domingo, 22 de setembro de 2024

Prestes Maia criou grandes avenidas e optou por não implantar metrô, FSP

 Tayguara Ribeiro

SÃO PAULO

Não é exagero dizer que uma boa parte da cara que São Paulo tem hoje começou a ser desenhada na gestão do prefeito Francisco Prestes Maia na década de 1930. Isso porque o crescimento da cidade foi impulsionado pelo Plano de Avenidas, idealizado por ele.

É dessa época a construção de algumas das principais vias da capital paulista, como as avenidas Nove de Julho e 23 de Maio. Sua gestão executou ainda obras de retificação do rio Tietê, que possibilitariam a construção da marginal anos depois. O modelo direcionou a urbanização e os investimentos na cidade.

Prestes Maia, em 1957, quando tentava voltar para a Prefeitura de São Paulo por meio de eleições diretas - 24.mar.57 - Acervo Folhapress

Um exemplo foi a priorização do transporte individual, com a abertura de ruas e avenidas largas que comportassem automóveis. Ao mesmo tempo, a gestão deixou de lado projeto de instalação do metrô, que seria implantado somente na década de 1970.

As ações de Prestes Maia foram relevantes para a época ao adaptar a cidade ao novo perfil de transporte, o carro, segundo Luis Bresciani, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo. "Mas se olharmos com os olhos de hoje, existem vários problemas. É o legado da cidade do automóvel, do congestionamento", afirma.

"Enquanto outras cidades construíram seus metrôs logo no começo do século 20, São Paulo atrasou [o início dessas obras] em cinco décadas. E atrasou com consciência, por opção, o que nos leva a ter uma das malhas de menor alcance", diz.

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Nascido em Amparo, no interior paulista, em 1896, Prestes Maia era engenheiro civil. Foi nomeado prefeito em 1938 durante a ditadura de Getúlio Vargas e ficou no cargo até 1945. Teve um segundo mandato de 1961 a 1965, porém, mais apagado, sem uma marca forte, como o Plano de Avenidas.

Maia trabalhou ainda na Secretaria de Obras Públicas de São Paulo, foi professor da Escola Politécnica e elaborou planos de urbanização para Recife, Campos do Jordão, Santos e Campinas.

Plano de Avenidas de São Paulo foi idealizado por ele, publicado em 1930 e começou a ser implementado em sua gestão. O projeto é estudado até hoje.

"Acabou estruturando o crescimento da cidade desde então. A partir do sistema Y —duas avenidas de fundo de vale: Saracura/Nove de Julho e Itororó/23 de Maio—, [o projeto] indicou um eixo de investimentos preferencial nesse vetor sudoeste", afirma Ana Castro, professora de arquitetura e urbanismo da USP.

Algumas das avenidas abertas nesse período, como a Nove de Julho, foram construídas em cima de rios e córregos, o que levou à impermeabilização de parte expressiva da cidade. Iniciativas como essas ajudam a compreender as dificuldades atuais em lidar com enchentes.

PREFEITOS DE SÃO PAULO

  • Série de reportagens da Folha apresenta perfis de alguns dos prefeitos que marcaram época, entre os mais de 50 que comandaram a cidade de São Paulo ao longo do período republicano. A intenção é jogar luz sobre ações do poder público municipal que foram determinantes para o avanço ou para estagnação da capital paulista, além de rememorar momentos relevantes e passagens curiosas das gestões

"As avenidas de fundo de vale que o Plano de Avenidas propunha decorriam do fato de serem áreas ocupadas pelas populações mais pobres, com custo menor de desapropriações e uma espécie de 'leito natural', a partir do entubamento e enterramento dos rios", afirma Ana Castro.

"Depois, elas seguiram como padrão de intervenção. Basta pensar em muitas das avenidas que se estruturaram posteriormente: Sumaré, Pacaembu, Aricanduva. Hoje, essas soluções se mostram equivocadas. Na época, havia urbanistas que pensavam diferente, como Saturnino de Brito", lembra a professora da USP.

O problema, ela afirma, é que este modelo despreza o regime natural dos rios, buscando em muitos casos ordenar rios de várzea larga como o Tietê ou o Tamanduateí. Essa opção teve consequências décadas depois, quando a cidade ficou com muitas áreas impermeabilizadas.

Luiz Ignácio de Anhaia Mello, que chegou a ser prefeito de São Paulo por alguns meses em 1930, era outro urbanista que discordava do modelo.

De acordo com José Geraldo Simões Junior, professor de urbanismo do Mackenzie, Prestes Maia tinha uma visão de desenvolvimento segundo a qual São Paulo não podia parar por ser o carro-chefe do Brasil e da industrialização. Era preciso continuar crescendo, verticalizando, tendo mais automóveis. Anhaia Mello, ao contrário, acreditava que esse crescimento precisava ser limitado.

"Anhaia Mello propunha que a cidade fosse mais descentralizada, não tivesse tudo convergindo para o centro. Ele gostava da ideia dos bairros jardins. Achava que o modelo ideal era limitar o crescimento por meio de áreas verdes, era uma outra concepção", diz Simões Junior.

Mas a proposta de Prestes Maia prevaleceu e influencia o desenvolvimento da cidade até hoje. São Paulo continua formatada segundo o modelo radial concêntrico, ou seja, com vias que partem do centro e dirigem-se radialmente para outros pontos da cidade.

"Depois desse primeiro perímetro que ele fez de radiação, com avenidas como Ipiranga e São Luiz, há vários outros círculos hoje. Um deles passa pela avenida Paulista, outro pela marginal Pinheiros e Bandeirantes. E tem o Rodoanel. Esses círculos vão sendo ampliados ao redor do centro e fazendo com que se mantenha uma convergência de movimentos imobiliários", diz o professor.

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