terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Uma nova proposta


Adib D. Jatene
A discussão sobre a falta de médicos para atuar na periferia das grandes cidades ou em municípios remotos, ambos carentes desses profissionais, vem mobilizando todos os administradores públicos, especialmente os prefeitos, que não conseguem contratá-los para o Programa Saúde da Família (PSF), mesmo oferecendo remuneração igual ou superior a R$ 10 mil mensais. A proposta de algumas importantes figuras da administração é ampliar a oferta de vagas pela abertura de novos cursos e, simultaneamente, importar médicos formados no exterior.
Mas nenhuma dessas propostas seria capaz de corrigir a demanda atual.
Novos cursos só vão formar médicos após seis anos. Formar novos médicos no sistema atual significa considerar a residência médica indispensável. Porém o número de vagas para residência, apesar das 1.260 criadas recentemente pelo Ministério da Saúde, é ainda inferior ao número de graduandos. Também a residência médica existe apenas em grandes hospitais, que utilizam toda a moderna tecnologia. Desse modo, a residência médica forma especialistas e subespecialistas que não vão trabalhar com a população carente, mas agravar as distorções, indo atuar em áreas mais ricas e centrais das cidades.
Por outro lado, importar médicos envolve grande risco, desde que essa importação não seja feita de países onde o ensino médico prime pela qualidade.
Existe contingente significativo de alunos brasileiros buscando sua graduação em países onde há facilidade de ingresso e cujos cursos não formam o profissional com a qualidade mínima exigida. Uma vez formados, querem exercer a atividade no Brasil. A tentativa de acordos bilaterais reconhecendo automaticamente os diplomas tornou-se inviável, levando os Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde a elaborar o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida), para uniformizar os critérios nas universidades federais encarregadas dessa revalidação. Uma proposta ouvida no MEC é de que tais profissionais poderiam trabalhar por dois anos, sob supervisão de tutores, e só depois prestar o exame para revalidação. Propõem até reduzir as exigências do Revalida para facilitar a aprovação, o que nos parece inadmissível.
Nenhuma dessas duas propostas, portanto, resolveria o nosso problema.
Entendo que é o momento de propor um pré-requisito para a residência médica: cumprir dois anos no Programa Saúde da Família, supervisionado pela sua escola. Isso traria impacto de três ordens: fornecer o profissional para locais pouco atrativos, envolver a escola na assistência e reformar o ensino médico.
Diante da gravidade da situação em que nos encontramos, é ingênuo pensar que mantendo a situação atual se consiga corrigir as desigualdades. São necessárias medidas que podem ser consideradas radicais para mudar. Vivemos um tempo de mudança e o ensino médico deve mudar pensando na população desassistida, cuja condição precisa ser recuperada.
Parto do pressuposto de que nenhum país do mundo, mesmo gastando mais de US$ 7 mil per capita por ano, consegue oferecer a moderna tecnologia a todos indistintamente (assinale-se que gastamos menos de US$ 900 per capita). Mesmo porque 80% dos casos, que procuram o médico, podem ser tratados sem esses recursos, que, entretanto, devem ser postos à disposição de quem deles precisa.
Assim, o curso médico deve formar um profissional capaz de atender um paciente em situação de emergência e em situação eletiva, basicamente fazendo diagnóstico e orientando a terapêutica com base em história clínica detalhada e nos sinais obtidos pelo exame físico. Essa característica da Semiologia se está perdendo, já que é mais fácil lançar mão de exames de imagem.
Mas para o curso formar um profissional é preciso que se garanta um exercício da atividade onde, com esses pressupostos, ele poderia atuar. É necessário expor o recém-formado a atuar junto à população, supervisionado pela sua escola, antes de induzi-lo a escolher uma área de especialidade, o que, ao fim, é o que faz a residência médica.
De pouco adianta preparar esse médico se o enviarmos diretamente para a residência, que só existe em hospitais que detêm toda a tecnologia e onde se internam os 20% que necessitam dela. Antes de o curso preparar especialistas precoces, deve fazê-los atuar como médicos capazes de atender a população, sem usar a moderna tecnologia.
