segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Carro elétrico: evolução rápida e concorrência chinesa aceleram desvalorização e dificultam revenda, Cleide Silva -OESP

 A recente reviravolta no mercado global de carros elétricos, atualmente em desaceleração em países da Europa e nos Estados Unidos, provoca uma intensa queda nos preços de revenda e excesso de estoques nas lojas e fábricas. No Brasil, onde as vendas desses modelos estão aquecidas, ainda que sobre uma base pequena de comparação, a desvalorização de modelos 100% a bateria também preocupa. Automóveis com dois a três anos de uso e baixa quilometragem foram vendidos nos últimos meses com até 45% de deságio e, dependendo do modelo, por menos da metade do valor pago pelo novo.

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Após rodar 54 mil km, por dois anos e meio, com um Peugeot e-208, adquirido por R$ 249 mil, o empresário paulista Maurício de Barros decidiu vendê-lo. Fez anúncios em plataformas especializadas e, em quatro meses, não recebeu propostas. Em julho, entregou o modelo a uma concessionária por R$ 100 mil como parte da troca por outro elétrico. “Foi uma paulada”, diz.

Barros reconhece, contudo, ter “pago o preço por estar entre os primeiros a ter um carro 100% elétrico, quando não havia muitas opções e todos os modelos eram caros”. Seu consolo é ter adquirido um BYD Yuan Plus novo, com mais itens de tecnologia e 480 km de autonomia, ante 320 km do e-208. O modelo custou R$ 209 mil porque a marca deu desconto de R$ 30 mil para aquela versão.

A rapidez na evolução tecnológica dos automóveis elétricos, a deficiência na infraestrutura de recarga e a guerra de preços intensificada pelas empresas chinesas a partir do ano passado, que levou as demais marcas a baixarem seus preços, são os principais fatores que levam à desvalorização dos seminovos. Já os preços dos modelos híbridos usados têm comportamento mais próximo ao dos carros a combustão.

Maurício de Barros em seu BYD Yuan, para o qual deu de entrada o antigo Peugeot elétrico
Maurício de Barros em seu BYD Yuan, para o qual deu de entrada o antigo Peugeot elétrico Foto: Werther Santana/Estadão

Um Nissan Leaf Tekna 2023 zero, por exemplo, tem preço sugerido pela fabricante de R$ 298,4 mil, mas pode ser encontrado nas concessionárias com 15% de desconto, ou R$ 252,1 mil, de acordo com a consultoria automotiva Kelley Blue Book (KBB). A versão do mesmo ano com 14 mil km rodados custa, nas revendas, R$ 196,1 mil, um deságio de 22%. Já na troca por outro carro, os lojistas pagam 37% menos (R$ 158,8 mil).

Híbrido tem deságio menor

Com cerca de 33 milhões de visitas por mês e 1,5 milhão de leads (propostas de compra), a maior plataforma de venda online de veículos do País, a Webmotors, registra desvalorização média de 12% nos preços dos carros elétricos neste ano e de 6% para os híbridos. Os modelos convencionais têm perda média de 2,25%, informa o CEO Eduardo Jurcevic. Os elétricos são apenas 1,2% dos cerca de 400 mil veículos em estoque na plataforma. Os híbridos são 2,3%.

A demanda por elétricos na Webmotors é 12% menor em relação aos tradicionais. Os motivos, na opinião de Jurcevic, são o desafio da infraestrutura e, em muitos casos, o receio da duração da bateria de um carro já usado ou da necessidade de manutenção. O tempo médio para venda é 26% maior em comparação aos automóveis a combustão ou híbridos.

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No mês passado, a revenda Amazon, autorizada da Volkswagen em São Paulo, suspendeu as compras de elétricos devido ao longo período em que permanecem nas lojas. A concessionária tem cinco Nissan Leaf em estoque há um ano e meio, chegou a anunciá-los pela metade do preço da tabela Fipe (referência em preços de carros usados) e não teve interessados. “Nossos lojistas parceiros também pararam de comprar elétricos por causa da depreciação alta”, diz Marcelo Jallas, diretor da Amazon. A Volkswagen tem dois veículos elétricos no Brasil, o ID.4 e o ID Buzz, disponíveis apenas para a modalidade de assinatura.

Frota de locadoras

Nem mesmo as locadoras de veículos - tradicionalmente responsáveis por metade das vendas totais de automóveis das montadoras - estão buscando os elétricos. Juntas, elas têm 4,3 mil modelos com essa tecnologia e 6,8 mil híbridos em suas frotas, informa Paulo Miguel Junior, vice-presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla). O número equivale a menos de 1% da frota total.

A maior empresa do setor, a Localiza, encerrou 2023 com 2,7 mil elétricos e híbridos em uma frota de 631 mil veículos. As primeiras unidades de elétricos adquiridas pelo setor há cerca de três anos, principalmente de marcas tradicionais, foram revendidas a preços “muito abaixo do esperado, com cerca de 40% a 45% de depreciação”, diz Miguel Junior.

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Esses veículos, segundo a Abla, foram comprados por valores altos e em dois anos tiveram significativa desvalorização após a chegada das marcas chinesas, com ofertas mais competitivas e tecnologias mais avançadas. As montadoras tradicionais tiveram de reduzir seus preços para não perderem competitividade e quem comprou antes ficou com a conta do deságio.

Uma das pioneiras em ter frota de elétricos, a Movida adquiriu, a partir de 2021, cerca de 600 modelos Leaf, Renault Zoe, Fiat 500e e BMW i3. Em menos de dois anos, a maior parte estava parada nos pátios por falta de demanda e foi colocada à venda. Segundo fontes do mercado, alguns ficaram até seis meses encalhados. Vários foram vendidos com preços até 40% abaixo da tabela Fipe. O grupo suspendeu a compra da maior parte de um lote de 250 BYD Tan prevista para 2022. A Movida não comentou o tema.

GWM tem programa de recompra para seus modelos à venda no País
GWM tem programa de recompra para seus modelos à venda no País Foto: Felipe Iruatã / Estadão

Fora do Brasil o cenário é ainda pior. Uma das maiores locadoras dos EUA, a Hertz, desistiu neste ano da aquisição de 100 mil carros da Tesla por causa da desvalorização rápida dos seminovos. O comércio dos automóveis usados sempre foi importante fonte de receita para as locadoras.

Uso maior por aplicativos

Grande parte da frota atual de elétricos das locadoras brasileiras tem, em média, menos de um ano de uso e não completou o ciclo para revenda, tradicionalmente de até dois anos. Por isso, o presidente da Abla não sabe qual será o parâmetro de preços dessa nova leva, principalmente dos modelos chineses. Juntas, BYD e GWM são responsáveis por 58% das vendas de elétricos e híbridos novos neste ano.

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