A eleição de Zohran Mamdani para prefeito de Nova York é um alerta para a liderança da oposição democrata, que tenta se opor ao controle republicano da Casa Branca e do Congresso. E, ao contrário do que quer a preguiçosa e tosca imprensa política americana —incapaz de distinguir entre um socialista democrata e um espantalho comunista da propaganda adversária—, o significado da vitória do jovem muçulmano não pode ser resumido a clichês de ideologia.
Não que o prefeito eleito tenha tentado se esquivar de sua identidade. No passional discurso de vitória no final da noite de terça-feira (4), Mamdani declarou: "Sou muçulmano. Sou socialista democrático. E, o mais condenável de tudo, recuso-me a pedir desculpas por qualquer uma dessas coisas."
Um exame da coalizão eleitoral que levou o ugandense-americano de origem indiana à prefeitura deve apontar para uma nova diversidade demográfica ainda não explorada pelos democratas em Nova York. Mamdani é o primeiro candidato a receber mais de 1 milhão de votos na cidade desde 1969. Sua oposição à guerra na Faixa de Gaza fez com que a maioria dos 1 milhão de judeus nova-iorquinos desse o voto ao ex-governador Andrew Cuomo, segundo pesquisa de boca de urna CNN —o ex-governador é um colérico defensor de Binyamin Netanyahu.
Nova York abriga também uma vasta e multinacional população muçulmana, mal contada pelo Censo e que inclui imigrantes da África e da Ásia, especialmente do sul asiático. Seria difícil rotular nova-iorquinos originários de países como Bangladesh e Paquistão como pró-socialistas.
Mas estes imigrantes não se esquecem do recém-eleito membro da assembleia estadual que, em 2021, ao longo de 15 dias, fez greve de fome com motoristas enfrentando ruína financeira com o colapso do preço das licenças de táxi e os ajudou a obter o perdão das dívidas avaliadas em US$ 350 milhões.
A vitória do candidato simboliza também uma reparação pelo tormento enfrentado por muçulmanos em Nova York após o 11 de Setembro, quando Mamdani tinha 9 anos e foi retirado da sala de aula na escola para ser recolhido pelo pai. Dos crimes de ódio aos excessos na espionagem de cidadãos e mesquitas, os anos seguintes aos atentados foram marcados por insegurança cotidiana e por um clima de islamofobia que, como ficou demonstrado nos ataques de campanha, ainda não foi superado.
Esta eleição nova-iorquina é talvez a primeira transformada pela pandemia. O registro em massa de novos eleitores e a mobilização de milhares de voluntários jovens para bater de porta em porta seduziram uma geração deprimida pelo isolamento da quarentena. É a geração Z, de 28 anos ou menos, cuja rotina solitária foi ainda mais afetada pelo alto custo de prazeres como ir a um bar nesta cidade.
A estratégia de Mamdani, que conheceu sua mulher Rama Duwaji no aplicativo de namoro Hinge, reuniu voluntários em noites para solteiros, partidas de futebol e bailes de salsa que misturavam política e atividade social. O clima de pertencimento fez lembrar os comícios de Donald Trump em 2024. "Meu dia gira em torno de Mamdani," disse ao New York Times uma voluntária que chegou para cursar faculdade pouco antes do lockdown de 2020 e teve a vida social transformada pela adesão à campanha.
A gerontocracia democrata que passou o ano esnobando Mamdani faria por bem prestar atenção no susto que levou em Nova York.

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