Só tem uma coisa mais perigosa do que um desenvolvimentista convicto: um desenvolvimentista desesperado.
Diante do biênio perdido do governo Dilma, com crescimento pífio que não deve passar muito de 1% neste ano, se tanto, os timoneiros à frente da política econômica nacional, sob forte pressão da presidenta economista-em-chefe, radicalizam a fé cega de que cabe ao Estado fazer o país crescer. Isso foi claro nos dois primeiros anos do governo Dilma e, após o fracasso dessa visão, ela está sendo... reforçada. A caixa de bondades (e maldades) foi aberta.
O tiro mais feio até aqui veio do ministro da Fazenda e desenvolvimentista-mor, Guido Mantega, que acusou o IBGE de errar o cálculo do PIB do terceiro trimestre deste ano.
Se os empresários nacionais e estrangeiros têm já enorme desconfiança no centralismo (para alguns, autoritarismo) econômico da gestão Dilma, o cheiro de argentinização infestou o ar, pois é no decadente país vizinho que os índices econômicos passaram a ser manipulados pelo governo e perderam a credibilidade.
Por aqui, depois do biênio perdido, governar-se-á desesperadamente pelo PIB confortável para uma presidenta em campanha de reeleição. Como se esse número, calculado até agora de forma independente pelo IBGE, fosse mais importante do que o ambiente de negócios no país, a eficiência judiciária, a inteligência tributária.
A necessidade de redução do custo da energia, por exemplo, unanimidade nacional, veio da forma mais truculenta possível, com o governo impondo às empresas do setor redução de ganhos. Quando algumas empresas se negaram a aceitar o plano, Dilma as acusou de antipatriotas por fazerem política sobre o assunto (quando é ela quem o está fazendo). É um quadro que assusta os investidores, já que o que os move, naturalmente, é o lucro.
O curioso é que o governo fez muito do que boa parte do empresariado pedia: quebrou a espinha dorsal dos juros altos, depreciou o real para ajudar os exportadores, tomou medidas protecionistas para barrar importações, impôs custosas reservas de mercado em setores sensíveis como o petróleo. E nada do empresário, nacional e estrangeiro, investir.
Agora anunciou mais R$ 100 bilhões do BNDES para promover o investimento no país. "É o melhor instrumento para financiar investimento que já tivemos no Brasil, com taxas reduzidas e prazos elevados", argumentou o ministro Mantega, que previu crescimento de 4% neste ano e deve entregar menos de 1,5%.
É notável nesse desenvolvimentismo tropi-keynesiano como o governo dos sindicalistas enxuga o dinheiro dos trabalhadores para dá-lo aos grandes empresários do país a uma taxa de juros negativa, abaixo da inflação. O dinheiro do BNDES em boa parte é dinheiro do trabalhador, oriundo do FGTS recolhido compulsoriamente dos salários. Se esses recursos sequestrados fossem investidos no (desculpem o palavrão) mercado, renderiam muito mais do que rendem sob a administração do governo.
Sob Dilma, o viés de Estado virou fato. Ele começou a se formar com a crise 2008-2009, no fim da Era Lula, tornou-se hegemônico com Dilma e está sendo paradoxalmente reforçado pelo seu fracasso.
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve às quintas no site da Folha.
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