terça-feira, 13 de novembro de 2012

A hora do Neto


ANTONIO RISÉRIO
Eleição é escolha - logo, comparação, confronto. O candidato não existe sozinho, nem a vácuo. Foi assim que Marcelo Freixo pôde se projetar como chama inovadora na paisagem eleitoral do Rio. Que Haddad afirmou sua total superioridade sobre Serra, um político que optou pelo caminho da autodeterioração, com uma impressionante capacidade para mentir. Que, em Salvador, o neto de Antônio Carlos Magalhães entrou em cena. E o termo de comparação foi o pior possível: o candidato do PT, Nelson Pelegrino, sujeito tosco, despreparado para tudo.
Marcelo Freixo pôde se projetar como chama inovadora na paisagem eleitoral do Rio - Renato Araújo/Agência Câmara
Renato Araújo/Agência Câmara
Marcelo Freixo pôde se projetar como chama inovadora na paisagem eleitoral do Rio
Pouco antes de votar, minha mulher, Sara Victoria, com sua história familiar comunista, me surpreendia: "Vou votar em Neto porque ele tem obrigação moral de fazer alguma coisa. Pelegrino não tem obrigação, nem sabe o que é moral". Por que "obrigação moral"? Para responder pela herança, pelo conjunto de realizações de Antônio Carlos na cidade, pelo compromisso (discutível, mas inegável) do velho com Salvador. Mas não há razões para se temer uma "volta do carlismo": não existe carlismo sem Antônio Carlos. O carlismo não é uma doutrina. Era um chefe e seu agrupamento, crias do nacionalismo autoritário da década de 1930, emergindo na ditadura militar, apelando, adiante, para o populismo de direita.
Se fosse possível sem ACM, o carlismo já teria voltado com o PT baiano. O vice-governador da Bahia é o carlista Oto Alencar (que chegou a ser governador por seis meses nos tempos de ACM). Carlistas, como o ex-governador César Borges, apoiaram Pelegrino. Carlistas ocupam cargos de relevo no governo estadual. E se destacam no PT. Além disso, no dizer de Paulo Fábio, Wagner aprendeu e aplica a "gramática do carlismo", na afirmação de sua hegemonia baiana. Na verdade, falar de carlismo é fácil e conveniente para quem não quer pensar, a não ser com base no velho maniqueísmo local. É cômodo para as viúvas ressentidas de ACM, à direita. E à esquerda, onde elas aparecem como as neuróticas obsessivas de Freud, sem conseguir tirar o velho da cabeça.
O próprio Neto diz outra coisa: "Sempre tive orgulho da minha história, do senador ACM, que continua sendo uma pessoa presente no coração dos baianos... Nós estamos em 2012. Nada de falar em retorno do carlismo. Eu não quero e não vou fazer um governo personalista, eu quero fazer um governo plural, um governo com todos. Pela primeira vez, eu vou ter a oportunidade, inclusive, de afastar desconfianças, quebrar paradigmas... Não vou fazer um governo que vá perseguir ninguém... Quero fazer um governo plural, pensando no futuro da cidade. E ponto final".
Neto não tem de renegar o avô. E pode vislumbrar, entre ambos, a figura do tio Luís Eduardo Magalhães, avesso a práticas autoritárias do carlismo. Luís Eduardo era essencialmente político e um político essencialmente democrático. Sobre ele, Fernando Henrique escreveu: "Luís Eduardo, como presidente da Câmara dos Deputados e como líder do governo, demonstrou que o trato cavalheiresco e os modos amenos podem ser compatíveis com a firmeza de decisões, com a capacidade de convencer os demais, com a determinação para chegar a resultados. Luís sempre apoiou as reformas: acreditava na necessidade delas para o País e não apenas as apoiava por conveniência política".
É muito diferente, claro, do deputado noviço que prometeu uma improvável surra em Lula. Mas Luís Eduardo, nos seus tempos de Dudu, também foi destemperado e arrogante. Com os anos, aprendeu. Soube se reinventar, inclusive pessoalmente. Circulando com desenvoltura na frente partidária ligada ao governo de Fernando Henrique e em meio aos partidos de oposição, era tratado com respeito e admiração. Todos reconheciam que ele tinha luz própria e olhava para o futuro. "Luís representava uma perspectiva moderna no PFL", disse Fernando Gabeira. E Marta Suplicy: "Era um homem que tinha a capacidade de se abrir para o novo". Infelizmente, ele morreu em 1998, ainda jovem, aos 43 anos.
Que Neto não se mire menos no tio do que no avô, não perca tempo na canoa furada de "protagonista da CPI do mensalão", não pise na bola dos favores e se abra de fato para a conversa séria, é o que espero. Ele sabe o que interessa: pensar o futuro da cidade. Salvador está caindo aos pedaços. Tem de reconfigurar sua expansão, reativar sua memória, diminuir distâncias sociais, recuperar sua criatividade e reconquistar seu lugar na vida brasileira. E Neto, apesar das dificuldades, vai assumir a prefeitura em conjuntura propícia. Com obras programadas para a Copa, com a visão civilizada de Wagner (que, contrariando ameaças de Sérgio Gabrielli, não deve asfixiar a prefeitura, como o velho ACM fez com Lídice da Mata), com apoio nacional e uma câmara municipal menos desqualificada, etc. O desafio é avançar no caminho da transformação de um vilarejo com elefantíase numa cidade ao mesmo tempo histórica e de vanguarda. Em uma Salvador digna de si mesma.
ANTONIO RISÉRIO É ANTROPÓLOGO E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE A CIDADE NO BRASIL (ED. 34)

