Climatologista reconhecida no combate aos efeitos da crise climática, a Dr. Luciana Gatti, atual Coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), tem sido alvo de ataques de setores do agronegócio que negam evidências sobre o desmatamento.
A onda de ataques ocorre após entrevista concedida por Luciana Gatti à GloboNews no dia 15 de setembro de 2024. Na ocasião, a pesquisadora alertou sobre o uso do fogo por produtores de cana-de-açúcar e os riscos desse procedimento para o meio ambiente, tendo criticado ainda a atuação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), diante das queimadas no estado.
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Reação do agronegócio
Além da SAA-SP (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), outras duas entidades do setor sucroenergético se manifestaram contrárias às declarações da cientista.
O secretário e produtor rural, Guilherme Piai Filizzola, à frente da SAA, caracterizou como ‘nefasta e criminosa’ as declarações feitas por Gatti.
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Em nota, a UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia) solicitou reunião em caráter de urgência com a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, alegando que Gatti teria imputado às usinas produtoras de açúcar e bioenergia “condutas criminosas”. A entidade também pediu o direito de resposta à GloboNews, que foi concedido e exibido no programa GloboNews Mais do dia 16.
Por sua vez, a ORPLANA (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil) definiu como “falsas e infundadas” as declarações da cientista.
Evidências contradizem a posição de entidades
Apesar de as entidades terem repudiado as declarações da pesquisadora, estudos recentes respaldam as afirmações feitas pela cientista.
Embora reafirmem o compromisso do agronegócio com o meio ambiente, um relatório divulgado pelo MapBiomas em agosto deste ano aponta que o setor é atualmente o principal responsável pela perda de vegetação nativa no Brasil, tendo expandido sua área agrícola em 228% nos últimos 39 anos.
O mesmo estudo revelou que o Brasil chegou este ano à marca de 33% de perda de suas áreas nativas, com metade da perda total — cerca de 55 milhões de hectares — ocorrendo na Amazônia.
Sobre a origem dos focos de queimada, pesquisas recentes baseadas em imagens de satélite demonstram que mais de 90% delas são causadas por ação humana. A ministra Marina Silva caracterizou ações coordenadas de incêndios como “terrorismo climático”.
Entenda o caso
Em entrevista concedida à GloboNews no dia 15, Gatti criticou a proposta de Tarcísio de Freitas de indenizar proprietários de áreas atingidas por queimadas sem investigação prévia de possíveis responsáveis e vítimas. Segundo a pesquisadora, essa ação pode favorecer criminosos e desamparar pequenos produtores.
No entanto, a entrevista de Gatti foi interrompida devido a problemas técnicos, suspendendo rapidamente a chamada no instante em que a pesquisadora criticava Tarcísio de Freitas. Logo após restabelecer a conexão, a conversa foi redirecionada para outro tópico pela entrevistadora, sem dar condições para que Gatti prosseguisse a partir do ponto em que havia sido interrompida.
Moção de apoio e solidariedade
Como resposta aos ataques sofridos pela cientista, a comunidade de acadêmicos e ambientalistas tem expressado apoio à pesquisadora por meio de manifestações públicas. Assinada por Antonio Donato Nobre, Carlos Nobre e Ricardo Galvão, uma moção pública foi criada em apoio e solidariedade à Dra. Luciana Gatti.
Leia na íntegra:
Na semana sucessiva ao dia 15 de setembro (2024), uma tempestade se desencadeou contra a Dra. Luciana Gatti. O Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo, Guilherme Piai, chegou a acusá-la de ter dado à imprensa declarações “nefastas e criminosas” a respeito dos incêndios que estão devastando o país. Além disso, enviou um ofício à Ministra Luciana Santos, do MCTI, pedindo explicações sobre tais declarações.
Trata-se de uma acusação injuriosa e de uma clara tentativa de intimidação que não pode ficar sem a devida resposta de parte da sociedade. A Dra. Luciana Gatti, uma das mais experientes cientistas do Brasil, com grande reconhecimento nacional e internacional, apenas reiterou à imprensa o que é largamente sabido: o histórico de importante parte do setor do agronegócio tem sido promover desmatamento e queimadas de florestas, matas, vegetação nativa e até áreas protegidas, como bem o comprova o contínuo monitoramento por satélite. Como sempre, esse setor do agronegócio e seus porta-vozes políticos valem-se da velha tática de imputar às vítimas e aos acusadores a autoria dos próprios crimes.
Vimos a público, através desta moção, prestar solidariedade à Dra. Luciana Gatti, uma das maiores autoridades internacionais em ciência do clima na Amazônia, e repudiar os insultos proferidos pelo atual secretário da agricultura do estado de São Paulo. Os cidadãos brasileiros e de todo o mundo precisam dar um basta a um modelo econômico que não produz alimentos, mas commodities agrícolas infestadas de agrotóxicos proibidos nos países que os fabricam e que estão cada vez mais envenenando o povo brasileiro. Precisamos de uma lei proibindo totalmente o uso de fogo na agropecuária brasileira. Precisamos dar um basta à destruição da natureza, de que somos todos dependentes e parte integrante. Não podemos mais tolerar uma atividade eivada de crimes, mas patrocinada por parcelas majoritárias do Poder Legislativo e altamente subsidiada pelos nossos impostos através de financiamentos públicos e incentivos e isenções fiscais. É preciso escolher, aqui e agora, entre a impunidade e a salvaguarda de nosso presente e de nosso futuro.
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