quinta-feira, 19 de setembro de 2024

CRÔNICA SOBRE A BELEZA DO MUNDO , José Benjamim de Lima , in APMP


José Benjamim de Lima 

“Um clarão de eternidade baixa sobre

a beleza do mundo”. (Bachelard – A

Poética do Devaneio) 

Segundo um ditado popular, beleza não se põe à mesa. Numa outra

versão, “beleza e formosura não dão pão, nem fartura”. Tais

provérbios apelam para o sentido pragmático que supostamente

deve ter a vida: importa o que nos mantém vivos e sobreviventes:

o pão, o alimento, a subsistência. Nessa visão, a beleza seria, em si

mesma, supérflua, dispensável, inútil. 

Será mesmo assim? A petição de beleza parece ser inerente à

natureza humana. Não contente com as belezas naturais, o ser

humano é um incansável criador de belezas. E se a beleza não

alimenta o físico, certamente alimenta o espírito e assim o fazendo

repercute positivamente sobre o físico e o psíquico humanos. 

O belo – lê-se no Dicionário de Filosofia de Japiassu – “é aquilo

que desperta nos homens um sentimento particular chamado

“emoção estética”, sentimento que se acredita ser inteiramente

desinteressado, não obstante parcialmente determinado pelo hábito

e pelo conhecimento. “Até mesmo as emoções estéticas que

sentimos diante de certos espetáculos da natureza dependem, pelo

menos em parte, dos valores culturais do momento”. 

Na página final do seu “Origem das Espécies”, referindo-se à

grandiosidade do sistema evolutivo que governa a vida da natureza,

partindo de formas simples para formas complexas, Charles

Darwin escreveu: “enquanto este nosso planeta girava de acordo

com leis fixas, e a terra e a água se substituíam num ciclo de

mudanças, de uma origem tão simples, pelo processo de seleção

gradual de mudanças infinitesimais, infinitas formas de grande

beleza evoluíram”. 

“Infinitas formas de grande beleza” ... A expressão, em si mesma

bela, tenta dar conta da imensa e admirável beleza do mundo. Uma

beleza que se manifesta não apenas na profusão de luzes e cores

em suas infinitas tonalidades (veja-se uma noite estrelada, o nascer

e o pôr de sol, um jardim florido etc.), mas também na repetição de

padrões de formas cuja qualidade principal é a simetria (notem-se

as borboletas, as folhas de tantas plantas, as cascas de certas frutas,

certos animais – o tigre, a zebra etc.). 

Fiquemos com a beleza das flores, nessa primavera que se anuncia.

Seu vivo colorido, com milhares de nuances, a fragilidade de suas

delicadas pétalas, a variedade quase infinita de suas formas, em

muitos casos o seu perfume, são algumas das motivações de nosso

encantamento. À beleza natural, que tanto costuma encantar-nos,

soma-se a beleza, digamos, de segundo grau, criada pelo ser

humana por intermédio da arte. Emoções estéticas para todos os

sentidos, especialmente a visão e a audição. 

A beleza do mundo é às vezes tão arrebatadora que para alguns

chega a ser perigosa, desequilibra. Ela também tem as suas

sombras, o seu lado temível. Às vezes, esmaga. Rilke, na primeira

de suas Elegias de Duíno se indaga e responde: “[....] Pois que é o

Belo / senão o grau do Terrível que ainda suportamos / e que

admiramos porque, impassível, desdenha / destruir-nos? [....]” .

Rafael Cansinos-Asséns, escritor espanhol -assevera-nos Jorge

Luis Borges - escreveu “um primoroso poema em prosa no qual

pedia a Deus que o defendesse, que o salvasse da beleza, porque,

dizia ele, ‘há beleza demais no mundo” (Borges, Esse Ofício de

Escrever).  

A beleza do mundo nos encanta, nos extasia, nos deixa mutas vezes

mudos e perplexos. Geralmente nos engrandece e nos leva a um

estado inexprimível de estesia e sublimação, perante o qual só nos

resta o silêncio, um silêncio quase místico de contemplação, alegria

e deleite. Nas belas palavras de Gaëtan Picon: “O instante de alta

emoção estética, rico de uma intensidade excepcional e que domina

a nossa vida, parece ultrapassar a ordem do tempo e pertencer à

eternidade” (O Escritor e sua Sombra). (limajb48@gmail.com) 

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