A extrema direita desempenha na política um papel análogo ao que a pornografia tem na representação da sexualidade humana: é descomplicada, mentirosa, excessiva, desumanizadora e, no fim das contas, frustrante.
A descomplicação é o atrativo mais vistoso, logo na entrada. Na pornografia, meia dúzia de palavras —ou nem isso— são preâmbulo suficiente para que duas ou mais pessoas procedam a se comer.
Não há solução mais básica para o problema muitas vezes complexo dos encontros sexuais humanos, o que bastaria para tornar a pornografia um modelo das políticas públicas da extrema direita.
O negócio aqui é vender respostas muito simples —falsas, mas atraentes— para questões complicadas. Desemprego? Culpa dos imigrantes. Violência urbana em alta? Arme-se o cidadão. Pandemia? Vida normal —e cloroquina!
Ou ainda: facções criminosas substituem o Estado em grande parte do território urbano? A solução é o extermínio do maior número possível de seus bagrinhos, com desprezo pelas baixas colaterais.
O ganho para a extrema direita é duplo: o povo aplaude, por estar de justo saco cheio da violência do crime organizado; e desvia-se o foco dos chefes reais do negócio, entre os quais há até "gente de bem".
Aí vem o segundo atributo da lista: para sustentar tanta "descomplicação", a pornografia mente à beça. Pouca gente tem aqueles corpos, aquele furor, e quantidade não é o mesmo que qualidade.
Crise do clima? Falácia. O nazismo era de esquerda. Se os bilionários forem taxados, a economia entra em colapso. A mamadeira de piroca existiu mesmo, eu vi. Chega-se a extremos tolos de insanidade: a Terra é plana!
(Mas o que é a mentira quando o deep fake ameaça o próprio tecido da realidade, condenando a gente a desconfiar de nossos sentidos para sempre?)
Terceiro atributo compartilhado: o excesso. A pornografia tem peitos gigantes, paus imensos, ejaculações em catadupas. Corpos são grandes máquinas. Sua lógica hiperprodutiva desumaniza, tornando obsoleta qualquer subjetividade.
A extrema direita é adepta do mesmo gigantismo super-humano. A quantidade de cocô que aquele Trump de IA despejou do avião sobre seus compatriotas do No Kings encheria o Maracanã. Um punhado de mortes por vez já não basta? Que tal montanhas de cadáveres?
Por fim, a pornografia só pode ser frustrante, pois o alívio que dá é precário, incompleto, deixando a seus adeptos uma única saída: consumir mais pornografia.
No fundo, não há nela sentido maior que o da autoperpetuação —como também nos políticos da extrema direita. Depois que todas as suas propostas se revelam picaretas, equivocadas ou doidas, resta o poder. Precisa mais?
Quem já não aguenta "tudo o que está aí" —com bastante razão, diga-se— é a vítima preferencial da pornografia política, cujo trabalho, claro, é manter intocado "tudo o que está aí".
Não se nega que seja esperta. Como a pornografia propriamente dita, seu apelo aos baixos instintos do público garante sucesso de audiência —e urna. Quer dizer, a princípio. Até vir um Mamdani da vida.
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