domingo, 4 de novembro de 2012

Transparência Tributária


O Estado de S.Paulo Opinião 4 nov 2012
Cada vez que entra em um cinema, o brasileiro paga 30% de imposto ao governo - e, com o perdão do trocadilho, fica "no escuro" sobre essa incidência. No Brasil, o consumidor não sabe que tributos paga quando vai às compras ou adquire um serviço, pela simples razão de que eles não são discriminados nem na etiqueta de preço nem na nota fiscal. Para ajudar o consumidor a saber qual é a real dimensão da carga tributária do País, tramita no Congresso desde 2007 o Projeto de Lei 1.472, fruto de iniciativa popular, que torna obrigatória a discriminação do peso dos impostos sobre o valor da compra. Apesar do declarado apoio de diversos parlamentares, o projeto, já aprovado no Senado, está parado na Câmara, situação que fere direitos do consumidor previstos na Constituição - no parágrafo 5.º do artigo 150 está escrito que "a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços".
O projeto, ao qual foram apensados outros textos semelhantes, resulta de um movimento das associações comerciais de São Paulo, capitaneado pela campanha "Hora de Agir", cujo objetivo é engajar o consumidor comum na missão de pressionar o governo a reduzir a carga tributária, que supera 35% e é uma das maiores do mundo. Para isso, os idealizadores da iniciativa entendem que a transparência é essencial. A expectativa é de que, uma vez ciente do quanto paga de impostos no ato da compra, o consumidor terá ciência do peso dos tributos na formação dos preços, mesmo das compras mais simples - mais de 50% do preço de uma pilha ou da embreagem do carro, por exemplo, é formado por impostos.
Nos Estados Unidos e na União Europeia, o imposto que incide sobre os produtos e serviços é discriminado na nota de venda e nas etiquetas de preço. A diferença é que, nesses países, não há a profusão de tributos que aqui são cobrados. Na maior parte dos países incide somente um "imposto sobre o valor agregado". Parece prosaico, mas os impostos no Brasil são tantos que se discute até a viabilidade técnica de discriminá-los na nota fiscal, cuja área física é, em muitos casos, pequena demais para isso. A intenção, portanto, é mostrar na nota apenas um valor aproximado dos vários impostos.
São cobrados três tipos de tributo sobre o consumo: o federal (Imposto sobre Produtos Industrializados), o estadual (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o municipal (Imposto Sobre Serviços). Mas há tributos indiretos, como a Cofins, cobrada pela União, cuja alíquota nominal é de 7,6% sobre o faturamento das empresas. Mas o maior imposto indireto - e o maior entrave para transformar essa miríade de taxas num único tributo sobre o valor agregado - é o ICMS, cujas alíquotas variam de 17% a 30% e que está sujeito a decisões estratégicas de cada Estado para atrair investimentos. Além disso, o ICMS é também o tributo mais complexo na formação dos preços. No caso do consumo de energia elétrica, por exemplo, a alíquota nominal é de 25%, mas os Estados aplicam uma alíquota real de 33,3%. É improvável que os Estados aceitem abrir mão de seu poder de tributação e de sua autonomia como entes federativos em nome da uniformização da cobrança.
Não há, é claro, nenhum problema em arrecadar impostos - pelo contrário, trata-se de dever do Estado, razão pela qual é louvável que a Receita Federal e as Secretarias Estaduais da Fazenda se esmerem em flagrar sonegadores e sofisticar a cobrança. O problema é quando a carga é sufocante, o dinheiro público é mal administrado - e tal situação só fica explícita quando há transparência tributária. "O Estado brasileiro não pode mais escamotear da população a quantia que lhe tributa cotidianamente", diz a justificativa do último requerimento para incluir o tema na pauta de votação da Câmara. Ao tomar conhecimento do quanto paga de impostos, o consumidor terá consciência de que também é contribuinte. Nessa condição, ele poderá avaliar melhor se os serviços públicos oferecidos pelo Estado têm qualidade compatível com o imenso volume de recursos arrecadados pelo Fisco.

