quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Os condutores e as cavalgaduras, Sergio Rodrigues - FSP

 O coach é puxado por cavalgaduras —e se faz tempo que isso já não é necessariamente uma verdade literal, não há motivo para descartar a metáfora. Pelo contrário: ela prova que a etimologia é cheia de tesouros ocultos.

O substantivo "coach" chegou à língua inglesa em meados do século 16, vindo do francês "coche", com o sentido de carruagem grande e fechada de quatro rodas —como se sabe, um veículo de tração animal.

A palavra tinha mais prestígio internacional que o filme do Waltinho. Entre outras línguas, marcava presença no alemão "Kutsche". A fonte estava no húngaro "kocsi" —cujo sentido original era carruagem feita na localidade de Kocs, vizinha de Budapeste, onde se fabricava desde o século 15 um veículo confortável, amplo, com suspensão de molas.

Nem é preciso ir tão longe para encontrar a primeira acepção de coach. "Kocsi" chegou à nossa língua nessa época como "coche", a mesma grafia assumida pela palavra em francês e espanhol.

O termo é tão pouco usado hoje quanto a coisa em si, mas deixou uma marca viva no cocheiro, condutor de coches, seges, diligências, cabriolés, carruagens em geral —e presença quase obrigatória em romances de época.

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Foi no inglês que, no século 19, o coach começou a se desdobrar em novos sentidos. O de vagão de passageiros no transporte ferroviário —e, mais tarde, de ônibus— é uma simples metonímia, algo fácil de compreender. O de tutor e treinador é metafórico e requer explicação.

Cocheiros conduzem carruagens em Nova York (EUA) - Stan Honda - 2.jan.14/AFP

Consta que começou como gíria de estudantes da Universidade de Oxford por volta de 1830 o uso de coach para nomear o professor que, com aulas particulares, ajudava um aluno a se sair bem na temporada de provas.

E o que uma coisa tem a ver com a outra? A ideia é que o coach conduzia, transportava confortavelmente o estudante rumo à aprovação. Como se o levasse de carruagem. Sem o coach, o coitado teria que ir a pé.

Gírias são gírias, costumam ter vida curta. No entanto, três décadas mais tarde, essa acepção tutorial da palavra tinha penetrado com força no vocabulário esportivo. Nascia assim o sentido de coach como treinador, pessoa que prepara atletas para uma competição. E este pegou.

Pegou tanto que, no século 20, a ideia de coaching transbordou aos poucos do mundo do esporte para qualquer outro em que alguma forma de mentoria fosse necessária; o das artes, por exemplo. Até aí, jogo limpo.

Só recentemente o coach degenerou. Surgiram aqueles que apregoam ensinar seus pupilos a serem bem-sucedidos —não numa modalidade esportiva, não numa atividade artística, mas na própria vida. Na busca da riqueza material e da "felicidade".

Espécie de pastor secular, esse tipo agressivo de charlatão que nossa sociedade tem optado por tolerar —como vem tolerando a praga social das bets e o terrorismo dos piromaníacos— é filho de um tempo em que se cruzam duas curvas contrárias, mas amigas.

A curva descendente dos empregos para as novas gerações, numa economia global que cresce cada vez menos, se cruza com a ascendente do individualismo, da satisfação imediata e do hiperconsumo como únicas medidas de valor humano.

Como diria Brás Cubas, dessa terra e desse estrume é que nasceu essa flor.


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