UGO GIORGETTI - O Estado de S.Paulo
Na época de ouro da várzea, quando havia jogos importantes nos campos da zona norte, chamavam para apitar o grande Lupércio, a raposa da várzea, como ele mesmo se intitulava. Ninguém podia contestar suas decisões. Ex-pugilista, grande brigador de rua, valente lendário, resolvia as questões mais agudas no braço.
Naquela várzea indisciplinada, em que jogava qualquer um, elementos até mesmo estranhos e às vezes perigosos, jamais uma partida do Lupércio não chegou ao fim ou sua autoridade foi posta à prova. Quando alguém do time supostamente prejudicado ousava pedir a substituição do juiz durante a partida, sua resposta era sempre a mesma: "Não tem problema. Tá aqui o apito, pode vir buscar. Mas traz uns três ou quatro junto com você". Ninguém ia.
No futebol profissional também havia esse tipo de árbitro. Mario Vianna, famoso juiz carioca, tinha sido policial na famosa PE do Rio de Janeiro. Tinha briga para uns cinco ou seis. Enfrentou nas ruas do Rio até Madame Satã, valente retratado em mais de um filme. No campo, quem pensasse em reclamar ele já chegava junto. Não havia nem cartão amarelo e nem vermelho naquele tempo. Havia Mario Vianna, e o que ele apitava estava acabado, não se discutia mais.
Armando Marques era outro que, com métodos diferentes, impunha sua autoridade. De voz fina, dando corridinhas estranhas pelo campo, a impressão que dava era de estar na mão dos jogadores. Expulsou Pelé e Coutinho num famoso Santos x São Paulo. Num Fla x Flu, validou um gol de mão talvez mais evidente que este gol do Barcos, que está dando tanto o que falar. Houve foto de revista com a bola encostada na mão do jogador. Mas prevaleceu sua autoridade quase arrogante.
Lembro de Dulcidio Vanderley Boschila, também ex-PM, que xingava jogador em campo e chamava para a briga. Apitou jogos em que teve uma atuação polêmica, nunca se acovardou e sustentou suas decisões, certo ou errado.
Romualdo Arpi Filho mantinha a autoridade na base da esperteza. Era mais malandro que os jogadores em campo. Mais inteligente que todos. Trazia a partida sob controle com picardia, combinando situações aparentemente contraditórias, e tinha sempre o jogo na mão.
Tudo isso pra dizer que o que está faltando para muitos árbitros hoje é coragem. Fora algumas exceções, vemos árbitros apavorados com a televisão. Sabem que há uma câmera que vê melhor do que eles, e morrem de medo dela. Os árbitros não estão lá para fazer justiça e nunca se esperou isso deles. Estão lá para impor um determinado ordenamento que leve o jogo a termo. Sempre foi assim e todo mundo sabe disso, de outra forma os árbitros não seriam vaiados já ao entrar em campo. A escola de árbitros, portanto, deveria ensinar principalmente como se portar em campo, ensinar ao árbitro o que ele é e representa. O problema é que não se ensina a ser um Mario Vianna ou Armando Marques.
Nenhum comentário:
Postar um comentário