quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O sucesso do fracasso, por Sérgio Malbergier, na FSP



Só tem uma coisa mais perigosa do que um desenvolvimentista convicto: um desenvolvimentista desesperado.
Diante do biênio perdido do governo Dilma, com crescimento pífio que não deve passar muito de 1% neste ano, se tanto, os timoneiros à frente da política econômica nacional, sob forte pressão da presidenta economista-em-chefe, radicalizam a fé cega de que cabe ao Estado fazer o país crescer. Isso foi claro nos dois primeiros anos do governo Dilma e, após o fracasso dessa visão, ela está sendo... reforçada. A caixa de bondades (e maldades) foi aberta.
O tiro mais feio até aqui veio do ministro da Fazenda e desenvolvimentista-mor, Guido Mantega, que acusou o IBGE de errar o cálculo do PIB do terceiro trimestre deste ano.
Se os empresários nacionais e estrangeiros têm já enorme desconfiança no centralismo (para alguns, autoritarismo) econômico da gestão Dilma, o cheiro de argentinização infestou o ar, pois é no decadente país vizinho que os índices econômicos passaram a ser manipulados pelo governo e perderam a credibilidade.
Por aqui, depois do biênio perdido, governar-se-á desesperadamente pelo PIB confortável para uma presidenta em campanha de reeleição. Como se esse número, calculado até agora de forma independente pelo IBGE, fosse mais importante do que o ambiente de negócios no país, a eficiência judiciária, a inteligência tributária.
A necessidade de redução do custo da energia, por exemplo, unanimidade nacional, veio da forma mais truculenta possível, com o governo impondo às empresas do setor redução de ganhos. Quando algumas empresas se negaram a aceitar o plano, Dilma as acusou de antipatriotas por fazerem política sobre o assunto (quando é ela quem o está fazendo). É um quadro que assusta os investidores, já que o que os move, naturalmente, é o lucro.
O curioso é que o governo fez muito do que boa parte do empresariado pedia: quebrou a espinha dorsal dos juros altos, depreciou o real para ajudar os exportadores, tomou medidas protecionistas para barrar importações, impôs custosas reservas de mercado em setores sensíveis como o petróleo. E nada do empresário, nacional e estrangeiro, investir.
Agora anunciou mais R$ 100 bilhões do BNDES para promover o investimento no país. "É o melhor instrumento para financiar investimento que já tivemos no Brasil, com taxas reduzidas e prazos elevados", argumentou o ministro Mantega, que previu crescimento de 4% neste ano e deve entregar menos de 1,5%.
É notável nesse desenvolvimentismo tropi-keynesiano como o governo dos sindicalistas enxuga o dinheiro dos trabalhadores para dá-lo aos grandes empresários do país a uma taxa de juros negativa, abaixo da inflação. O dinheiro do BNDES em boa parte é dinheiro do trabalhador, oriundo do FGTS recolhido compulsoriamente dos salários. Se esses recursos sequestrados fossem investidos no (desculpem o palavrão) mercado, renderiam muito mais do que rendem sob a administração do governo.
Sob Dilma, o viés de Estado virou fato. Ele começou a se formar com a crise 2008-2009, no fim da Era Lula, tornou-se hegemônico com Dilma e está sendo paradoxalmente reforçado pelo seu fracasso.
Sérgio Malbergier
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve às quintas no site da Folha.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Arranha-céus - MARCOS AUGUSTO GONÇALVES


FOLHA DE SP - 03/12


Construir "espigões" passou a ser politicamente incorreto. Igual plantar eucalipto


Faz um dia radioso e aqui estou eu, no alto do edifício Martinelli, esquina da rua Libero Badaró com a velha ladeira de São João, sobre a colina que se ergue entre os vales do Anhangabaú e Tamanduateí -o coração de São Paulo. São Bento, rua 15, rua Direita, sente-se neste belo pedaço de cidade a espessura histórica da vila dos jesuítas que se transformou em capital do café, metrópole industrial e centro financeiro.