Fora de ordem


OSCAR VILHENA VIEIRA E THEO DIAS - PROFESSORES DA DIREITO GV - O Estado de S.Paulo

Na ordem natural das coisas, policial tem que chegar vivo em casa e suspeito de crime deve ser submetido ao Judiciário. Essa ordem está subvertida em São Paulo, onde inocentes e culpados estão sendo executados, em espiral de violência que aterroriza a população dos bairros pobres. Momentos de anomia servem de álibi para pessoas ligadas ao crime e alguns maus policiais fazerem acertos de contas.
Veja também:
link Os mortos do dia
PM e morador se estranham durante Operação Saturação, contra a violência, na Vila Brasilândia - Filipe Araujo/Estadão
Filipe Araujo/Estadão
PM e morador se estranham durante Operação Saturação, contra a violência, na Vila Brasilândia
Esse círculo vicioso deve ser interrompido. Cabe ao Estado restabelecer a ordem com firmeza, inteligência, transparência e legalidade. Não se pode negociar, ceder ou cobrar racionalidade de facções criminosas, mas não pode ser outra a expectativa com relação a agentes públicos. A polícia não deve ter cheque em branco para garantir segurança. Polícia sem controle é Gestapo, fator de insegurança social. Das autoridades se espera mensagens inequívocas de respeito policial à legalidade.
Na condução desta crise, o discurso do governo é confuso. Ora se minimiza a importância do PCC, em contraste com informações trazidas pelo Ministério Público, ora se fala em guerra PM x PCC. De um lado, a falta de transparência estatal, do outro uma sociedade atônita, que não sabe mensurar a extensão do chamado "crime organizado" em São Paulo. A falta de uma compreensão realista do fator PCC espelha, em grande medida, a crônica falta de integração entre as polícias e o MP, instituições que não costumam trabalhar juntas e não compartilham informações.
Não há, tampouco, que se falar em estado de guerra. A segurança urbana deve ser alcançada dentro da normalidade. Ao impor seu poder, o Estado deve fazer transparecer sua superioridade moral. Poder e direito devem ser conceitos indissociáveis: não deve haver poder sem direito, não há direito sem poder.
A recente história de sucesso no controle de homicídios em São Paulo se deu com paralela redução dos níveis de uso da força letal pela polícia. É preciso, contudo, estar atento ao risco de involução da política de segurança para o período pré-Mário Covas, do modelo "Rota na rua". O discurso do governo no âmbito do controle da polícia é inconsistente. De um lado, houve investimento em treinamento, formação e punição, objetivando redução de abusos; do outro, oficiais são alçados a cargos de comando na Polícia Militar (Rota, por exemplo) sem que seus históricos na carreira e discursos demonstrem compromisso com contenção no uso da força.
Não se pretende aqui, de cátedra, ministrar fórmulas milagrosas para o problema. Neste momento de crise, o foco deve estar na repressão, com uso de inteligência e dentro de parâmetros legais. A Polícia Civil deve investigar as mortes e, assim, nortear o trabalho repressivo da PM. Ocupação policial (não militar) de territórios problemáticos do ponto de vista criminal pode ser um dos caminhos, desde que o Estado não abandone os locais no vácuo da saída das câmeras de TV. O problema nesses locais não é apenas o Estado ausente, mas o Estado presente somente pela via repressiva.
Por outro lado, não se pode perder de vista o sistema penitenciário, ferida sempre aberta. A ausência de rebeliões é indicativa de um inquestionável poder do Estado ou há também a presença de organizações criminais que exercem funções regulatórias no sistema, por via da força e do assistencialismo? O PCC não é a Máfia, São Paulo não é a Sicília, mas o secretário da Segurança age sem transparência quando minimiza tal "organização" como um grupo de 30 ou 40 traficantes presos. Se assim é, por que não são definitivamente controlados?
Sobre o tema prisional, pensando em um sistema penal socialmente eficaz, Legislativo e Judiciário deveriam valorizar o instituto das penas alternativas, bem como numa legislação mais racional sobre drogas, para evitar que jovens condenados por furtos ou por pequenos tráficos façam "estágio" na cadeia e retornem às ruas arregimentados por grupos criminosos.
Com a volta da normalidade, é necessário retomar o caminho que vinha dando certo na área de homicídios, mas que ainda não repercutiu nos crimes contra o patrimônio. A complexidade causal da questão criminal indica que a resposta repressiva deve estar articulada com intervenções nos campos da inteligência policial, do planejamento urbano, da educação, do lazer, do transporte, do policiamento comunitário, da política de drogas, do controle de armas. Com forte presença do poder municipal, essa é a receita que vem dando certo em Nova York, Bogotá, Medellín.
Segurança pública não é tema para apenas uma secretaria estadual. O governo federal não deve entrar com "ajuda", caridade ou intervenção militar, mas com desempenho eficiente de suas próprias competências: controle de fronteiras (armas e drogas), fiscalização de empresas de segurança privada, constituição de bancos de dados criminais nacionais, Polícia Federal, etc.
Por fim, o potencial inovador dos novos modelos de segurança pública reside na ênfase depositada na participação dos cidadãos. O que se espera não é a constituição de uma "sociedade de controle", com o cidadão convertido em policial, mas a democratização da atividade da polícia. Por democratização, entenda-se a existência de canais de participação social nos processos decisórios relacionados ao exercício da função policial (policiamento comunitário, por exemplo), a qualificação e valorização do policial, bem como a existência de mecanismos de prevenção e punição de abusos policiais. O que se espera não é o cenário idílico de uma "comunidade" sem conflitos, mas um modelo pluralista de segurança, capaz de viabilizar a coexistência pacífica entre as inúmeras realidades de insegurança e expectativas de segurança que constituem o espaço urbano.  
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OSCAR VILHENA VIEIRA THEO DIAS SÃO PROFESSORES DA DIREITO GV

