A esquerda americana parece convencida de que o caminho para a Casa Branca passa pelo socialismo de Zohran Mamdani, o prefeito eleito de Nova York.
É uma hipótese que provavelmente fez J.D. Vance, o herdeiro de Trump para 2028, sorrir: enquanto os progressistas se encantam com Mamdani, talvez esqueçam as suas vitórias nas eleições estaduais da Virgínia e de Nova Jersey —dois casos de moderação e pragmatismo que são o verdadeiro perigo para o universo Maga já nas midterms de 2026.
Outra hipótese, mais sensata, seria suspender por alguns instantes a busca desesperada de uma solução extremista e ler o novo livro do cientista político William Galston. Apresentações: Galston, ex-assistente de Bill Clinton, é pesquisador da Brookings Institution e estará nesta sexta-feira em Lisboa para uma palestra na Universidade Católica. Brasileiros em Portugal, uni-vos!
O título é sombrio: "Anger, Fear, Domination: Dark Passions and the Power of Political Speech" (raiva, medo, dominação: paixões sombrias e o poder do discurso político, Yale, 176 págs.). Trata-se de uma reflexão sobre as vulnerabilidades e ilusões das democracias liberais diante de seus inimigos.
Galston identifica três tipos de vulnerabilidade. A primeira é estrutural: as democracias têm processos decisórios mais lentos que os regimes autoritários.
Em tempos de aceleração constante, há quem veja nisso um defeito e suspire por líderes providenciais capazes de decidir com rapidez e brutalidade.
Um erro, claro. Sem um sistema de freios e contrapesos, os impulsos tirânicos da oligarquia teriam mais espaço para fazer estragos. Além disso, a complexidade dos problemas sociais é incompatível com o simplismo dos populistas, sejam de esquerda ou de direita.
A segunda vulnerabilidade é moral. "Por que razão as democracias toleram opiniões que podem parecer aberrantes?", perguntam os nostálgicos da uniformidade, sejam revolucionários ou reacionários.
A resposta remonta a séculos atrás, depois de guerras religiosas e imperiais devastadoras: porque a paz civil depende disso. Os populismos, com seus anti-pluralismos, apenas repetem erros antigos sob nova embalagem.
Por fim, há uma vulnerabilidade identitária. As democracias modernas, nas suas melhores versões, fazem um esforço gigantesco para separar a identidade cívica das identidades pessoais ou comunitárias.
Em outras palavras: quem deseja que o espaço público seja um reflexo dos próprios valores privados —religiosos, étnicos, familiares— talvez não esteja preparado para viver em democracia. E, nesse caso, deveria procurar uma teocracia onde se sinta mais em casa.
Simplismo, anti-pluralismo e dogmatismo: eis as armadilhas em que as democracias podem cair. Mas caem, sobretudo, por causa de suas próprias ilusões.
William Galston observa que há, entre os democratas liberais, uma certa miopia materialista —uma incapacidade de perceber o peso das questões culturais. É como se o materialismo marxista tivesse conquistado até as cabeças mais insuspeitas, reduzindo tudo à "estrutura" econômica e ignorando as tensões da "superestrutura".
Azar: o conflito entre valores tradicionais (religião, família, autoridade, raízes locais) e valores modernos ou pós-modernos (secularização militante, liberação de costumes, imigração irrestrita) não desaparece só porque decidimos ignorar essa disputa perene.
A ingenuidade das elites demoliberais, convencidas de que todos estariam a bordo do barco do "progresso", criou o terreno ideal para que o populismo tomasse as dores dos que ficaram para trás.
Além disso, os progressistas carecem de repertório para lidar com as "paixões sombrias" que também fazem parte da experiência humana. Leem muito Rawls, mas pouco Dostoiévski. Resultado?
A raiva, o medo, o ressentimento, a humilhação —sentimentos tão reais quanto o racionalismo e o otimismo das elites urbanas – emergiram com força no século 21.
Desprezar essas emoções, sem compreendê-las nem oferecer respostas ponderadas a problemas de insegurança, desigualdade ou abandono, é um caminho suicida.
Eis o principal mérito do livro de Galston: lembrar que as democracias não são derrotadas apenas pelos seus inimigos externos. Elas morrem, também, pela incapacidade de compreender o coração humano que pretendem governar.

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