Foi ali que um imigrante italiano, Giuseppe Martinelli, deu início, em 1924, à construção do arranha-céu, idealizado para ser o primeiro do Brasil e o "maior da América do Sul" -como diziam os jornais à época.

O prédio, projetado pelo arquiteto húngaro William Fillinger, da Academia de Belas Artes de Viena, foi concluído em 1929. Naquela época tocava-se no Rio um empreendimento semelhante, o edifício A Noite, na região portuária -obra do francês Joseph Gire e do brasileiro Elisiário da Cunha Bahiana. O arranha-céu carioca, que vai ser restaurado, apareceu recentemente na imprensa como "o primeiro da América Latina". Fiquei surpreso. O Martinelli, então, teria vindo depois?

Eis que, coincidentemente, encontro em São Paulo, o artista plástico Robero Cabot, na galeria Nara Roesler, onde ele participa de uma mostra inspirada na "op art", com curadoria de Vik Muniz. Muito boa, por sinal. Meu caro Cabot é bisneto de Gire e coordena o projeto de um livro sobre a obra do arquiteto no contexto arquitetônico da época.

Ele me diz que o arranha-céu carioca foi, na realidade, inaugurado depois do paulistano. "Tudo indica que foi em 1930. Pelo menos em 1929, não foi. Tenho cartas de meu avô, de 29, reclamando do andamento das obras".

Consta que Martinelli e Gire competiram ao longo da construção e que o italiano teria mandado fazer sua casa na cobertura do prédio para torná-lo o mais alto do país, suplantando o rival do Rio.

Ano a mais, ano a menos, andar a mais, andar a menos, o fato é que o Martinelli e o A Noite são marcos arquitetônicos do nascente processo de verticalização pelo qual passariam as duas grandes cidades nos anos seguintes, a exemplo do que já ocorria em outros lugares do mundo, a começar pelos Estados Unidos, os inventores do "skycraper".

Curiosamente, de décadas para cá, foi-se consagrando a ideia de que a verticalização é um mal. Construir "espigões" passou a ser politicamente incorreto. Igual plantar eucalipto. Não há dúvida de que a anarquia e a truculência da especulação imobiliária estimularam essa reação, no fundo sentimental e nostálgica.

Está claro, hoje, que é preciso verticalizar de maneira planejada. Como aproveitar a infraestrutura do centro expandido para ampliar oferta de moradia? O movimento de empurrar populações de baixa renda para as periferias tem que ser invertido, e isso não vai acontecer com a construção de casinhas. Avenidas como a Rio Branco, por exemplo, poderiam ser mais verticalizadas.

São Paulo está mudando. A metrópole fabril dá lugar à de serviços e as ruínas da industrialização são a base para construção da nova cidade. Há boa oportunidade para propostas inteligentes e ambiciosas, que pensem no entorno, na oferta de comércio e na convivência de pessoas de renda e classes diferentes.

A boa notícia é que esses projetos já existem e são grandes as chances de que venham a ser implantados nos próximos anos.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A traição do PT