Além da supervisão pela sua escola, esses médicos devem contar com especialistas na área em que atuam e com possibilidade de leitos para eventuais internações, constituindo uma rede de serviços assistenciais. Para que a proposta se torne eficaz é ainda necessário corrigir a desigualdade na oferta de vagas.
Enquanto no Tocantins existe uma vaga para cada 4.068 habitantes e em Minas Gerais, uma para 6.665, em São Paulo há uma vaga para 13.193 e no Pará, uma para 19.456. Nas regionais de São Paulo a mesma desigualdade se verifica. Enquanto a regional de São José do Rio Preto tem uma vaga para 3.391 habitantes, a de Ribeirão Preto dispõe de uma para 4.712, a regional da Grande São Paulo conta com uma para 20.700 e a regional de São José dos Campos, uma para 28.957.
O médico recém-formado deve estar pronto, ao sair da escola, para trabalhar junto à população no PSF, por dois anos, como pré-requisito para buscar a residência médica. Assinale-se que quando eu cursei a Faculdade de Medicina, de 1948 a 1953, o curso era de seis anos. Hoje continua de seis anos, mas assistimos a uma avassaladora acumulação de conhecimento e tecnologia.
E o modelo deve abranger todos os recém-formados. Dessa forma, se tomarmos como parâmetro o último ano, em que mais de 13 mil médicos foram formados em dois anos, cobriríamos toda a demanda para uma área que não é atrativa, mas precisa ser atendida.
*  CARDIOLOGISTA, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, DIRETOR-GERAL DO HOSPITAL DO CORAÇÃO, FOI MINISTRO DA SAÚDE 

Cesp rejeita renovação de concessões


O Estado de S.Paulo
A revisão do valor de indenização e a decisão do governo de ressarcir as geradoras pelos investimentos feitos em ampliações, reformas, melhorias e modernizações não convenceram a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) a antecipar a renovação das concessões com vencimentos em 2015. Em assembleia realizada ontem, os acionistas recusaram a renovação, até mesmo da Hidrelétrica de Três Irmãos, cujo contrato venceu em dezembro de 2011. Ou seja, a usina já poderá ser retomada pela União.
"Não concordamos com os valores de indenização. Ainda não sabemos como, mas vamos ter de contestar", afirmou o presidente da estatal, Mauro Arce. A decisão da Cesp é um balde de água fria nos planos da presidente Dilma Rousseff, que prometeu em rede nacional reduzir a conta de luz do brasileiro, em média, em 20%. O governo apostava que, com as últimas mudanças promovidas, teria uma adesão maciça das empresas.
Agora terá de lançar mão de um plano B, com redução de impostos e encargos, para garantir o desconto na tarifa e compensar as empresas que não aceitaram antecipar a renovação. Antes da Cesp, a Cemig já havia recusado renovar a concessão de três hidrelétricas - medida que reduziu em um ponto porcentual o corte na conta de luz. Em relação aos demais ativos, a estatal mineira deixou para hoje a decisão de renovar ou não os contratos.
Na direção oposta, a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP), que em novembro recomendou aos acionistas a não renovação dos ativos, ontem voltou atrás e decidiu aceitar a proposta do governo. Em nota, a empresa afirmou que, após análise dos estudos apresentados pela diretoria e da nova proposta do governo, que dá direito à indenização de ativos anteriores a 2000, os acionistas aprovaram a prorrogação.
Com as mudanças feitas pelo governo, a renovação das instalações de transmissão se mostrou mais vantajosa do que a das geradoras. Na sexta-feira, a Companhia Paranaense de Energia (Copel), por exemplo, aprovou a renovação da rede de transmissão e reprovou a prorrogação dos contratos de quatro usinas.
Enquanto isso, na Eletrobrás não há dúvidas. Como já havia antecipado, a estatal vai renovar o contrato das subsidiárias Furnas, Chesf e Eletronorte. A empresa acredita que a nova proposta de indenizar ativos de transmissão anteriores a 2000 vai elevar de forma significativa o montante a receber pela estatal. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da empresa, Armando Casado, as linhas valem hoje, em valores contábeis, cerca de R$ 11 bilhões.
