Marcos de Vasconcellos
Dívidas impagáveis, inadimplência absurda e incapacidade de levar o próprio negócio adiante. Esse foi o cenário devastador —uma verdadeira Guernica empresarial— pintado no pedido de recuperação judicial da AgroGalaxy, protocolado na semana passada, em sigilo.
A empresa pediu segredo de Justiça para não assustar os credores e evitar uma corrida pela execução antecipada de crédito. O segredo caiu, e a luz do sol mostrou uma inadimplência que chegou a 60% do faturamento total em março; uma dívida líquida acima de R$ 1,5 bilhão; e a impossibilidade de honrar até mesmo o pagamento a investidores que compraram seus títulos em 2022.
"Não é verdadeiro assumir que o Grupo AgroGalaxy é solvente: o seu endividamento não está equacionado de modo a caber no seu fluxo de caixa", diz a peça processual. Junto do pedido de recuperação, veio a renúncia do então diretor-presidente, Axel Labourt, e de cinco membros do conselho de administração.
Falei sobre os desafios impostos ao agronegócio pela crise climática na semana passada —e é coisa séria—, mas não dá para fingir que todo esse caos surgiu na AgroGalaxy da noite para o dia. Praticamente um mês antes do pedido de recuperação, o próprio Labourt trombeteou que os números da empresa traziam "sinais claros de recuperação que alimentam nosso otimismo".
Os sinais em questão eram basicamente o aumento da margem bruta de insumos, redução de despesas e ampliação das operações de barter —em que produtores rurais trocam parte de sua produção futura por insumos, como fertilizantes—, o que traria "segurança para toda a cadeia na próxima safra".
Das duas, uma: ou o pedido de recuperação judicial está maquiando a realidade para o Judiciário ou a empresa estava distorcendo a verdade para seus acionistas.
Acontece que, quando abriu seu capital na Bolsa, e levantou R$ 350 milhões, a AgroGalaxy também passou a ser obrigada a seguir o que dita a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). E o artigo 15 da resolução CVM 80 é bem claro ao dizer que cabe às empresas com ação em Bolsa "divulgar informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzam o investidor a erro".
Desde a oferta inicial de ações (IPO), em julho de 2021, os papéis AGXY3 já perderam 94% de seu valor. Saindo da casa dos R$ 9,40 para a toca dos R$ 0,50. Sem um choque de transparência real, é difícil que algum investidor ache uma boa ideia começar a comprar, mesmo que por uma pechincha.
Falando em questões judiciais, me espantou que o Santander (SANB4) gaste tempo de seus advogados e dinheiro de seus acionistas para impedir que funkeiros usem camisas e bonés com o logo do banco, como mostrou reportagem.
O gigante espanhol resolveu entrar numa cruzada contra uma dupla de cantores, por citarem sua marca em vídeos e músicas, que provavelmente incomodaram os ouvidos de seus executivos. Na segunda instância, levou R$ 20 mil, mas deve haver recurso (e novos gastos).
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