Antes que começassem a voar cadeiras nos debates entre os candidatos a prefeito de São Paulo, já haviam voado os insultos, as acusações de envolvimento com o crime, os apelidos ofensivos e humilhantes e as provocações malcriadas. A violência física foi o desfecho de um longo processo de interação entre os candidatos, que as empresas de jornalismo insistem em chamar de "debates", mas que de debate civilizado mesmo teve muito pouco.
Diz-se que não houve apresentação de propostas nos vários rounds da rinha eleitoral paulistana, mas isso não é verdade. Vi, gravei e revi todos –por razões profissionais, não por alguma tara peculiar– e houve tantas propostas quanto em qualquer outro campeonato eleitoral. Talvez até mais do que a média, pois, em minha experiência, quanto mais fragmentada e feroz a disputa, mais propostas são despejadas nas campanhas.
Como elas não serão realmente examinadas, que ocasião melhor para prometer o impossível e garantir que todos os desejos e necessidades serão satisfeitos? No entanto, o que ficou na memória depois desses encontros –que, afinal, é o que realmente importa– foi o nível de agressividade e leviandade, que pareceu excessivo até para essa época em que todos os limites da civilidade já foram ultrapassados.
Curioso é que todos reclamam da baixaria, mas ninguém abre mão do espetáculo. As empresas de mídia não só acolheram e promoveram esses eventos como os multiplicaram. Ou nós achamos que tiro, porrada e bomba entre políticos não dão audiência? Na verdade, somos nós quem damos audiência, parando para ver o circo pegar fogo ao vivo. "Para que tanto desses debates, meu Deus?", pergunta meu coração socrático. Porém, meus olhos, grudados na tela, não perguntam nada.
O grotesco encanta. Lucram as empresas de jornalismo com a audiência e desfrutamos nós, os espectadores da briga de rua, mas também faturam os políticos envolvidos, pois gente do país inteiro parou para ver os candidatos a prefeito de São Paulo saírem no tapa, mesmo quando não deu a mínima para eventuais debates entre candidatos da própria cidade.
E a democracia? Bem, a democracia devia estar em casa àquela hora, assistindo a doramas coreanos e comendo Bis, alheia a essas coisas que nada têm a ver com ela. "Afinal", pensa ela, "se os paulistanos preferirem Pablo Marçal", por exemplo, "bem merecem ser governados por ele". Não é esse o combinado? Na democracia, você escolhe e fica com o resultado, não adianta espernear depois.
Há muitas lições a serem tiradas dessa série de lutas na lama na "cidade mais rica do país", que nós, os de fora, descobrimos nos debates ser o epíteto obrigatório de São Paulo.
Primeiro, não é verdade que "não é isso o que o público quer ver nos debates", como me explicou um repórter nesta semana. Ora, sejamos realistas: esta eleição mostra que é exatamente isso que uma parte significativa do público quer ver nos debates, na política e na vida pública. Metade do Brasil estaria disposta a transferir seu domicílio eleitoral para São Paulo só para votar numa eleição quente, animada, de dedo nos olhos, rasteiras metafóricas e cadeiradas nem tanto.
O fato de que debates eleitorais não foram concebidos para esse tipo de confronto, e que outros públicos considerem deplorável esse padrão, não significa que a "marçalização" dos debates não tenha seu público, e que ele não seja imenso.
Segundo, muitos de nós, estudiosos da política, acreditávamos que chegaria o momento em que a extrema direita, como qualquer movimento radical, cansaria o eleitor. Afinal, um sistema que exige um nível constante de indignação, fúria e antagonismo tende a se tornar extenuante. No entanto, o radicalismo político não perdeu fôlego e, se há algo que ameaça a sua continuidade, é o surgimento de desafiantes internos ao próprio sistema. Marçal é uma nova extração de radicalismo, que desafia o establishment bolsonarista no seu próprio terreno.
Terceiro, vimos que, em uma sociedade radicalizada e polarizada, uma candidatura que faz o seu jogo sem dar a mínima para os combinados acerca dos propósitos de campanhas e debates consegue desestabilizar todo o conjunto. Assistir a Marçal nos debates era como ver, ao vivo, a ilustração perfeita da alegoria do "pombo enxadrista", popular em fóruns da extrema direita.
Debater com ele sobre propostas para a prefeitura é como tentar jogar xadrez com um pombo: o bicho derruba as peças, defeca no tabuleiro e volta todo contente para o pombal para se gabar de sua "vitória".
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