Para Mauro Arce, a Cesp continuará aberta a novas conversas com o governo. Mas, nas condições atuais, a renovação não é vantajosa. A receita anual da companhia iria para R$ 184 milhões, mas o custo real é de R$ 270 milhões. / RENÉE PEREIRA, EDUARDO RODRIGUES e WELLINGTON BAHNEMANN


Texto atualizado às 19h50
BRASÍLIA - O governo prevê a redução de 16,7% nas tarifas de energia elétrica a partir de 2013, considerando que 100% das concessões de transmissão com vencimento entre 2015 e 2017 foram renovadas e 60% das de geração, informou o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann nesta terça-feira. A expectativa do governo era de que a conta de luz pudesse ser reduzida em cerca de 20% para clientes residenciais e industriais. 
Desse total de 16,7%, segundo o governo, 7 pontos porcentuais (pp) virão da diminuição dos encargos setoriais; 4,5 pp da queda das receitas em transmissão; e 5,1 pp da redução das tarifas de geração. Se todas as companhias tivessem aderido ao pacote, a contribuição na geração seria de 8,5 pp, o que faria com que a redução alcançasse os 20% previstos pelo Planalto.
Segundo o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, esse desconto virá nas contas de março, pois o recolhimento de alguns desses encargos deixará de ser feito a partir desse mês.
Zimmermann responsabilizou as companhias estaduais Cesp, Copel e Cemig pela queda menor no valor da energia. "Essa diferença se deve às decisões da Cesp, Copel e Cemig", afirmou Zimmermann.
Segundo o secretário-executivo, assim como todo o País, a população dos Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais também será penalizada pelas decisões de suas próprias companhias. "Não se entende a lógica que levou essas empresa tradicionais a não renovarem", afirmou. "As companhias não priorizaram o aspecto de trabalhar em um grande mercado como o brasileiro."
Na área de transmissão, todas as nove empresas que possuíam concessões assinaram os contratos. São elas: Celg, Cemig, Eletronorte, CTEEP, CEEE, Chesf, Copel, Eletrosul e Furnas. Já no setor de geração, as empresas que não aceitaram as condições propostas pelo governo foram Cemig, Cesp e Copel.
Do total de 25.452 megawatts que o conjunto dessas usinas representava, 15.301 megawatts foram renovados nas condições que o governo apresentou.
Novo leilão
Hubner afirmou ainda que as empresas que não renovaram os contratos de concessão são obrigadas a administrarem os ativos até que o governo faça um novo leilão. A usina de Três Irmãos, controlada pela Cesp, deverá passar por uma relicitação já no primeiro semestre de 2013. Já a usina de Jaguara, da Cemig, deve passar pelo processo na segunda metade do próximo ano.
"Empresa tem que administrar até o fim ou avisar ao governo que irá sair. Também podemos antecipar esse processo e assumirmos as usinas imediatamente", afirmou Hubner.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, disse que as companhias podem até procurar a Justiça para tentar manterem esses ativos, mas o governo está seguro. "As empresas que não renovaram têm o direito a entrar na Justiça, mas as usinas são bens públicos. Estamos tranquilos em relação a isso, pois está na Constituição", completou.
Tomalsquim disse ainda que a disputa por essas usinas em um novo leilão poderá até reduzir ainda mais as tarifas de geração nesses empreendimentos. "A decisão dessas empresas é ruim pro País, mas pode ser ruim até mesmo do ponto de vista empresarial", afirmou o presidente da EPE, prevendo grande disputa por esses ativos.
Isso porque o próprio Hubner cravou que a Eletrobras irá participar desses próximos leilões. Segundo o diretor da Aneel, como essas usinas serão bastante atrativas, um novo de nicho de mercado poderá ser criado, atraindo novas companhias para o setor. "Não é preciso estar nem capitalizado, pois há financiamento disponível para a operação. E como não é preciso construir as usinas; é só chegar, administrar e receber", completou.
