Numa passagem por Manaus no último dia 10, Lula anunciou que criará uma Autoridade Climática para cuidar das queimadas e dos incêndios. Boa notícia. Em 2022, depois do primeiro turno, essa ideia circulou na equipe que discutia os planos do novo governo. Passaram-se os meses e ela pegou fogo.
Contra a ideia agiram dois grupos, com interesses antagônicos. De um lado, os burocratas interessados em preservar o poder do Ministério do Meio Ambiente. De outro, os agrotrogloditas, interessados na teatralidade e na preservação da falta de coordenação do poder público.
Dois anos depois, a Autoridade Climática voltou ao baralho e, com ela, o velho conflito. Numa entrevista aos repórteres Jeniffer Gularte, Sérgio Roxo e Thiago Bronzatto, o ministro Rui Costa, da Casa Civil, deu algumas pistas para se entender como funciona a trava.
Quando lhe disseram que "o Ministério do Meio Ambiente enviou há alguns meses para a Casa Civil o modelo de funcionamento" da Autoridade Climática, ele perguntou: "Está aqui há meses? Onde obteve essa informação?"
"No Ministério do Meio Ambiente."
"Sabe que dia chegou o primeiro texto aqui? Ontem (quinta-feira). O que tinha sido apresentado há dois meses era um PowerPoint."
Traduzindo: a ideia da criação da Autoridade Climática ficou mais de um ano no universo dos PowerPoint.
Rui Costa colocou a questão nos seus velhos termos. O Ministério do Meio Ambiente quer uma autarquia, dentro do seu quadrado de poder. A outra ideia, queimada em 2023, previa uma Autoridade vinculada à Presidência da República.
Esse dilema parece ser da família da discussão do que veio primeiro, o ovo ou a galinha. Sua chave está na transversalidade dos poderes da Autoridade Climática. Por exemplo: ela terá poderes para se meter em assuntos ligados ao Ministério da Agricultura? Ou ainda: a Autoridade Climática terá mais agilidade para reprimir os incêndios criminosos? Abundam as provas de que o último fogaréu foi deliberado e coordenado. Lula classificou-o como "oportunismo". É bem mais que isso. A Polícia Federal já abriu 85 inquéritos para investigar a origem desses crimes. (No século passado, um grupo de esquerda queimava canaviais no Nordeste.)
A trava que bloqueou a Autoridade Climática em 2023 é a mesma que alimenta as dúvidas de hoje. É um conflito de visões de pessoas interessadas na defesa do meio ambiente e na preservação de seu poder na burocracia, não necessariamente nessa ordem.
Argumentando contra a vinculação da Autoridade Climática à Presidência da República, a ministra Marina Silva elaborou:
"Eu fico pensando numa estrutura ligada ao gabinete do presidente da República... E se mudar o presidente, e o presidente não quiser essa estrutura ligada a ele?"
Tudo bem, se esse presidente fosse Jair Bolsonaro, nomearia Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente, para que a boiada passasse.
Para quem está cheirando fumaça nas cidades ou fugindo do fogo no campo, a situação é ridícula. Em fevereiro de 2023 Lula propôs a criação de uma "governança global" para a questão climática.
Bonitas palavras, de um presidente que consumiu dois anos e não definiu a governança de sua própria autoridade pessoal.
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