São Judas Tadeu, primo de Cristo e um dos doze apóstolos, santo das causas impossíveis, é celebrado no final de outubro, com missas e quermesses de bolos. Este ano, no Rio, o início dos festejos, em 28 de outubro, coincidiu com preces para que o santo contemplasse o desespero da cidade, testemunha de um espetáculo de sangue anticristão, ofensivo a São Judas e às romarias para Nossa Senhora da Penha. "Botei o Lula na lona", saltitou depois o governado Cláudio Castro, com seus índices de aprovação. Em missa na Barra, fariseus o aplaudiram.
A receita de bolo por ele oferecida à festa foi a eleitoreira performance bárbara que resultou numa chacina (117 mortos) maior do que a perpetrada pelos israelenses em Gaza (104) naquele mesmo dia. Quatro policiais morreram. Nas praças dos complexos do Alemão e da Penha, corpos destroçados por balas de fuzil, esfaqueados, um decapitado, alguns com marcas de algemas nos pulsos eram sinais inequívocos de execuções sumárias. A festa da barbárie evocava o pior do cangaço.
Na cidade dos megaeventos, o sucesso das performances é aquilatado pelo prefixo "mega". Em vez de segurança pública, a matança vingativa, que mata moralmente o vingador. E suscita um imaginário de guerra, fomentado por mídia e governo do estado. Construiu-se um cenário: ao meio-dia da "megaoperação", um vídeo apresentava a invasão da favela em estilo Netflix; um policial exibiria sorridente na tevê seu kit de alimentação de selva. Mais precisamente, a mata da Vacaria, rota de fuga onde foram emboscados e mortos 60 traficantes.
Cenário bélico é um simulacro. Guerra implica rompimento formal do estado de paz e mobilização de Estado contra inimigo constituído em território próprio. Não é "outro" o território das facções, embora elas encenem uma pantomima de "general de guerra". Mas cenário de espetáculo é estratégia da direita, em que favela é conotada como território inimigo e narcotraficante como "narcoterrorista". Em 2007, o então governador Sérgio Cabral anunciava megaoperação para "ganhar a guerra contra os criminosos". Era o mesmo Complexo do Alemão, a polícia matou 19 pessoas, tudo continuou igual. No dia seguinte ao massacre atual, já se avistavam traficantes armados no local.
A camuflagem palavrosa encobre uma realidade complexa, até hoje não assimilada pela esquerda. É que a retórica dos direitos humanos soa fraca ao cidadão comum, confrontado com a crueldade que rege o universo do crime. Não se trata apenas de violência expropriante, mas do excesso cruel, que desborda qualquer razão. Essa é a realidade tirânica e cotidiana sobre milhões de pessoas.
Traficantes e milicianos aprenderam a torturar e a sufocar com a ditadura. Hoje, a ecologia do medo é irrespirável. Daí a aprovação de segmentos populacionais aos cíclicos banhos de sangue infligidos pelo Estado. Mas a nação sabe que algo de grande, abrangente (um pacto societário, federativo, talvez), e não de "mega", tem de ser feito. A dita "guerra" é só o modo bárbaro de continuar ateando fogo ao fogo.

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