A cobertura quente da PEC da Blindagem e do projeto de "anistia" aos condenados pela trama golpista é um intensivão de Brasil, e levar ao leitor a movimentação política e a implicação prática acaba sendo tarefa hercúlea.
Por isso mesmo é preciso começar elogiando a reportagem-resumo publicada neste sábado: "A aprovação da PEC da Blindagem representa a maior ofensiva da história feita pelo Legislativo contra as chamadas leis dos crimes de colarinho branco, arcabouço erguido a partir dos anos 1980 em uma marcha embalada por impactos de sucessivos escândalos de corrupção".
Entre outros pontos altos, porém, houve deslizes, como o fato de o jornal não ter formulado uma lista de como votou cada deputado, embora tenha feito um quadro por partidos. No lugar de produzir a lista, colocou nos textos da PEC da Blindagem um "Veja aqui como votou cada deputado federal". O "aqui" era um link para o site da Câmara dos Deputados com o resultado da votação.
A princípio, a decisão do jornal em mandar o leitor catar a informação alhures parece estrategicamente equivocada, mas não chega a ser grave. O fato de enviar o assinante para o resultado bruto da Câmara, sem edição, já é mais preocupante.
Tal como a Alice de Lewis Carroll, o leitor vai se descobrir numa terra diferente e nonsense, onde aquilo que a Folha chama de PEC da Blindagem vira PEC das Prerrogativas —lá, não há "blindagem".
Por outro lado, o texto da Câmara é ágil em informar que a proposta é "de autoria do deputado licenciado e atual ministro do Turismo, Celso Sabino (União-PA)," e dá sua versão sobre como ela apenas "retoma a necessidade de autorização da Câmara e do Senado para o STF processar criminalmente deputados e senadores".
No jornal, o nome de Sabino orbita outra parte do noticiário, o desembarque de seu partido, União Brasil, da base do governo Lula, sem tanto destaque para a autoria da PEC.
A Folha informa que "a orientação do União foi dada após reportagem publicada pelo ICL (Instituto Conhecimento Liberta) e pelo UOL revelar acusações feitas por um piloto de que o presidente do partido, Antonio Rueda, é dono de aviões operados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Rueda nega a acusação". O texto foi um dos mais barulhentos da semana. Ainda segundo a Folha, "nos bastidores, integrantes do partido dizem ver influência do Palácio do Planalto na reportagem, uma vez que um de seus autores tem também um programa na TV Brasil."
A falta de diligência com uma simples lista de votos também contrasta com o interessante diagnóstico feito pela repórter Carolina Linhares no programa Como É que É, da TV Folha.
"Os deputados não ligam muito para a pressão popular porque eles são muitos", afirmou Linhares ao responder pergunta sobre quais seriam, hoje, os efeitos dessa pressão (a Quaest mostrou que 83% das menções à PEC da Blindagem nas redes sociais eram negativas). "Um deputado comentou esses dias: ‘Quando [as pessoas] vão criticar a Câmara, elas criticam a Câmara no todo, mas quando vão votar, elas amam o deputado delas e votam nele independentemente de qualquer coisa’". Linhares ilustrou com um exemplo: "O Datafolha mostrou que a maioria da população é contra a anistia, e eles votaram na quarta-feira o projeto de urgência da anistia."
Se a multiplicidade da Câmara funciona como escudo para o obscurantismo, o jornal deveria buscar meios para jogar luz sobre o que acontece lá. Detalhes como o dos nomes importam, assim como a linguagem usada nos relatos.
Nesse aspecto, o leitor Fernando Alves, 41, viu "uma cobertura celebrando exageradamente qualquer ‘derrota do governo’" e o abuso de expressões como "vitória do centrão" e "traição" da "base do governo", "mesmo que seja uma derrota para todo o país".
Embora os reveses do governo não possam ser desconsiderados, a repetição expõe uma fórmula simplista e já desgastada em coberturas como a da composição da CPI do INSS e da aprovação da lei de redução no controle ambiental ("derrota de Marina Silva"), comentadas por outros missivistas. Não se trata de ignorar as entranhas politiqueiras, mas de saber quando a picuinha começa a ocupar o lugar do interesse público.
Por essas e outras é que o jornal cresce quando abre mão do tom anódino e do relato burocrático. Bom exemplo disso é o vídeo em que a repórter Adriana Fernandes mostrou, em poucos segundos, o custo prático da crise política em Brasília. "Teve o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Congresso agora com PEC da Blindagem, anistia... Essas pautas vão se acumulando e vão tomando conta da pauta econômica. Então a pauta econômica fica em segundo plano, como também fica em segundo plano a discussão fiscal do Brasil."
De pauta em pauta, o leitor vive também seus dias de "Nazaré confusa", já que ficou com a tarefa de calcular como os nomes de Paulinho da Força, Aécio Neves e Michel Temer terminaram a semana no topo da concertação política, a ponto de gerar um "é para não agradar aos extremos mesmo, diz Aécio". Haja intensivão.
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