segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Estrangeiros compram escolas de elite de SP com a promessa de preservar suas 'identidades', FSP

 Laura Mattos

São Paulo

A recente compra da Escola Móbile, de São Paulo, pelo Nord Anglia, um dos maiores grupos de educação do mundo, é mais um lance no xadrez do lucrativo mercado de educação privada no Brasil, cujo faturamento anual é estimado em mais de R$ 92 bilhões. Há menos de um ano, em outubro de 2023, a badalada Avenues São Paulo foi adquirida pelo mesmo grupo, que já possuía, desde 2017, o British College of Brazil.

As três escolas da capital paulista são voltadas à chamada classe AAA. A Móbile tem mensalidades que variam de R$ 5.100 a R$ 9.640; na Avenues SP, para este ano letivo, a mensalidade é de R$ 16.500 e, no British College of Brazil, de R$ 8.500 a R$ 11.750.

Nos três casos, a aquisição envolveu a promessa de que as escolas iriam "manter sua identidade", algo usual nessas negociações com instituições da elite econômica. O compromisso de seguir com o mesmo projeto pedagógico é fortemente reforçado na comunicação do acordo, a fim de acalmar os ânimos dos pais, que escolheram aquela instituição em meio ao disputado mercado de educação privada de São Paulo.

estudantes caminham por corredor da escola, ao lado de uma área em que há pufes e assentos; ao fundo, mesas para leitura e mais estantes de livros
Corredor da Avenues São Paulo, no Morumbi, zona sul de São Paulo

Um marco na insegurança de pais e educadores com esses processos de aquisição de escolas por grupos de investidores, que começaram a se disseminar nos anos 2010, se deu com a venda da Escola da Vila, de São Paulo. Fundada em 1980 e referência por um projeto pedagógico humanista, a escola entrou para o grupo Bahema em 2017. Pais e funcionários divulgaram cartas manifestando temor que o projeto da escola fosse descaracterizado.

A garantia da manutenção dos gestores, professores e do projeto pedagógico foi a tônica do comunicado da Móbile, no mês passado, sobre a entrada para o Nord Anglia.

Maria Helena Bresser fundou a Móbile em 1975, com apenas dez alunos. Com 81 anos atualmente, e 3.700 alunos matriculados na escola, Maria Helena conta com o filho Daniel Bresser, 49, como parceiro na gestão –ele está na direção desde 2004.

Ambos seguirão como sócios da escola e em seus cargos na direção, segundo o comunicado –não foi informado o percentual vendido para o Nord Anglia, nem o valor da negociação.

O processo de sucessão familiar costuma estar entre as motivações para a venda dessas instituições, explica Paulo Presse, coordenador da Hoper, consultoria do mercado de educação no Brasil. Com o boom da abertura de escolas particulares no país a partir da década de 1970, há fundadores que têm hoje por volta de 80 anos e, em alguns casos, não contam com uma segunda geração que atue na escola.

Quando há uma sucessão na família, diz Presse, a segunda geração muitas vezes se mostra mais aberta a processos de expansão, parcerias e, inclusive, de venda.

Um outro motivo para se buscar parceiros/investidores é a necessidade das escolas, cada vez mais frequente, de atualizar sistemas digitais de ensino e de gestão. Uma outra razão é a dificuldade financeira, algo que assombrou o setor na pandemia.

"A operação de uma escola é complexa e pode ser cara se não for muito bem feita. Compartilhar sistemas e equipes para isso pode otimizar os custos", diz Presse.

Para o investidor, o mercado de educação básica brasileiro se tornou atraente nesta década, em especial quando as vendas e aquisições de instituições de ensino superior, após um movimento frenético nos anos 2000, atingiram uma espécie de platô.

De acordo com a Hoper, o mercado de educação básica no Brasil está em ascensão, com um faturamento estimado em R$ 92,3 bilhões em 2023, considerando as mensalidades escolares, as plataformas de ensino e os livros didáticos. E as escolas voltadas à elite econômica se destacam nesse cenário.

"Esse mercado da educação de alta performance tem muito a ver com o novo desenho familiar das classes média e alta. Ambas têm reduzido drasticamente o número e filhos", diz João Vianney, consultor da Hoper. "Com menos filhos, há uma disponibilidade muito maior de renda para investir na educação. Assim, o mercado das escolas premium cresceu vertiginosamente, o que atraiu os grupos internacionais."

Excursões para Tanzânia e Suíça

No caso da Móbile, circulava desde a pandemia, entre pais de alunos, o boato de que a escola seria vendida, o que gerou insegurança sobre possíveis mudanças. O anúncio da compra pelo Nord Anglia –um grupo com mais de 80 instituições, todas de elite, em mais de 30 países–, com a garantia de que os gestores e o projeto da Móbile seriam mantidos, foi, em geral, bem aceito, de acordo com famílias entrevistadas pela Folha.

A entrada no Nord Anglia promete facilitar intercâmbios internacionais e uma formação voltada ao ingresso em universidades estrangeiras, demandas cada vez mais fortes na classe AAA. Formar líderes globais é um mantra do marketing desses grupos.

Esse já era o posicionamento da Avenues desde a sua fundação, em 2012, em Nova York. A unidade de São Paulo foi a segunda aberta, em 2018, depois vieram a de Shenzhen, na China, e a Avenues Online, em 2019, e a do Vale do Silício, nos EUA, em 2021. O plano era construir uma escola global com campi em 20 países.

No ano passado, no entanto, as unidades de Nova York e São Paulo foram vendidas para o Nord Anglia, e essas é que poderão manter a marca Avenues.

Diretora da Avenues São Paulo, Anne Baldisseri afirmou à Folha que, com a entrada no Nord Anglia, o projeto de uma escola global se consolidou mais rapidamente. Ela contou que estudantes e professores já participaram de eventos internacionais do grupo, como um festival de teatro na Julliard School, em Nova York, uma competição esportiva entre escolas da América, em Orlando, e excursões para a Tanzânia e a Suíça.

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Pátio interno da Escola Móbile, em Moema, na zona sul de São Paulo - Eduardo Knapp -25.ago.2018/Folhapress

Segundo a diretora, não houve mudanças nas equipes gestoras ou em procedimentos da Avenues. "Algo que prezamos muito é o nosso processo seletivo de docentes, que é extensivo, e seguimos com autonomia para fazer da forma como sempre fizemos."

Uma novidade, de acordo com Baldisseri, foi uma maior proximidade com a outra escola do grupo em São Paulo, o British College of Brazil. "Nós trocamos experiências e, recentemente, fizemos uma formação de professores em conjunto. Certamente agora vamos nos aproximar da Móbile."

Neste mês, diretores do Nord Anglia estiveram em São Paulo para reuniões com as escolas paulistanas.

Em nota à Folha, o grupo falou que está "orgulhoso" de ter as três escolas brasileiras em sua "família global". A preservação da identidade de cada uma delas foi indiretamente mencionada quando o grupo falou que as as três escolas "oferecem currículos únicos que as diferenciam uma das outras".

No xadrez internacional do mercado privado de educação, o próprio Nord Anglia está passando por um processo de leilão entre investidores, de acordo com o Financial Times. Segundo o periódico, a venda do grupo pode atingir o equivalente a mais de R$ 80 bilhões.

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