domingo, 22 de setembro de 2024

Reinaldo José Lopes O mundinho que existe na cabeça de um rato, FSP

 Brincar de esconde-esconde com ratos de laboratório parece o tipo da proposta de pesquisa feita sob medida para ser agraciada com o Ig Nobel, mas convém não julgar a ideia antes de saber quais os resultados desse tipo de estudo.

Quem se dispôs a brincar com os roedores descobriu, por exemplo, que eles se recordam do lugar onde a pessoa se escondeu na rodada anterior do jogo, achando-a mais rapidamente caso ela repita o esconderijo.

Quando eles mesmos estão se escondendo e cabe ao pesquisador procurá-los, os bichos sabem que é melhor não se esconder sempre no mesmo lugar; sabem também que é melhor se esconder num compartimento de paredes opacas, e não num transparente; e sabem que precisam ficar quietinhos no mesmo canto até ser encontrados. E todo esse aprendizado acontece graças a um tipo muito simples de recompensa: os carinhos do colega de brincadeira humano.

Imagem mostra um rato branco dentro de uma caixa transparente em um laboratório
Os ratos se recordam do lugar onde a pessoa se escondeu na rodada anterior do jogo - Tom Little - 18.nov.23/Reuters

O surpreendente talento para o esconde-esconde é apenas uma das janelas para o mundinho cognitivo do Rattus norvegicus abertas recentemente pela ciência. Um resumão do que já sabemos, e do muito que ainda nos falta saber, acaba de sair no periódico especializado Science, em artigo assinado por Inbal Ben-Ami Bartal, da Escola de Ciências Psicológicas da Universidade de Tel Aviv.

A tentação de enxergar os bichos como simples pragas urbanas ou modelos úteis para a pesquisa biomédica acaba obscurecendo o que talvez seja o aspecto mais importante da espécie: os ratos são criaturas intensamente sociais. Nisso, eles e nós somos tipos muito parecidos de mamíferos, e é desse aspecto da natureza dos ratos que têm vindo as descobertas mais impressionantes.

A grande palavra-chave parece ser "empatia". Abstraia as platitudes "gratiluz" que andaram aderindo ao termo nos últimos anos —a questão aqui é a capacidade de entender estados mentais de outros indivíduos, e nisso os ratos parecem se sair um bocado bem.

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Os bichos conseguem aprender a se virar dentro de uma gaiola-labirinto ou a realizar determinada tarefa apenas observando colegas de espécie fazendo as mesmas coisas antes deles. Também são capazes de aprender a temer algo observando reações de medo em outros roedores ou até em seres humanos. Mais importante ainda, diversos experimentos já mostraram que eles fazem de tudo para evitar o sofrimento de companheiros de espécie.

Ratos evitam pisar em interruptores ou apertar alavancas quando percebem que essa ação pode fazer com que outro rato receba um leve choque elétrico, por exemplo. Aprendem rapidamente a abrir portinholas e assim libertar companheiros de espécie que tinham ficado presos sozinhos, mesmo sem receber nenhuma recompensa. E, se têm a opção de pegar uma guloseima apenas para si próprios ou uma para eles e outra para um companheiro, preferem a segunda possibilidade.

É inevitável considerar que descobertas como essa têm implicações éticas, observa Bartal em seu artigo na Science. A longa lista de "serviços prestados" pelos ratos nos laboratórios mundo afora faz com que elas mereçam, no mínimo, condições de vida mais dignas desse vasto mundo interior, e, quem sabe, algumas seções de esconde-esconde por semana.

PS – Esta coluna é dedicada, com todo o carinho do mundo, ao saudoso Tomatini, o roedor mais gentil que já habitou uma biblioteca.

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