A Justiça em números


O Estado de S.Paulo Opinião 4 nov 2012
O levantamento estatístico das atividades do Poder Judiciário relativo ao exercício de 2011, feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela que, apesar dos investimentos em informatização, da criação de novas varas, da contratação de mais juízes e servidores e do aumento da produtividade da magistratura, os 90 tribunais de todo o País - o STF não entra na estatística - continuam abarrotados de processos, sem conseguir superar seus gargalos estruturais.
Verifica-se pelo estudo que continua crescendo a litigiosidade da sociedade brasileira. Em 1990, foram abertos 5,1 milhões de processos na primeira instância das Justiças Federal, Trabalhista e Estaduais. Em 2000, foram mais de 12 milhões. Em 2010, 24,2 milhões. E, no ano passado, o número de novas ações superou a marca de 26 milhões. Entre 2010 e 2011, a produtividade dos juízes e dos tribunais aumentou 7,4%. "Os números são avassaladores. Os casos novos aumentam a cada ano e a Justiça não consegue reduzir o estoque de processos", diz o conselheiro Guilherme Werner.
Ao todo, tramitaram nas diferentes instâncias e braços especializados do Judiciário 90 milhões de processos novos e antigos, em 2011 - em 2010, foram 83,4 milhões de processos. No ranking dos maiores litigantes, destacaram-se, no levantamento do CNJ, o setor público federal, os bancos, as empresas de telefonia e órgãos públicos municipais e estaduais. O Instituto Nacional do Seguro Social foi o órgão público - tanto como réu quanto como autor - mais envolvido nas ações judiciais de primeira instância, seguido, pela ordem, da BV Financeira, do município de Manaus, da Fazenda Nacional, do Estado do Rio Grande do Sul, de municípios do Estado de Santa Catarina, do Bradesco, da Caixa Econômica e do Banco Itaú. Isso mostra que a maioria das novas ações envolve litígios de massa, relativos a direito previdenciário e do consumidor.
Por isso, uma das soluções propostas pelo CNJ para desafogar a primeira instância das Justiças Federal e Estaduais é aumentar os investimentos em mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como os centros de conciliação e mediação. "O CNJ tem incentivado a criação de centros de mediação nos tribunais, não só para resolver de forma eficiente os processos em estoque, mas também para atuar em conflitos que ainda não chegaram ao Judiciário", afirma Werner.
Outro fator que retarda o julgamento dos processos e contribui para o congestionamento das instâncias superiores, segundo o CNJ, é o grande número de recursos previstos pela legislação processual civil e penal. No caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, são protocolados mensalmente 27 mil recursos. Há um mês, o presidente da Corte, ministro Felix Fischer, pediu à Câmara dos Deputados a aprovação da PEC que autoriza a Corte a implantar um mecanismo processual nos moldes do princípio da repercussão geral, que já é aplicado aos recursos enviados ao STF. Segundo esse princípio, quando essa Corte declara que um certo tema tem repercussão geral, os demais tribunais suspendem o envio de recursos semelhantes, até que o plenário julgue o caso.
Recentemente, o CNJ encaminhou ao Congresso várias sugestões para reforma do Código de Processo Civil, com o objetivo de reduzir o número de recursos e agilizar o encerramento dos processos. Em 2011, cada um dos 33 ministros do STJ julgou, em média, 6.955 ações. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), em cujo âmbito tramitaram 371 mil ações, a média foi de 6.299 processos por ministro. E, no Tribunal Superior Eleitoral, ela foi de 1.160 processos por ministro.
No plano orçamentário, as despesas do Judiciário totalizaram R$ 50,4 bilhões em 2011 - 1,5% a mais do que em 2010. Desse montante, 90% se referem a gastos com pessoal ativo e aposentado, diárias e passagens. Entre os tribunais superiores, que têm 82 magistrados e 6.458 servidores efetivos, requisitados e comissionados, o TST e o STJ gastaram 99,7% e 90% de seu orçamento, respectivamente, com recursos humanos. A Justiça, além de morosa, é cara.

Autoridade


UGO GIORGETTI - O Estado de S.Paulo
Na época de ouro da várzea, quando havia jogos importantes nos campos da zona norte, chamavam para apitar o grande Lupércio, a raposa da várzea, como ele mesmo se intitulava. Ninguém podia contestar suas decisões. Ex-pugilista, grande brigador de rua, valente lendário, resolvia as questões mais agudas no braço.
Naquela várzea indisciplinada, em que jogava qualquer um, elementos até mesmo estranhos e às vezes perigosos, jamais uma partida do Lupércio não chegou ao fim ou sua autoridade foi posta à prova. Quando alguém do time supostamente prejudicado ousava pedir a substituição do juiz durante a partida, sua resposta era sempre a mesma: "Não tem problema. Tá aqui o apito, pode vir buscar. Mas traz uns três ou quatro junto com você". Ninguém ia.
No futebol profissional também havia esse tipo de árbitro. Mario Vianna, famoso juiz carioca, tinha sido policial na famosa PE do Rio de Janeiro. Tinha briga para uns cinco ou seis. Enfrentou nas ruas do Rio até Madame Satã, valente retratado em mais de um filme. No campo, quem pensasse em reclamar ele já chegava junto. Não havia nem cartão amarelo e nem vermelho naquele tempo. Havia Mario Vianna, e o que ele apitava estava acabado, não se discutia mais.
Armando Marques era outro que, com métodos diferentes, impunha sua autoridade. De voz fina, dando corridinhas estranhas pelo campo, a impressão que dava era de estar na mão dos jogadores. Expulsou Pelé e Coutinho num famoso Santos x São Paulo. Num Fla x Flu, validou um gol de mão talvez mais evidente que este gol do Barcos, que está dando tanto o que falar. Houve foto de revista com a bola encostada na mão do jogador. Mas prevaleceu sua autoridade quase arrogante.
Lembro de Dulcidio Vanderley Boschila, também ex-PM, que xingava jogador em campo e chamava para a briga. Apitou jogos em que teve uma atuação polêmica, nunca se acovardou e sustentou suas decisões, certo ou errado.
Romualdo Arpi Filho mantinha a autoridade na base da esperteza. Era mais malandro que os jogadores em campo. Mais inteligente que todos. Trazia a partida sob controle com picardia, combinando situações aparentemente contraditórias, e tinha sempre o jogo na mão.
Tudo isso pra dizer que o que está faltando para muitos árbitros hoje é coragem. Fora algumas exceções, vemos árbitros apavorados com a televisão. Sabem que há uma câmera que vê melhor do que eles, e morrem de medo dela. Os árbitros não estão lá para fazer justiça e nunca se esperou isso deles. Estão lá para impor um determinado ordenamento que leve o jogo a termo. Sempre foi assim e todo mundo sabe disso, de outra forma os árbitros não seriam vaiados já ao entrar em campo. A escola de árbitros, portanto, deveria ensinar principalmente como se portar em campo, ensinar ao árbitro o que ele é e representa. O problema é que não se ensina a ser um Mario Vianna ou Armando Marques.