domingo, 11 de novembro de 2012

Lugar de bandido, por Jânio de Freitas


As medidas fixadas pelo acordo de conveniência entre os governos paulista e federal, para enfrentar a onda de criminalidade em São Paulo, capital, e seu entorno, só incluem uma que a experiência indica ser capaz de algum resultado em prazo mais curto --como a situação precisa. É contra tal medida que vêm de agentes penitenciários advertências suspeitas, dando-a como estimuladora de rebeliões de presos a título de reação do PCC & cia.
Iniciada com Fernandinho Beira-Mar, a transferência de chefes de bandos para o isolamento em penitenciárias de segurança máxima revelou, no Rio, efeitos surpreendentes e decisivos para que José Mariano Beltrame, secretário de Segurança, aplicasse o planejamento que vem mudando a cidade. O primeiro dos efeitos foi, com alcance até maior do que o esperado, conturbar todo o sistema entre hierarquia e ação do crime organizado. É o que interessa a São Paulo.
O governo paulista ainda não saiu da fase de dar prioridade à sua imagem. Em seguida à noite/madrugada de quarta para quinta com nove assassinados, o governador Geraldo Alckmin deixou de calar-se para dizer que os crimes "já estão em processo de queda". Na noite/madrugada seguinte, de quinta para sexta, a CBN noticiava 12 mortos e 11 feridos a tiros até as 9h. A queda vista por Alckmin era para cima.
Ainda sem saber sequer o motivo da repentina e persistente onda de criminalidade armada, o governo paulista e os "especialistas" ocupam-se em tergiversar com estatísticas comparativas entre Estados. Como o "especialista" coronel José Vicente, vários deles tiveram oportunidades cujo aproveitamento vê-se qual foi. Voltam, agora, ao mesmo truque das comparações usado quando a Folha o interrompeu, ao descobrir que as estatísticas criminais, em São Paulo, reduziam à metade os números reais.
Ao menos em relação às transferências de chefes, São Paulo precisa que suas autoridades paulistas deixem de subterfúgios verbais e adotem a providência na medida necessária. Sem ceder a alegadas cautelas com reação de presos à transferência dos seus chefes. O que no Rio começou pelas transferências já está no estágio de retirar a posse de fuzis por vários batalhões da PM, que voltam a ser mais polícia do que militar.
RESPOSTAS
"O petróleo é do país ou do Estado?" --foi todo o comentário, sobre os discutidos royalties do petróleo marinho, de um novo convidado do jornal da TV Cultura, o economista Fernando Sampaio. E o ferro, que se junta à soja para fazer o faturamento das exportações brasileiras, e o urânio, o ouro, o nióbio, as pedras preciosas, a madeira de lei tirada de áreas da União, e tanto mais: são do país, do Estado ou do município onde os exploram? E por onde andam os respectivos royalties?
Mais a sério: os cálculos de perda do Estado do Rio e do Espírito Santo, se lhes tomados os royalties que recebem por lei e por direito adquirido, divergem conforme a autoria e, com frequência, o desejo. Mas, por certo, seriam elevadíssimos. No ES, a retirada pararia a recuperação do Estado. No Rio, os governos estadual e carioca deveriam sustar a retirada de qualquer centavo dos custos de finalidade maior --educação, saúde, ordem urbana-- para obras exigidas pelos dois meses das impagáveis Copa e Olimpíada.
Daniel Marenco/Folhapress
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.