sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Toda a informação do mundo em um pen drive não basta, Suzana Herculano-Houzel, FSP

 Meu novo colaborador, Alex Maier, é fã do ChatGPT, com o qual ele conversa todos os dias enquanto dirige para testar e ampliar seus conhecimentos sobre matemática e física. "Conversa" é literal: o aplicativo, instalado em seu iPhone, gera linguagem falada na voz de uma mulher com fluência, maneirismos e tons de puxa-saquismo descarado, mesmo no modo "combativo" que ele usa. Toda resposta é seguida de uma nova pergunta ao usuário, num convite para estender o engajamento.

Ganhei uma demonstração do Alex, que sacou seu telefone, abriu o aplicativo e perguntou: "O Sol gira em torno da Terra, ou a Terra gira em torno do Sol?". Após as devidas congratulações pela indagação interessante, a voz feminina considerou que, segundo a maioria dos livros didáticos, é a Terra que gira em torno do Sol –e perguntou o que mais ela poderia responder.

Alex insistiu: "Você tem certeza?".

Resposta: "Tenho certeza, sim, por que você pergunta?".

Ícone do aplicativo ChatGPT exibido em tela de smartphone, com fundo branco e símbolo preto entrelaçado. Nome 'ChatGPT' aparece abaixo do ícone.
Ícone do ChatGPT em tela de celular - Dado Ruvic/Reuters

Alex, que não tem ilusão alguma sobre o que está do outro lado –não uma pessoa ou inteligência, mas apenas um modelo matemático que consulta pesos estatísticos de associações entre palavras– foi curto e grosso: "Você está errada. Einstein e relatividade".

Isso bastou para o modelo voltar atrás, sempre rasgando seda: "É mesmo, você está certo! Você está se referindo à teoria de relatividade de Einstein, segundo a qual quem gira ao redor de quem é apenas uma questão de referencial" –e convidou a próxima pergunta, mas foi sumariamente desligada.

Ouvir a voz do modelo de linguagem foi uma experiência assombrosa em ambos os sentidos. Não é à toa que tem gente achando que o ChatGPT é seu amigo, terapeuta ou até namorada, como Samantha, um modelo de linguagem que usava a voz de Scarlett Johansson no filme "Ela", de 2013.

modelo de linguagem que o ChatGPT consulta pode ser baixado em uma versão "light" para uso local em computadores. É o gpt-oss-20b, um arquivo de módicos 12.8 Gb contendo 21 bilhões de pesos estatísticos de associações entre palavras. Pelas estimativas não oficiais que circulam no Google, isso é cerca de 1% da base de dados completa da OpenAI –que, ainda assim, também cabe num disco rígido de 1 Tb. Ou seja: qualquer pessoa poderia ter em casa o banco de dados com toda a informação digital do mundo codificada em associações de palavras.

Isso me lembrou outro filme com Scarlett Johansson: "Lucy", de 2014, onde ela começa usando "apenas 10% do cérebro" (como vemos Morgan Freeman explicar), mas termina usando "100% da sua capacidade" e adquirindo "todo o conhecimento do mundo", que... cabe num pen drive, o qual ela entrega ao Morgan Freeman antes de desaparecer no éter, em comunhão com o Universo.

Na época, saí do cinema indignada com o final inverossímil e estapafúrdio. Dez anos depois, o modelo de pesos estatísticos do ChatGPT que captura toda a informação digital do mundo de fato cabe num disco rígido.

Começo a pedir desculpas mentais ao Luc Besson, diretor do filme, mas me interrompo. Os pesos estatísticos de associações entre palavras oferecem a voz da maioria, e, como Alex demonstrou, maioria não é sinônimo de verdade, e informação não é conhecimento. ChatGPT é uma ótima ferramenta, mas só para quem já aprendeu a pensar e fazer suas próprias perguntas para transformar informação em conhecimento e se libertar da maioria.

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