A violência que assola o Brasil não é fruto de um único evento, mas de uma construção histórica marcada pela ausência do Estado nos territórios mais vulneráveis, pela falência de políticas penitenciárias e pela omissão diante da expansão do crime organizado.
A tragédia humana expressa em chacinas, conflitos armados e domínio territorial por facções criminosas, como a que aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, não surgiu de forma espontânea: trata-se do resultado acumulado de anos de negligência, improviso e abandono das políticas públicas de segurança e reintegração social.
A história do nascimento do Comando Vermelho sintetiza um marco trágico na trajetória penal brasileira e permite compreender o surgimento e fortalecimento das facções que, hoje, disputam não apenas presídios, mas comunidades periféricas, favelas, cidades e, por vezes, instâncias do próprio Estado.
Ele surgiu no final da década de 1970, dentro do presídio da Ilha Grande, sob o nome Falange Vermelha, quando presos comuns, abandonados à própria sorte, se misturaram a presos políticos perseguidos pelo regime militar.
Lamentavelmente, a negligência estatal foi ambiente fértil para o surgimento de um estado paralelo dentro das prisões. O que deveria ser lugar de reeducação penal transformou-se em laboratório do crime, onde a cooperação criminosa passou a ser alternativa à omissão pública.
Essa gênese revela uma verdade amarga: quando o Estado falha em garantir dignidade, segurança e justiça, abre espaço para que organizações clandestinas ocupem seu lugar.
A partir do CV, outras facções surgiram e, organizadas em redes de comunicação e poder, passaram a dominar gradualmente unidades prisionais de diversos estados do país. Ausência de políticas penais eficazes, superlotação, falta de trabalho e estudo e desumanização do preso criaram o ambiente propício para a expansão da lógica faccionada.
Desse modo, enquanto o Estado pune sem recuperar, o crime se organiza, protege os mais vulneráveis, alicia e recruta criminosos para as suas fileiras.
Onde a lei não chega, outro tipo de lei se impõe, e assim, o poder sai dos muros das prisões e chega às favelas e periferias das grandes cidades brasileiras, territórios onde o Estado também deixou lacunas históricas de cuidado, presença e justiça social.
De lá para cá, o poder das facções tornou-se tentacular, infiltrando-se em comunidades, serviços, economia local e até estruturas políticas e institucionais.
O resultado desse descalabro são batalhas diárias, fratricidas e cruéis, com milhares de vidas ceifadas anualmente —muito além das grandes tragédias que ganham repercussão nacional, como o episódio que vitimou mais de cem pessoas em um único conflito faccionado.
Cada morte é o retrato da falência de um sistema que insiste em acreditar que punir é suficiente para recuperar. São mortes silenciosas, muitas vezes sem registro, sem investigação adequada e sem comoção nacional.
Uma guerra civil fragmentada, travada pela disputa de mercados ilícitos de drogas e armas e pelo controle social das comunidades mais vulneráveis.
A política penal tradicional, centrada exclusivamente no encarceramento massivo, fracassou. Hoje, o Brasil figura entre os países com maior população prisional do mundo e, ao mesmo tempo, é incapaz de reduzir os índices de reincidência e criminalidade.
Essa realidade evidencia que o aprisionamento em massa, sem educação, trabalho e dignidade não ressocializa, apenas aperfeiçoa o crime.
É nesse contexto que o Método da Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) surge não como panaceia para todos os males, mas como uma alternativa eficaz e humanizada de recuperação e de proteção social.
Ele reconhece a dignidade humana como eixo central da execução penal, reduzindo a reincidência, quebrando o ciclo da violência, e reconhecendo que o crime gera múltiplas dores a serem reparadas.
As Apacs, ao recolocar a dignidade do ser humano no centro da pena, demonstram que a justiça pode punir sem destruir, reeducar sem humilhar e reintegrar sem fragilizar a segurança.
Diante de um sistema prisional que produz violência e desesperança, elas representam uma alternativa comprovadamente viável e transformadora —um caminho de reconstrução social possível e necessário.
Em vez de fortalecer as facções, as Apacs fortalecem pessoas, reconstruindo vidas e oferecendo caminhos de transformação. Se o crime nasce do abandono, a recuperação nasce do cuidado e da responsabilidade.
A paz social, portanto, exige escolhas corajosas. Estamos convencidos de que humanizar a pena não é luxo, nem demonstração de fraqueza, é estratégia de segurança.

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