Dizia um velho e caro amigo que a corrupção é igual à graxa das engrenagens: nas doses medidas põe o engenho a funcionar, quando é demais o emperra de vez. Falava com algum cinismo e muita ironia. Está claro que a corrupção é inaceitável in limine, mas, em matéria, no Brasil passamos da conta.
Permito-me outra comparação. A corrupção à brasileira é como o solo de Roma: basta cavar um pouco e descobrimos ruínas. No caso de Roma, antigos, gloriosos testemunhos de uma grande civilização. Infelizmente, o terreno da política nativa esconde outro gênero de ruínas, mostra as entranhas de uma forma de patrimonialismo elevado à enésima potência.
Constatação. Apresentamos o verdadeiro relator da CPI do Cachoeira. Foto: Monique Renne/ D.A Press
A deliberada confusão entre público e privado vem de longe na terra da casa-grande e da senzala e é doloroso verificar que, se o País cresce, o equívoco fatal se acentua. A corrupção cresce com ele. Mais doloroso ainda é que as provas da contaminação até os escalões inferiores da administração governamental confirmem o triste destino do PT. No poder, porta-se como os demais, nos quais a mazela é implacável tradição.
Assisti ao nascimento do Partido dos Trabalhadores ainda à sombra da ditadura. Vinha de uma ideia de Luiz Inácio da Silva, dito Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo até ser alvejado por uma chamada lei de segurança nacional. A segurança da casa-grande, obviamente.
Era o PT uma agremiação de nítida ideo­logia esquerdista. O tempo sugeriu retoques à plataforma inicial e a perspectiva do poder, enfim ao alcance, propôs cautelas e resguardos plausíveis. Mantinha-se, porém, a lisura dos comportamentos, a limpidez das ações. E isso tudo configurava um partido autêntico, ao contrário dos nossos habituais clubes recreativos.
O PT atual perdeu a linha, no sentido mais amplo. Demoliu seu passado honrado. Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles que partidos nunca foram. Seu maior líder, ao se tornar simplesmente Lula, fez um bom governo, e com justiça ganhou a condição de presidente mais popular da história do Brasil. Dilma segue-lhe os passos, com personalidade e firmeza. CartaCapital apoia a presidenta, bem como apoiou Lula. Entende, no entanto, que uma intervenção profunda e enérgica se faça necessária PT adentro.
Tempo perdido deitar esperança em relação a alguma mudança positiva em relação ao principal aliado da base governista, o PMDB de Michel Temer e José Sarney. E mesmo ao PDT de Miro Teixeira, o homem da Globo, a qual sempre há de ter um representante no governo, ou nas cercanias. Quanto ao PT, seria preciso recuperar a fé e os ideais perdidos.
Cabe dizer aqui que nunca me filiei ao PT como, de resto, a partido algum. Outro excelente amigo me define como anarcossocialista. De minha parte, considero-me combatente da igualdade, influenciado pelas lições de Antonio Gramsci, donde “meu ceticismo na inteligência e meu otimismo na ação”. Na minha visão, um partido de esquerda adequado ao presente, nosso e do mundo, seria de infinda serventia para este País, e não ouso afirmar social-democrático para que não pensem tucano.
O PT não é o que prometia ser. Foi envolvido antes por oportunistas audaciosos, depois por incompetentes covardes. Neste exato instante a exibição de velhacaria proporcionada pelo relator da CPI do Cachoeira, o deputado petista Odair Cunha, é algo magistral no seu gênero. Leiam nesta edição como se deu que ele entregasse a alma ao demônio da pusilanimidade. Ou ele não acredita mesmo no que faz, ou deveria fazer?
Há heróis indiscutíveis na trajetória da esquerda brasileira, poucos, a bem da sacrossanta verdade factual. No mais, há inúmeros fanfarrões exibicionistas, arrivistas hipócritas e radical-chiques enfatuados. Nem todos pareceram assim de saída, alguns enganaram crédulos e nem tanto. Na hora azada, mostraram a que vieram. E se prestaram a figurar no deprimente espetáculo que o PT proporciona hoje, igualado aos herdeiros traidores do partido do doutor Ulysses, ou do partido do engenheiro Leonel Brizola, ­obrigados, certamente, a não descansar em paz.
Seria preciso pôr ordem nesta orgia, como recomendaria o Marquês de Sade, sem descurar do fato que algo de sadomasoquista vibra no espetáculo. Não basta mandar para casa este ou aquele funcionário subalterno. Outros hão de ser o rigor, a determinação, a severidade. Para deixar, inclusive, de oferecer de graça munição tão preciosa aos predadores da casa-grande.