quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Falta crítica à cobertura de operações contra facções criminosas, Alexandra Moraes - Ombudsman

 Na manhã de sexta (26), a Folha publicou e elevou a manchete uma reportagem que deu origem a um Erramos, corretamente destacado. "Polícia Civil faz operação contra o PCC na manhã desta sexta" vinha com um complemento que informava que um dos objetivos era "encontrar suspeitos pelo assassinato do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes".

Menos de duas horas depois, apareceu a correção: "A operação (...) tem como alvos pessoas suspeitas de envolvimento com roubo a residência". O erro era atribuído à corporação, que teria "divulgado" o motivo da operação como o caso do ex-delegado assassinado na Praia Grande, Baixada Santista, no dia 15.

Embora indesejáveis, erros acontecem, e o mais importante é que sejam corrigidos com celeridade e transparência. Isso foi feito adequadamente. Mas a questão aqui é mais ampla.

O que leva o jornal (os jornais, na realidade, porque houve erro também na concorrência) a "divulgar" (esse é o verbo usado no texto da Folha) uma operação policial sem nem ao menos ter certeza do que trata ela?

O caso evidencia um excesso de confiança que faz mal ao jornalismo. Como tudo neste mundo, as instituições também têm seus interesses e equívocos. Nesse caso, o erro passou sem grandes consequências. Mas um dos episódios mais traumáticos do jornalismo brasileiro, o da Escola Base, também começou com erros da polícia. Por óbvio não há equivalência entre o erro na finalidade da operação que mira uma facção criminosa e a acusação sem provas que destrói vidas de pessoas comuns. Mas, guardadas as devidas proporções, a semente do equívoco é a mesma —e é resiliente.

No ciclo imediatamente anterior, a versão em papel/Edição Folha foi em direção semelhante. Escolheu colocar na manchete uma operação, dessa vez da Receita Federal, do Ministério Público de SP e da Polícia Militar, feita com espalhafato "contra o PCC", mesmo num dia em que a Folha tinha um furo valioso sobre a intervenção direta de Joesley Batista na negociação com Donald Trump sobre o tarifaço –recuperado e confirmado por toda a concorrência.

Um giroflex feérico ilumina a viatura de polícia à qual pertence.
Ilustração de Carvall para coluna da Ombudsman de 28 de setembro de 2025 - Carvall /Folhapress

A presença da facção criminosa na economia formal já não é novidade, como o próprio jornal mostrou na reportagem de junho sobre o "risco PCC" na Faria Lima e na cobertura das operações subsequentes. A novidade talvez fosse a dimensão da ação das autoridades contra ela, mas isso não é colocado em questão.

Não há questionamento, por exemplo, sobre como o esquema atacado na operação da quinta (25), envolvendo postos de combustíveis, jogos de azar e motéis, pode ter prosperado durante cinco anos.

Há um fator extra de preocupação. O PCC virou também uma espécie de grife para o material policial e as reportagens. Tudo que é "do PCC" parece valer mais no mercado da atenção. Obviamente, o destaque dado à sigla não é despropositado, já que o impacto e o estrago do crime organizado não podem ser subestimados. A questão é pensar se sem a grife o foco seria o mesmo —e quais atores eventualmente poderiam se beneficiar disso.

Também não à toa houve disputa em torno da autoria das operações realizadas no final do mês passado, e não terá sido sem propósito que o governo federal anunciou na TV o que seriam suas realizações contra a facção. Da mesma maneira, o governador de SP, Tarcísio de Freitas, reivindica seus louros. Até aí, é a política sendo a política.

Na Folha, porém, a fala do governador sobre a operação da quinta-feira não apenas era reproduzida de maneira ingênua mas também acabava enunciada como fato ("disse que sua gestão não vai descansar enquanto não puser fim à infiltração do crime organizado").

É essencial oferecer ao leitor uma visão mais crítica e incisiva sobre como o crime organizado tem sido (ou não) combatido no Brasil, para além do PCC. O jornal recentemente promoveu uma boa discussão sobre se o país seria um narcoestado (a resposta predominante foi não), mas as reavaliações não podem ser apenas episódicas. A cobertura da prisão do deputado TH Joias, no início do mês, destacava suposta compra de "armas" para a facção criminosa Comando Vermelho, mas o próprio cargo do parlamentar evidencia um problema que vai bem além dos símbolos mais tradicionais da criminalidade.

Se bandidos dominam áreas cada vez mais amplas da sociedade e da economia, é preciso que o jornalismo ofereça mais do que relatos burocráticos e automáticos de ações oficiais.

Na última quarta, no final do encontro da ombudsman com leitores, um leitor lançou a pergunta: por que as pessoas leem e pagam pelo jornal? Levantei algumas teses, mas achei mais prudente devolver a questão. Alguns participantes me responderam por email (ombudsman@grupofolha.com.br), mas repito-a aqui na expectativa de contemplar mais gente. Agradeço pela colaboração de todos. Lembro, ainda, que a Newsletter da Ombudsman começa a circular nesta segunda. Para recebê-la, basta se inscrever abaixo.

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