quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O 'amor cachaça' no centenário de Paulo Vanzolini, Gelo e gim, FSP

 

Em 1953, Inezita Barroso gravou "Marvada Pinga", que seria um sucesso. A música dizia assim: "Eu bebo da pinga porque gosto dela/ Eu bebo da branca, bebo da amarela/ Bebo nos copo, bebo na tigela/ E bebo temperada com cravo e canela/ Seja quarqué tempo, vai pinga na guela".

Era uma ode à geritiba, como a cachaça era chamada em Portugal, séculos atrás, ensina o "Prelúdio da Cachaça", de Câmara Cascudo. Gregório de Matos, o Boca do Inferno, era um que usava o termo, o que não deixa de ser uma boa chancela. Aqui ficou pinga mesmo, apelido de cachaça, palavra um pouco mais nobre.

Inezita Barroso no programa “Os Sons da Memória” (1980, TV Cultura)
Inezita Barroso no programa 'Os Sons da Memória' (1980, TV Cultura) - Cedoc FPA/TV Cultura/Danilo Pavani

Durante a produção da aguardente, o vapor se condensava no teto dos engenhos e pingava nos trabalhadores, quase sempre escravos. Daí o nome. Já a origem da palavra cachaça é controversa, diz o "Dicionário Etimológico" de Antônio Geraldo da Cunha, e portanto difícil de precisar.

Fato é que Inezita precisava gravar o lado B de seu compacto. Naquele tempo era tudo feito na hora. Era preciso um compositor que cedesse os direitos de alguma música. Por acaso, Paulo Vanzolini estava lá. E tinha na mão "Ronda", que havia composto aos 21 anos.

Assim, o hino da noite de São Paulo foi registrado pela primeira vez. Mas a frase "bebendo com outras mulheres, rolando dadinho, jogando bilhar" não chegou ao grande público. Demoraria mais de dez anos para a música pegar, na voz de Márcia. Depois disso, até Caetano se curvou, fazendo alusão a ela em "Sampa".

Paulo Vanzolini a bordo do barco Garbe em expedição pela Amazônia em 1975
Paulo Vanzolini a bordo do barco Garbe, em expedição pela Amazônia, em 1975 - Acervo

Vanzolini, cujo centenário é comemorado neste ano, criou a canção a partir de sua experiência no Exército, quando patrulhava a região do baixo meretrício, volta e meia apanhando algum soldado bêbado e encrenqueiro. "Cansei de ver mulheres sozinhas entrando num bar, procurando alguém com os olhos, e saindo", disse.

PUBLICIDADE

Zoólogo com doutorado em Harvard, diretor por 30 anos do Museu de Zoologia de São Paulo, Vanzolini era muito culto e chorava ao recitar Olavo Bilac. Um cientista brilhante, com uma aguda sensibilidade artística. Em suas andanças, percorreu mais de 10 mil quilômetros de rios na Amazônia. Especialista em serpentes e anfíbios, buscava novas espécies; 15 delas foram batizadas em sua homenagem.

Como homem da noite, definia a boemia com candura: "Ficar bebendo cerveja em bar barato com os amigos". Muitos desses amigos eram músicos, como Dorival Caymmi, Chico Buarque e Toquinho —este, seu parceiro. Em ciência, pensava como Karl Popper: "Toda teoria deve ser examinada e desmentida. E então substituída por outra". Uma revolução permanente, o que incluiu sua celebrada Teoria dos Refúgios.

Grande mestre do samba paulistano, cervejeiro e bebedor da simples e eficiente 51, muitas vezes ao lado de Adoniran Barbosa, incluiu a marvada em pelo menos duas letras de suas mais de 60 composições. Em a bela "Toada de Luís", há o trecho: "A sorte passou bem perto/ Você não quis nada com ela/ Preferiu seu peito aberto/ e sua cabeça fechada/ Viola, mulher e cachaça/ Virgem Maria, cheia de graça!/ E sexta-feira de madrugada".

Já em "Amor de Trapo e Farrapo", o amor é qualificado de maneiras surpreendentes: "Amor sereno/ Amor pirraça/ Amor veneno/ Amor cachaça/ Amor debaixo d'água/ Amor no meio dos infernos/ Amor de meter susto ao padre eterno".


BATIDA ROSA

45 ml de cachaça

45 ml de água com gás

22 ml de suco de abacaxi

22 ml de suco de limão siciliano

15 ml de grenadine

Ponha a água com gás num copo Collins (longo) com gelo. Bata os demais ingredientes e coe para o copo. Decore com uma fatiazinha de abacaxi.

Nenhum comentário: