José Benjamim de Lima
“Um clarão de eternidade baixa sobre
a beleza do mundo”. (Bachelard – A
Poética do Devaneio)
Segundo um ditado popular, beleza não se põe à mesa. Numa outra
versão, “beleza e formosura não dão pão, nem fartura”. Tais
provérbios apelam para o sentido pragmático que supostamente
deve ter a vida: importa o que nos mantém vivos e sobreviventes:
o pão, o alimento, a subsistência. Nessa visão, a beleza seria, em si
mesma, supérflua, dispensável, inútil.
Será mesmo assim? A petição de beleza parece ser inerente à
natureza humana. Não contente com as belezas naturais, o ser
humano é um incansável criador de belezas. E se a beleza não
alimenta o físico, certamente alimenta o espírito e assim o fazendo
repercute positivamente sobre o físico e o psíquico humanos.
O belo – lê-se no Dicionário de Filosofia de Japiassu – “é aquilo
que desperta nos homens um sentimento particular chamado
“emoção estética”, sentimento que se acredita ser inteiramente
desinteressado, não obstante parcialmente determinado pelo hábito
e pelo conhecimento. “Até mesmo as emoções estéticas que
sentimos diante de certos espetáculos da natureza dependem, pelo
menos em parte, dos valores culturais do momento”.
Na página final do seu “Origem das Espécies”, referindo-se à
grandiosidade do sistema evolutivo que governa a vida da natureza,
partindo de formas simples para formas complexas, Charles
Darwin escreveu: “enquanto este nosso planeta girava de acordo
com leis fixas, e a terra e a água se substituíam num ciclo de
mudanças, de uma origem tão simples, pelo processo de seleção
gradual de mudanças infinitesimais, infinitas formas de grande
beleza evoluíram”.
“Infinitas formas de grande beleza” ... A expressão, em si mesma
bela, tenta dar conta da imensa e admirável beleza do mundo. Uma
beleza que se manifesta não apenas na profusão de luzes e cores
em suas infinitas tonalidades (veja-se uma noite estrelada, o nascer
e o pôr de sol, um jardim florido etc.), mas também na repetição de
padrões de formas cuja qualidade principal é a simetria (notem-se
as borboletas, as folhas de tantas plantas, as cascas de certas frutas,
certos animais – o tigre, a zebra etc.).
Fiquemos com a beleza das flores, nessa primavera que se anuncia.
Seu vivo colorido, com milhares de nuances, a fragilidade de suas
delicadas pétalas, a variedade quase infinita de suas formas, em
muitos casos o seu perfume, são algumas das motivações de nosso
encantamento. À beleza natural, que tanto costuma encantar-nos,
soma-se a beleza, digamos, de segundo grau, criada pelo ser
humana por intermédio da arte. Emoções estéticas para todos os
sentidos, especialmente a visão e a audição.
A beleza do mundo é às vezes tão arrebatadora que para alguns
chega a ser perigosa, desequilibra. Ela também tem as suas
sombras, o seu lado temível. Às vezes, esmaga. Rilke, na primeira
de suas Elegias de Duíno se indaga e responde: “[....] Pois que é o
Belo / senão o grau do Terrível que ainda suportamos / e que
admiramos porque, impassível, desdenha / destruir-nos? [....]” .
Rafael Cansinos-Asséns, escritor espanhol -assevera-nos Jorge
Luis Borges - escreveu “um primoroso poema em prosa no qual
pedia a Deus que o defendesse, que o salvasse da beleza, porque,
dizia ele, ‘há beleza demais no mundo” (Borges, Esse Ofício de
Escrever).
A beleza do mundo nos encanta, nos extasia, nos deixa mutas vezes
mudos e perplexos. Geralmente nos engrandece e nos leva a um
estado inexprimível de estesia e sublimação, perante o qual só nos
resta o silêncio, um silêncio quase místico de contemplação, alegria
e deleite. Nas belas palavras de Gaëtan Picon: “O instante de alta
emoção estética, rico de uma intensidade excepcional e que domina
a nossa vida, parece ultrapassar a ordem do tempo e pertencer à
eternidade” (O Escritor e sua Sombra). (limajb48@gmail.com)
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