Se der a lógica, haverá apenas uma vaga em disputa na eleição paulistana: a de adversário de Guilherme Boulos no segundo turno. O candidato do PSOL aparece em terceiro lugar em algumas pesquisas, mas deve ser impulsionado pelo voto útil de eleitores que, estando mais à esquerda, não querem dois representantes do bolsonarismo disputando o comando da cidade.
Marçal e Nunes, cada um a sua maneira, estão engajados em conquistar o eleitor evangélico. A estratégia do prefeito é atuar institucionalmente, dialogando com pastores e lideranças. Ele não é evangélico, mas tem o apoio da bancada evangélica na Câmara Municipal e de líderes influentes, como o pastor Silas Malafaia.
O ex-coach, por sua vez, aposta nas redes sociais para falar diretamente com os eleitores. Ele usa a visibilidade que conquistou para fazer associações que o público evangélico entende —por exemplo, apresentando a si próprio como Davi, Bolsonaro como Saul e o comunismo como Golias— e para discutir aborto, como fez na visita à Bienal do Livro na semana passada.
Se a disputa estivesse ocorrendo no início deste século, o resultado seria previsivelmente favorável ao prefeito, mas a internet mudou tudo. Hoje o termo "evangélico" se tornou mais amplo e flexível, como escreveu a antropóloga Christina Vital, em artigo nesta Folha, sobre o crescimento das "igrejas digitais".
Até recentemente, o evangélico era alguém que frequentava uma igreja física regularmente e, por isso, estava submetido à autoridade de um pastor. Esse grupo ainda existe, mas hoje temos evangélicos cuja ligação com a igreja é mais instável. Como o próprio Marçal, eles não congregam regularmente e vivem o cristianismo como um estilo de vida, não como religião.
E quem é esse eleitor? Ele é predominantemente jovem, um "batalhador" egresso do ensino público que sonha ascender socialmente. Para ele, o cristianismo é uma ética, ou seja, um conjunto de princípios que o ajudam a sobreviver diante das dificuldades do dia a dia.
Se frequenta uma igreja, essa igreja é possivelmente uma de bairro, para os mais pobres, ou igrejas badaladas, como a Batista da Lagoinha, ou de médio porte, como a Videira, de onde vem Marçal. Mas também há nesse grupo o crente desigrejado, que se afastou por motivos diversos, como falta de tempo ou desentendimentos, e ainda o "simpatizante", que considera suficiente o acesso à religião por meio digital.
A guerra está intensa. Apoiadores de Nunes circulam trechos de vídeos em que Marçal afirma que não paga dízimo e se compara ao rei Salomão.
O ex-coach responde constrangendo líderes. "Eu quero fazer um desafio: qualquer pastor que quiser apoiar o Nunes, que fale publicamente", provocou na sabatina d’O Antagonista, na sexta (13). "E não faça como o [apóstolo] Estevão Hernandes, que postou e apagou, porque os próprios membros não estão com ele."
Se a partir de Bolsonaro o eleitor evangélico entrou no mapa da política, visto muitas vezes como uma categoria monolítica, neste ano descobriremos como esse campo se divide. E quem é mais influente.
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