Por Cristina Tardáguila*
Desde 1993 o Brasil convive com o PCC, o Primeiro Comando da Capital, maior organização criminosa do país. Nesses mais de 30 anos, viu-se como o grupo formado nos presídios de São Paulo conseguiu crescer, avançar por outros estados e orquestrar jornadas de terror, promovendo mega rebeliões e chacinas. O que o Brasil talvez ainda não saiba (ou talvez não queira saber) é quão grande é o PCC na conversa político-eleitoral.
Desde 5 de agosto, quando a Lupa começou a acompanhar (de forma sistematizada e anonimizada, via Palver) o que é dito em mais de 80 mil grupos de WhatsApp e Telegram, pelo menos 888 mensagens únicas citando o PCC e pelo menos um dos candidatos à prefeitura de São Paulo circularam por esses aplicativos.
Fazendo uma média aritmética simples, isso significa que, por dia, são produzidos e disseminados nesses espaços virtuais mais de 22 conteúdos que conectam o grupo criminoso aos políticos que pretendem administrar a maior capital do país. Dá quase uma mensagem por hora. Segundo a Palver, esse material já pode ter impactado pelo menos 640 mil pessoas desde o início de agosto. É mais do que todos os eleitores de uma cidade do porte de Santo André, no ABC Paulista.
E o que tanto se fala do PCC? A resposta é, ao mesmo tempo, fácil e preocupante. Tanto as campanhas (de todos os lados do espectro político) quanto suas respectivas militâncias têm investido pesado em disseminar postagens, com entrevistas, cortes de vídeos e links, que tentam convencer o eleitor de que outros candidatos na disputa têm algum tipo de elo com o grupo criminoso. O resultado é um imenso e perigoso ruído. A ideia de que muitos dos candidatos são supostamente ligados ao PCC afasta o cidadão do processo democrático. Reduz a confiança no poder do voto e, a médio prazo, impacta nos rumos do país.
Nesse tsunami de mensagens das últimas semanas, há acusações graves, ilações e dados fora de contexto ou desatualizados. Desinformação pura. Conteúdos plantados – talvez de forma proposital – para angariar ou tirar votos, sem considerar o estrago que podem provocar logo à frente.
Até a publicação deste artigo, absolutamente nenhum dos candidatos aceitos pela Justiça Eleitoral para disputar a prefeitura de São Paulo tinha qualquer conexão direta comprovada com o crime organizado. Mas as mensagens que viralizam nos aplicativos mais famosos do país dizem outras coisas.
No ranking do número de mensagens que ligam quem disputa a prefeitura paulistana ao PCC, Pablo Marçal (PRTB) é quem aparece em primeiro lugar. Desde 5 de agosto, foram 730 conteúdos únicos em pelo menos 230 grupos públicos que debatem política associando o candidato ao grupo criminoso. Dessas 730 mensagens, pelo menos 10 receberam da Meta (dona do WhatsApp) a seta dupla que indica altos índices de viralização dentro da plataforma.
Nesse universo, há quem questione a origem do dinheiro do ex-coach, quem diga que o “M” que ele faz com os dedos para se promover é, na verdade, um símbolo do PCC e quem distribua links para blogs críticos ao candidato, afirmando que membros de seu partido têm negócios com a organização criminosa. Há também trechos de vídeos (entrevistas ou debates) nos quais tanto Tabata Amaral (PSB) quanto Ricardo Nunes (MDB) acusam Marçal de ser sócio do crime. Tabata foi acionada na Justiça por isso.
Guilherme Boulos (PSOL) aparece em segundo lugar. Em quase 40 dias, pelo menos 165 mensagens únicas relacionando o psolista ao PCC impactaram 87 grupos públicos de WhatsApp e Telegram – espaços que reúnem ao menos 107 mil pessoas. Boulos enfrenta uma enxurrada de “notícias” de que um membro de sua campanha teria recebido dinheiro de um empresário de ônibus supostamente associado ao PCC. Fato é que o indivíduo mencionado nessas mensagens atuou na pré-campanha psolista e que a suposta doação, feita em 2020, não seria para Boulos, mas para a candidatura de vereador do próprio indivíduo. Aqui, quem turbina a narrativa é Marina Helena (Novo). Vídeos dela conversando sobre o assunto com o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol ficaram entre os conteúdos mais virais desta semana.
Para fechar a lista de candidatos embrenhados em mensagens que citam o PCC, também aparece José Luiz Datena, do PSDB. Trechos do momento em que ele deixou o púlpito do debate organizado pela TV Gazeta e o canal MyNews no último dia 1o supostamente para esbofetear Marçal circulam pelos apps com frases lembrando que, como âncora de TV, Datena sempre atacou o crime organizado. Seria, aos olhos de seus apoiadores, um homem idôneo.
Enganam-se aqueles que pensam que as conversas ligando o PCC aos candidatos de São Paulo ficam dentro das fronteiras desse estado. Mapa feito a partir dos DDDs usados para falar desse assunto em grupos públicos de WhatsApp mostra a nacionalização da conversa. Nenhum dos Estados – nem o Distrito Federal – ignorou a forma como a política paulistana tem feito propaganda se aproximando ou se afastando do maior grupo criminoso do país.
Preocupa o uso aparentemente indiscriminado de uma das técnicas mais utilizadas em todo o mundo para disseminar notícias falsas: a amplificação do medo (ou fear mongering, em inglês). Alguns se lembrarão da atriz Regina Duarte compartilhando seu receio ante uma possível vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na campanha presidencial de 2002. É disso que falamos. O episódio ocupou preciosos minutos de TV e foi motivo de centenas de análises políticas – muitas delas apontando para o risco de misturar medo e política.
Em 2024, o medo também está sendo difundido, mas de forma mais silenciosa, pelo celular, sem que a maioria dos analistas consiga enxergá-lo. O preço a se pagar pode ser a estabilidade da democracia.
*Cristina Tardáguila é fundadora e sócia da agência Lupa. Este texto faz parte da parceria do Meio com a Lupa, que mapeia o que está fervendo em 80 mil grupos públicos do WhatsApp e do Telegram sobre as eleições municipais deste ano e publica na newsletter Ebulição.
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