TITULAR DA PUC-SP, DOUTOR E LIVRE DOCENTE EM DIREITO CONSTITUCIONAL
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