domingo, 22 de setembro de 2024

Otimismo tem limite, inclusive legal, Marcos de Vasconcelos, FSP

 Marcos de Vasconcellos

SÃO PAULO

Dívidas impagáveis, inadimplência absurda e incapacidade de levar o próprio negócio adiante. Esse foi o cenário devastador —uma verdadeira Guernica empresarial— pintado no pedido de recuperação judicial da AgroGalaxy, protocolado na semana passada, em sigilo.

A empresa pediu segredo de Justiça para não assustar os credores e evitar uma corrida pela execução antecipada de crédito. O segredo caiu, e a luz do sol mostrou uma inadimplência que chegou a 60% do faturamento total em março; uma dívida líquida acima de R$ 1,5 bilhão; e a impossibilidade de honrar até mesmo o pagamento a investidores que compraram seus títulos em 2022.

Imagem de um painel eletrônico exibindo dados do mercado financeiro. Os números estão em vermelho, indicando quedas. As informações incluem índices como INDU, INDP, NYSE, SPMi, SPX, entre outros, com valores negativos e gráficos de desempenho.
Painel exibe dados do mercado financeiro em queda - Michael M. Santiago - 2.ago.2024/Getty Images via AFP

"Não é verdadeiro assumir que o Grupo AgroGalaxy é solvente: o seu endividamento não está equacionado de modo a caber no seu fluxo de caixa", diz a peça processual. Junto do pedido de recuperação, veio a renúncia do então diretor-presidente, Axel Labourt, e de cinco membros do conselho de administração.

Falei sobre os desafios impostos ao agronegócio pela crise climática na semana passada —e é coisa séria—, mas não dá para fingir que todo esse caos surgiu na AgroGalaxy da noite para o dia. Praticamente um mês antes do pedido de recuperação, o próprio Labourt trombeteou que os números da empresa traziam "sinais claros de recuperação que alimentam nosso otimismo".

Os sinais em questão eram basicamente o aumento da margem bruta de insumos, redução de despesas e ampliação das operações de barter —em que produtores rurais trocam parte de sua produção futura por insumos, como fertilizantes—, o que traria "segurança para toda a cadeia na próxima safra".

Das duas, uma: ou o pedido de recuperação judicial está maquiando a realidade para o Judiciário ou a empresa estava distorcendo a verdade para seus acionistas.

Acontece que, quando abriu seu capital na Bolsa, e levantou R$ 350 milhões, a AgroGalaxy também passou a ser obrigada a seguir o que dita a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). E o artigo 15 da resolução CVM 80 é bem claro ao dizer que cabe às empresas com ação em Bolsa "divulgar informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzam o investidor a erro".

Desde a oferta inicial de ações (IPO), em julho de 2021, os papéis AGXY3 já perderam 94% de seu valor. Saindo da casa dos R$ 9,40 para a toca dos R$ 0,50. Sem um choque de transparência real, é difícil que algum investidor ache uma boa ideia começar a comprar, mesmo que por uma pechincha.

Falando em questões judiciais, me espantou que o Santander (SANB4) gaste tempo de seus advogados e dinheiro de seus acionistas para impedir que funkeiros usem camisas e bonés com o logo do banco, como mostrou reportagem.

O gigante espanhol resolveu entrar numa cruzada contra uma dupla de cantores, por citarem sua marca em vídeos e músicas, que provavelmente incomodaram os ouvidos de seus executivos. Na segunda instância, levou R$ 20 mil, mas deve haver recurso (e novos gastos).


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