Há em curso uma crítica, pela esquerda, ao chamado identitarismo, centrada na forma como pessoas negras, mulheres e comunidade LGBTQIA+ têm participado do debate público. Embora existam mesmo excessos, com grupos mobilizando suas identidades para se colocarem em posição de superioridade ética, eles são menos insidiosos ou poderosos do que outro fenômeno que dominava o debate público de forma invisível até então: o gaslighting intelectual.
O livre mercado de ideias, em que pessoas ou grupos não são deslocados para uma posição defensiva do ponto de vista psicológico, nunca existiu plenamente. O gaslighting intelectual, caracterizado pela negação sistemática de realidades sociais evidentes, há muito tempo já minava o debate público ao distorcer a própria base sobre a qual as discussões deveriam ocorrer.
Considere a discussão sobre cotas raciais no Brasil nos anos 2000. Afirmava-se que o racismo no país era inexistente e que as cotas criariam esse problema em nosso paraíso racial. O gaslighting, definido como forma de abuso psicológico onde se leva o outro a questionar sua percepção da realidade, manifestava-se fortemente. Ao negar a realidade do racismo e deslegitimar os sofrimentos vividos como algo esporádico, em vez de estrutural e recorrente, distorcia-se a própria base do debate.
Não se trata de querer interditar o debate ao rotular certos argumentos como abuso psicológico. Contudo, é fundamental reconhecer como a negação sistemática de opressões baseadas em raça, gênero e identidades LGBTQIA+ impacta negativamente a participação de vozes diversas no espaço público.
A construção de um debate público aberto e inclusivo não pode envolver o retorno ao estado anterior de coisas.
As críticas que têm acentuado o suposto identitarismo como raiz dos males contemporâneos precisam tomar cuidado para não se engajar, mais uma vez, em gaslighting intelectual. Fez mal no passado, continuará fazendo novamente.
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