(Com Anne Warth e Eduardo Rodrigues, da Agência Estado)

O capital do PT


José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
Em 2012, o PT tornou-se o maior partido do Brasil em votos recebidos, eleitorado a governar e dinheiro arrecadado. O partido completa 10 anos de governo federal - o maior tempo contínuo de um mesmo grupo político no poder em períodos de democracia plena. Conquistou a maior cidade do país. A presidente está no auge da popularidade e tem quase 80% de apoio no Congresso, em média. Os dois favoritos para 2014 são do PT.
Reserva moral do PSDB - nas palavras de José Serra -, Fernando Henrique Cardoso descreve sua melancolia com a política partidária e defende a necessidade de "bradar e mostrar indignação e revolta, ainda que pouco se consiga de prático". Quando a oposição está melancólica, a situação deveria estar exultante. Só que não.
O PT não sai das manchetes, mas por causa do outro lado da força. Condenada pelos ministros que pôs no Supremo Tribunal Federal, a cúpula que levou o partido ao sucesso vê-se na incômoda perspectiva de exercer o poder desde a cadeia. É um preço caro a pagar. Provavelmente caro demais.
As contradições entre o primeiro e o terceiro parágrafos alimentam a especulação: estará o PT no cume à beira do precipício? Ou desfruta a segurança de um espaçoso planalto?
No que depender das previsões das consultorias econômicas e dos "pundits" brasilienses, a derrocada é logo ali na frente. O problema é que se tem mais chance de êxito apostando num cara ou coroa do que acreditando nas projeções de especialistas. Melhor olhar para trás e tentar entender como chegamos aqui.
A estabilização econômica propiciou a emergência de um mercado interno grande e ativo. Aumentos reais do salário mínimo diminuíram a desigualdade de renda e deram lastro para a popularização do crédito. A redução das taxas de juros rompeu o dique financeiro e deixou o dinheiro irrigar a economia. Nada disso é monopólio petista, mas foi o PT que, por oportunidade ou competência, melhor faturou eleitoralmente o processo.
Partidarizar ideias que são patrimônio nacional as enfraquece. Mercado de consumo de massa, menos desequilíbrio entre capital e trabalho, e diminuição da desigualdade de renda são conceitos sempre vulneráveis à reação de quem só se beneficia do mercado de luxo exclusivista, do "rentismo" e do "apartheid" social.
Há cada vez mais desinibidas declarações de que o aumento do salário mínimo é o problema e não a solução, de que há crédito demais para os pobres, de que bom mesmo era quando se podia ir a Paris ou Nova York sem correr o risco de ouvir português na rua.
É coincidência que essa desinibição suceda as condenações pelo STF dos malfeitos petistas? Ou que esteja entremeada a notícias de Pajeros, propinas e patifarias de parasitas do poder que tiveram sua janela de oportunidade durante o mandato do PT?
O risco embutido nos desmandos é que após a condenação das pessoas venha a condenação das ideias que mantiveram seus correligionários no poder. Mesmo que essas ideias não lhes pertençam, nem que elas, por si, tenham qualquer coisa a ver com a corrupção de quem as defendeu eleitoralmente.
Para o grosso da população, mais importante do que quem comanda do barco é que o caminho percorrido desde 1994 não seja interrompido ou, pior, feito em marcha à ré.
Dinheiro e poder. O PT lucrou com o poder. O partido movimentou R$ 1 bilhão na campanha de 2012. Foi a legenda que mais cresceu em arrecadação desde 2008: R$ 362 milhões a mais. Sua fatia cresceu no bolo financeiro dos partidos e a isso corresponderam mais prefeituras e vereadores. PSDB e PMDB arrecadaram proporcionalmente menos e viram sua influência municipal murchar. Dinheiro é voto.
Nem tanto ao precipício, nem tanto ao planalto. O PT tornou-se o maior partido em votos e eleitorado a governar, mas eles são apenas 20% do Brasil. Sua arrecadação é recorde, mas não passou de 17% do total. A presidente tem 80% de apoio no Congresso, mas perde votações com frequência, porque sua base parlamentar é movediça e infiel. Não há poder absoluto nem eterno.
Popularidade e favoritismo a dois anos da eleição valem tanto quanto ser o campeão do primeiro turno em campeonato por pontos corridos: nada - o Atlético Mineiro que o diga.